Na primeira parte de nosso seriado, apresentei o papel fecundador das Histórias em Quadrinhos na minha formação intelectual. Graças a elas tive acesso a muita coisa que, no meu tempo de criança, o pensamento conservador a que fui muito submetido, pretendia que “não era para crianças”. Desse modo, ouso considerar-me um iluminista, embora peculiar. Pois creio, com vigor, mais que no direito, no dever da dúvida última e sistemática. Não foi Kant quem me seduziu de fato para essa ideia , mas David Hume. Essa distinção é importante, pois a célebre polêmica entre eles ainda hoje persiste. O primeiro sustenta que, graças aos chamados “imperativos categóricos”, chegamos todos no mundo preparados (por quem? A resposta dele é “Deus”) para enxergar as causas das coisas (isso é uma simplificação, mas serve para o que quero dizer). Já Hume sustenta que, embora nascidos capazes de pensar, não enxergamos causalidade de coisa nenhuma, pois essa própria ideia é uma generalidade, fruto da sofisticação de nosso aparato cognitivo. Substantivos abstratos são assim. É o hábito de ver certas coisas se repetirem, de notar os movimentos semelhantes e diferentes, no curso da vida, que nos conduz à ilusão de que notamos a causa “causando”.
Ateu que sou, tendo a concordar com Hume.
Creio que isso faz de mim um iluminista, pois creio que só o debate, e portanto a democracia, nos permite refinar nossas ideias. Toda verdade absoluta me parece perigosamente suspeita. Isso é outra pista que me leva a considerar que estou colaborando no lugar certo, uma vez que o iluminismo prega a importância da razão, no âmbito do pensamento. E sempre fui um “iluminerd” convicto da importância da leitura para a construção de uma competente visão de mundo. Meu caminho, como deve ter ficado claro, passa resoluto pelo pop , com a sem-cerimônia que os quadrinhos me ensinaram a ter.
Não creio, pelo outro lado, em nenhuma razão pura. De acordo com conhecimentos científicos contemporâneos, e com os fatos da minha vida, estou ciente do papel determinante, por exemplo, da nossa digestão para o rigor de nosso pensamento e de nossa capacidade de estudo. Sem falar da vida emocional, que como para mim e pelo menos metade da torcida do Flamengo, é dificílima de lidar! Creio, talvez, que um dos fatores do meu gosto perene pela literatura e pelos quadrinhos de terror, está ligada ao medo incontrolável , que de um modo ou de outro, está muito presente , e os meus estão ligados à constatação que muita gente, como eu, vai atrás do terror literário para ajudar a debelar os terrores pessoais. Como diz a homeopatia, “similia similibus curantur”, isto é, “o semelhante cura o semelhante”.
O que nos traz a outro lado de meu gosto pelos quadrinhos: os de terror. HEIN?? COMO ASSIM?? Continua no próximo e emocionante episódio!!