Snydercut: Iluminamos a Liga da Justiça!

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Há alguém que ainda não saiba que 1) o diretor Zack Snyder (de Batman Vs Superman) saiu da direção de Liga da Justiça após a morte de sua filha? E que 2) Joss Whedon (Os Vingadores) foi chamado para completar o filme e, ao que parece, torná-lo mais leve e solar? E que 3) lançado em 2017, o filme não entusiasmou público e crítica, tampouco estourou na bilheteria?

Após anos de mobilização e hashtags (#releasethesnydercut) dos fãs de Snyder, pedindo o lançamento do filme como projetado originalmente, reforçados pela campanha paralela do próprio cineasta, regularmente mostrando material de bastidores das filmagens, que sugeria algo muito diferente (e melhor) do que foi exibido nos cinemas, finalmente a versão do diretor viu a luz do dia, como um produto do HBO Max.

É bem possível que a necessidade de algo que pudesse voltar as atenções da massa ao serviço de streaming, e converter isso em assinaturas (e dindim, claro!), tenha sido decisivo no lançamento do filme (após novos investimentos, filmagens e pós-produção), que pouco lembra o de 2017.

A Liga da Justiça que vemos agora (via aluguel online, já que o HBO Max ainda não desembarcou no Patropi) tem o dobro de horas do anterior, e uma proposta diferente: Agora ficam claras as jornadas de vários heróis, e como elas contribuem ou são indispensáveis para a resolução do problema.

Parece básico, e é. Infelizmente a falta de uma base assim segue afundando empreendimentos cinematográficos, como fez com a versão do Whedon. Ou seja, fale-se bem ou mal do Snydercut, goste-se ou não do estilo do Snyder, é difícil negar que o filme é redondo (furos também podem ser redondos, claro, mas muitos não são relevantes ou margeiam a suspensão da descrença).

A trama principal segue direta: Apenas a união de meta-humanos pode fazer frente à grande ameaça interplanetária que se avizinha. Nossa sorte é que, dessa vez, o longa não se resume a isso de forma rápida e simplória como antes, que ignorava uma apresentação dos novos heróis que fizesse com que nos importássemos com eles. Agora temos essas apresentações provavelmente como planejadas antes do envolvimento de Whedon no projeto e antes das mudanças de rumo promovidas pela Warner para, ao que parece, tentar deixar tudo mais próximo da fórmula Marvel Films de gerar campeões de bilheteria.

No Snydercut, o Flash e o Ciborgue não são apenas figurantes de luxo, mas os motores e a salvação de todos. A apresentação de Barry Allen, além de plasticamente espetacular, explica, sem palavras, o quanto seu poder impacta no tempo, ou, ao menos na percepção dele. E isso está à serviço da história, pois novas informações são acrescentadas posteriormente, até o ponto em que são testadas, na prática. A introdução do Ciborgue é tão importante quanto, só que no contexto do que o impede de acabar com o mundo como conhecemos, diante de todo o seu potencial.

O Batman e a Mulher-Maravilha dessa vez remontam aos apresentados em Batman Vs Superman, adequadamente alterados pelos acontecimentos lá mostrados. As cenas do Aquaman ganham mais substância e seriedade (excessos humorísticos ligados a ele, ao Flash e até ao Batman do “Whedoncut” foram limados). E o Superman faz mais sentido
na atual versão. Muitos gostaram da provocação que o recém-ressuscitado Kal-El fazia ao Batman antes, e ok, mas realmente o fato de o Superman da nova versão não dizer nada até se evadir de Metrópolis me parece uma decisão melhor. Antes ele parecia estar raciocinando e, mesmo assim, estava tomado por ódio. Agora não, apenas confuso e institivamente reativo depois de ter voltado sabe-se lá de onde estivesse. Tanto que, conforme ele vai voltando a si (após ver Lois, claro), volta também a ser ele mesmo.

Não que eu lembre de todas as cenas do filme de 2017, mas acho incrível como até a cena em que os heróis decidem pela tentativa de ressuscitação, e a em que levam isso a cabo também fazem muito mais sentido. Inegável que o novo corte é mais adulto em todos os aspectos. Em geral, todas as tomadas que vimos antes possuem mais camadas agora, são mais brutais e, por doido que pareça, poéticas. Há mais espaço para contemplação, uma calma em desenvolver a trama, e, em tempos de consumo massivo de vídeos de poucos minutos ou segundos nas redes sociais, isso pode verdadeiramente representar um problema para alguns ou muitos. Assim como a opção estética (que é parte do estilo de Snyder) pelas câmeras lentas. A mim não incomodou nenhuma dessas opções Na verdade, tornou a produção maior e melhor. Um épico mesmo: repleto de batalhas grandiosas, como a das Amazonas, a na Atlântida, a envolvendo a defesa da Terra cinco mil anos antes, a no subterrâneo, e, especialmente, a final, todas possíveis de acompanhar a encenação, a coreografia e as expressões dos envolvidos.

É visível no filme que não foram ouvidos apenas os fãs, mas os críticos. Além de adequadamente palatável, principalmente para algo com 4 horas, há uma clareza maior nos propósitos da trama e dos personagens. Os enigmas ou “viagens” ainda existem, mas limitados a segmentos que apenas acrescentam leituras ao filme e/ou que se destinam a ecoar em eventuais novas produções.

Talvez não fosse a melhor abordagem para um primeiro filme da Liga nos cinemas, como já se disse. Porém, é muito superior à abordagem atabalhoada anterior. A recepção atual, inclusive, demonstra isso: Críticas positivas, boca-a-boca igualmente positivo, e uma nova campanha dos fãs para que se dê continuidade ao mostrado no longa (#restorethesnyderverse).

Há toda uma confusão envolvendo o estúdio e as empresas proprietárias dos personagens da Liga e o “planejamento” dos futuros filmes baseados nessas propriedades, bem como a relação custo-benefício dos filmes projetados por Zack Snyder, e é preciso aguardar os próximos capítulos dessa queda de braço, mas, por mais que hajam exageros para ambos os lados quando se trata da visão do Snyder para o universo cinematográfico da DC, é bem possível que essa polarização tenha evitado uma maior pasteurização das adaptações de super-heróis para a tela grande, o que, por si só, é algo a se celebrar. Que continuem vindo filmes de super-heróis que não obedeçam a uma única fórmula.

Rodrigo Sava

Arqueólogo do Impossível em alguma Terra paralela

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