Já dizia um sábio que, se Deus fez algo melhor do que mulher, guardou para Si. Felizmente, alguns roteiristas e desenhistas seguiram a tendência Dele e compartilharam conosco suas incríveis criações.
Nesta semana especial para as mulheres, nada melhor que listar as minhas três personagens favoritas da Marvel. Claro que, assim como homens nas HQ, elas sofrem – às vezes até mais – de altos e baixos. Além de, no caso das mais antigas, não raro terem atravessado longas fases de desenvolvimento zero, sendo colocadas em papéis de pouca relevância, normalmente como alívio cômico, “escada” para personagens homens ou mero atrativo sexual. Mesmo assim, elas resistiram, ganharam mais espaço e arranjaram um lugar no coração de leitores em todo o mundo (mesmo uma delas estando morta a décadas…)!
EMMA FROST
Emma Grace Frost foi criada pela dupla Chris Claremont e John Byrne, estreando em Uncanny X-Men #129, de janeiro de 1980, como a Rainha Branca do Círculo Interno do Clube do Inferno. Seu visual na época – assim como a própria ideia do Clube do Inferno – era inspirado pelo gosto de Claremont por coisas ligadas ao universo sado-masoquista, o qual dizem que ele frequentava junto com sua futura esposa. A falsa loira – sim, Emma pinta o cabelo! – surgiu como uma manipuladora mental de comportamento glacial e sofreu por anos nas mãos de roteiristas incompetentes que fracassaram em lhe desenvolver a personalidade. Até que Grant Morrison assumiu os X-Men e foi informado de que o sr. Claremont – que iria escrever um título paralelo chamado X-Treme X-Men – não aceitava de forma alguma abrir mão da Tempestade nem da Kitty Pride. Como solução, o escocês resolveu incorporar a ex-vilã – que estava residindo em Genosha – à equipe, sem se importar com os conselhos de Joe Quesada, que achava estranho a agora enxuta equipe principal (que tinha apenas seis integrantes) ter “duas telepatas”, além do próprio Professor X.
Emma começou a se destacar com tiradas incríveis (anotem: as melhores falas que Morrison escreveu em New X-Men saem de sua boca – as do Fera quase empatam!), visual arrebatador (que inclui a sua “mutação secundária: Emma pode transformar seu corpo em diamante orgânico) e uma personalidade dúbia, que foge de qualquer classificação restritiva de boa ou má. Foi quando Grant deu sua cartada de mestre: pôs fim ao longo e chatíssimo relacionamento entre Ciclope e Jean Grey e jogou o líder de campo dos X-Men nos braços da ex-Rainha Branca, começando um namoro que fez bem ao apagadíssimo Scott Summers e deu tão certo que, finalmente, Jean conseguiu “descansar em paz”. Quando Joss Whedon e John Cassaday assumiram o título Astonishing X-Men, deram ainda mais atenção à Emma e humanizaram seus sentimentos por Scott.
Infelizmente, desde eventos ocorridos em Vingadores x X-men, o casal se separou, embora ainda dividam o comando de uma dissidência mais radical dos mutantes de Xavier. A boa fase da personagem, no entanto, lhe rendeu bons retcons, que deram a ela mais profundidade.
Emma não vê problema nenhum em usar suas qualidades físicas ou seus poderes psíquicos para obter vantagem, mas procura esconder os aspectos positivos de sua personalidade (como o amor que sente por Ciclope ou o entusiasmo que tem pela atividade de “mentora” de outros mutantes) com comentários irônicos e uma atitude recheada de cinismo. Infelizmente, a personagem não deu sorte quando adaptada em live action. Além de escalações equivocadas – Finola Hughes (Generation X, 1996), Tahyna Tozzi (X-Men Origins: Wolverine, 2009) e January Jones (X-Men: First Class, 2011) não possuem traços ou porte para fazer justiça a uma das personagens mais bonitas da Marvel -, é constrangedor o quanto ela tem de sua essência alterada em película, chegando a ficar irreconhecível para o leitor que vai assistir o filme.
Vale a pena ler com ela: As fases dos X-Men escritas por Grant Morrison e Joss Whedon. Além de publicadas nas mensais da Panini, a editora também lançou encadernados de tudo!
GWEN STACY
Ela surgiu em The Amazing Spider-Man #31, de dezembro de 1965, das mãos de Stan Lee e Steve Ditko. A personagem amadureceu com o passar dos anos, principalmente depois da saída de Ditko e a chegada de John Romita, deixando de ser uma garota bonita, mas irritantemente imatura, para se tornar uma pessoa bem mais agradável.
Ainda considerada o grande amor da vida do Homem-Aranha, Gwen nunca foi a preferida dos autores, que sempre tiveram muito mais simpatia pela extrovertida Mary Jane Watson. Sua morte nas mãos do Duende Verde ainda é um dos momentos mais chocantes das HQ de todos os tempos, principalmente porque, assim como a do Tio Ben, nunca foi revertida (apesar das promessas em sentido contrário feitas por Stan Lee).
