1/10 de Timbuktu e 2/3 de The Skeleton Twins: Sim, sessão dupla no Festival do Rio 2014 #soquenao

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Um pé atrás. Era como qualquer biógrafo conseguiria definir o meu estado de espírito no momento em que li a sinopse de um certo filme francês passado em Timbuktu.

Ela falava em extremistas religiosos e num pescador que atacara uma vaca… Ou seja, parecia o sonho de todo cinéfilo: descobrir no Festival um filme exótico bom de assistir. Nosso relacionamento começava interessante: o longa-metragem se insinuando, e eu já o idealizando.

Mas a bad não ficava de fora, vindo como um grito de solteirice saído de uma alcova aromatizada: e se essa bagaça for uma bomba? Timbuktu é realmente um lugar? Ou é apenas aquela terra distante e colorida para onde o Tio Patinhas vira e mexe arrastava Donald e os sobrinhos?

Quando começava a descobrir as vantagens de assistir Timbuktu confortavelmente com uma jarra de guaraná numa mão e um hambúrguer promocional do Burger King na outra, a tela, preguiçosamente, congela. Passados uivos e assobios e aplausos insatisfeitos dos demais incautos que prestigiavam a sessão, surgiu uma figura toda de preto, microfone quebrado na mão, esgoelando-se à frente da tela grande.

Era uma vez uma contratada do Festival, anunciando que, dentro de cinco minutos, tudo voltaria ao normal. Já houvera outra sessão mais cedo, e tudo terminara bem.

Na sequência, Timbuktu voltou. Acho que rebobinaram a fita, e tivemos de assistir ao mesmo segmento mais uma vez. Só que, com a esperança de não congelar tudo novamente quando aparecesse o tal pescador que viria a interagir com a vaca da sinopse.

A esperança venceu o medo. Mas não adiantou porcaria nenhuma, pois o filme congelou de novo com a aparição do pescador. Era uma pessoa difícil. A jovem contratada do Festival também apareceu de novo. Explicou que era um problema de HD, que seria trocado por outro, que não estava lá. Ainda. Coisa de vinte minutos. Explicou mais: que horas antes havia acontecido o mesmo problema, trocaram o HD e deu tudo certo.

Peraí? Ela não havia dito antes que mais cedo não havia acontecido nada durante o filme? Decidi romper laços com Timbuktu. Adeus pescador. Salve-se se puder, vaca. Ganhei o mundo.

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Com metade do guaraná ainda por beber, umas pedrinhas de gelo balançando e outro sanduíche de boi intacto, procurei outra sessão para passar o tempo antes da sessão de O Cheiro da Gente, que seria a principal do dia. E não é que parei no meio da sala que passava The Skeleton Twins? Simplesmente o filme que desprezei em prol de Timbuktu… Lá estava eu, de volta como aquela bisca que te larga depois de duas bicadas no teu chope.

Devia estar na metade. E ainda assim parecia muito promissor. O que dizer? Uma comédia dramática norte-americana, na qual um casal de irmãos separados por anos e pela vida acabam se reencontrando e passando a vida a limpo.

Era tudo de um bom gosto incrível. A cidadezinha interiorana com vocação para curtir o halloween, devidamente enfeitada, devidamente fotografada, com um toque algo lúgubre e fantasmagórico, e também – por incrível que pareça – acolhedor; A espirituosidade e modernidade dos personagens – um irmão gay com enorme talento, a irmã devoradora de homens, e seu marido cornudo e simpático que sonha com uma paternidade silenciosamente negada por ela.

Bill Hader é velho conhecido do Saturday Night Live e do Superbad. Ele vive o irmão. Sua irmã é encarnada por Kristen Wiig, que estava exuberante em Missão Madrinha de Casamento. Luke Wilson é o enganado e engraçado marido dela.

Mesmo sem entender alguns pontos perdidos na hora de projeção desperdiçada em Timbuktu, curti The Skeleton Twins até o fim, com seu acerto de contas emotivo e final corajoso e aberto. Humor adulto de alto nível, e um filme realmente autoral.

Rodrigo Sava

Arqueólogo do Impossível em alguma Terra paralela

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