Vejo em Gwen a pessoa boa, que tem o dom de agradar e inspirar, como ela fez com a própria MJ. Gosto da insegurança que demonstrava diante dos desafios da vida, o que ajuda a torná-la crível. Ao mesmo tempo, não deixava que as coisas a abatessem emocionalmente a ponto de ficar se martirizando, mesmo quando não entendia porque o seu relacionamento com Peter não decolava (o que me faz ficar sem entender porque ela adquiriu a fama de chorona com o passar do tempo). Infelizmente, sua imagem ficou arranhada para uma nova geração de leitores por conta de um arco imbecil e sem sentido, engedrado por J. Michael Straczynski e Joe Quesada, numa época em que a Marvel havia embarcado num ridículo “vamos polemizar pra vender”.
Teve um pouco mais de sorte no cinema, se comparada a Emma, não tanto pela sua inclusão forçada em Homem-Aranha 3 (Spider-Man 3, 2007), de Sam Raimi, quando foi interpretada por Bryce Dallas Howard, mas por ser uma das poucas coisas que deram certo nos últimos dois filmes do herói, dirigidos por Mark Webb, nos quais ganhou o rosto – e a boa interpretação – de Emma Stone. Curiosamente, Bryce e Emma são, assim como a MJ nas HQ, ruivas.
Vale a pena ler com ela: Homem-Aranha: Azul, escrita por Jeph Loeb e desenhada por Tim Sale, é narrada como se Peter Parker contasse para a própria Gwen a história de como eles “quase não namoraram”. Além da mini em formato álbum, foram lançados encadernados pela Panini e pela Salvat.
Elektra
Elektra Natchios pareceu pela primeira vez em Daredevil #168, de 1981, a primeira edição completamente roteirizada por Frank Miller, que começaria ali uma carreira de imenso sucesso.
A grega Elektra conheceu o jovem Matt Murdock – alter-ego do Demolidor – na faculdade, onde se apaixonaram. No entanto, a morte do pai dela nas mãos de radicais nacionalistas fez com que a jovem iniciasse uma busca por habilidades que a tornassem apta a vingar o assassinato do seu progenitor. Para tanto, ela alcançou o grupo conhecido como Os Virtuosos, mas foi expulsa do mesmo por Stick, que também foi sensei de Murdock, por ter a alma conspurcada por desejos de vingança.
Elektra, então, foi cooptada pelos maiores inimigos dos Virtuosos, o Tentáculo, e foi treinada para se tornar uma das maiores assassinas do mundo. Tempos depois, ela foi para Nova York e se tornou a principal assassina de Wilson Fisk, o Rei do Crime. Obviamente, ela reecontrou Murdock, agora como Demolidor, e, apesar de ambos perceberem rapidamente que ainda estavam apaixonados um pelo outro, suas carreiras conflitantes terminaram por afastá-los.
O grande momento de Elektra – e dos roteiros de Miller nesta primeira passagem pelo título do vigilante da Cozinha do Inferno – foi a morte de Elektra nas mãos do Mercenário, numa imagem icônica de pura violência que é relembrada por fãs e profissionais da área de HQ desde então.
Posteriormente, a ninja retornou da morte dentro de um ritual, não sem antes ter a sua alma “limpa” pelo amor de Murdock quando este tentou trazê-la de volta à vida por conta própria. Desde então, a ninja tem perambulado pelo Universo Marvel, alternando fases mais ou menos ruins, ora como vilã, ora como uma espécie de anti-heroína.
Elektra, além da importância que teve dentro de um dos melhores arcos de um personagem da Marvel de todos os tempos, é inesquecível também pelo seu visual clássico, com os longos cabelos negros (normalmente lisos, mas há quem os faça encaracolados), o lenço vermelho na cabeça e as adagas que gosta de usar como armas.
No cinema, ela teve o rosto de Jennifer Garner em duas produções: Demolidor (Daredevil, 2003) e Elektra (idem, 2005). Na segunda temporada da série do alter-ego de Murdock da Netflix, ela ganhará o rosto de Elodie Yung.
Vale a pena ler com ela: Elektra Assassina, que assusta um pouco na sua primeira parte, com um roteiro propositalmente delirante. A partir daí, Frank Miller engedra uma história de ótimo ritmo, com um texto muito bom e até doses de humor. Ah, e tem a arte completamente fora dos padrões de Bill Sienkiewicz. Saiu em encadernado pela Panini.
Será que vale a pena ler(?) : Depois de escrever esse artigo, fiquei sabendo que a UERJ tem uma tese de doutorado em Letras dedicada à personagem. É uma comparação entre os mecanismos usados por Miller em sua história com as passagens da Electra em tragédias gregas. E o melhor (ou pior) – o autor é um dos Iluminerds e teve a ideia maluca de colocar o Cavaleiro das Trevas 2 como exemplo da expertise de Miller como quadrinista.
Faltou muita coisa, muito mais garotas. Só 3? De resto, bem escrito e não entendi o Post Scriptum, parece piada interna.
Quem sabe o começo de uma série?????????