A aplicação de critérios científicos em nossas relações interpessoais

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O que faz um super-herói? Os poderes, as habilidades especiais? O que difere uma pessoa comum de uma super? Antes eu achava que era o caráter do super, sua bondade e altruísmo, mas não. O que faz um super-herói é o fandom, se você for capaz de criar para si mesmo uma boa imagem, ou convencer os outros de que suas habilidades são acima da média, e principalmente, se você conseguir fama, é provável que as pessoas do seu fã-clube perdoem todo e qualquer ato errado que você cometa, e ainda tirem toda a responsabilidade das suas costas, e no final, você saia como o coitadinho. Essa tática pode ser exponenciada mil vezes se você for um homem branco padrão de beleza.

Por que é tão difícil para nós aceitarmos e acreditarmos que por mais “gente boa” que o seu amigo possa parecer em público, ele agride sua família e os expõe a diversos problemas psicológicos, simplesmente por não conseguir controlar o próprio ego? Mesmo que ele pareça um super marido, um super pai, ele pode não ser!

NÃO, esse texto não é sobre o Depp (poderia ser), e sim sobre os “super-heróis” do nosso dia-a-dia, os super-músicos de bandas famosinhas, tão amados pelos amigos e pelos fãs, que agridem a namorada/esposa e ninguém liga. Os super-talentosos do teatro envolvidos em escândalos de assédio, que ninguém se importa. Os super-artistas que só querem fotografar e pintar mulher nua, e ficam mandando mensagens constrangedoras tentando coagi-las a aceitar ter relações sexuais com eles.

Os super-inteligentes estudantes e pesquisadores que estupram e agridem mulheres na universidade federal. Os super-maridões ou super-namorados que traem e manipulam psicologicamente suas parceiras para se sentirem culpadas pelas traições e abusos. E no final das contas, eles são amaciados pelos amigos, os brothers que dizem “ah, fulano não faria isso, eu o conheço, ele é muito gente boa, e um super amigo!”.

“Manos antes das minas”

Conheci muito cedo esse tipo, e, sinto dizer, já passei pano para várias, desprezando os sentimentos de quem tinha sido vítima; mas, a realidade é simples: o fato de eu não acreditar em algo não o invalida. Por isso, atrevo-me a dizer que o excesso de sentimentalismo estraga as relações humanas, e nos impele a cometer injustiças e a apoiar atitudes erradas vindas de pessoas a quem admiramos e gostamos. Talvez, devêssemos adotar uma postura mais racional, em vez de apoiarmos nossos vínculos em motivos de afinidade pura. Utilizarmos um pouco de critério científico poderia ser muito mais proveitoso.

“Sempre siga as evidências, onde quer que elas levem.”. Vamos admitir que poucas pessoas são realmente tão boas em esconder o próprio caráter, ao ponto de não deixarem indícios de suas condutas. Mesmo que seja uma pessoa que você gosta, não compactue com agressão, não tente defender uma pessoa que está errada apenas por ter uma ligação emocional. Pense no contexto geral, no impacto que sua ação terá ao redor de tudo, nas pessoas afetadas.

Também não pense que você pode consertar as pessoas. O seu amor não vai mudar ninguém além de você mesmo. “Ah, mas o primo de terceiro grau do vizinho do meu chefe era problemático, conheceu uma mulher e mudou.”. Pode até ser que existam pessoas que mudem quando estão numa relação (amizade, namoro, família, relações em geral), mas a mudança ocorre por uma vontade individual, no máximo, influenciada pelo externo. E é raro, muito raro. Não se iluda que a pessoa violenta, ciumenta, possessiva, com um histórico de traição e agressão, vai te tratar diferente. Não se deixe levar pelo sentimentalismo, ao ponto de perder a noção da realidade. Não acredite na história de “eu sou assim, porque minha ex era louca, e eu fiquei traumatizado”. Se as evidências apontam um comportamento ruim, então o comportamento ruim existe. Acreditar em algo não o torna verdadeiro, assim como a dúvida não invalida a verdade.

E não se torne parte de um culto que idolatra pessoas. Todos estamos sujeitos a errar, faz parte da existência humana. No entanto, quem erra precisa reconhecer e se recuperar. Se for negada essa chance de reparação, cria-se uma bolha de proteção em volta de alguém que não vai ter responsabilidade ou zelo pelos outros, já que estará intocado. Repito, não falo sobre famosos, nem pessoas que estão distante da nossa convivência e realidade. Falo sobre aqueles que estão ao nosso lado, com quem convivemos, e sobre quem nos recusamos a emitir uma só crítica. A falta de critério aliada ao excesso de sentimentalismo cria mimados, que prejudicarão outras pessoas. E não pense que isso não vai lhe afetar, porque sempre afeta.

Uma avaliação racional de nossas relações é capaz de matar deuses, expor a realidade humana vil e egoísta, mas apenas ela pode nos trazer uma real mudança e oportunidade de ser melhor.

Hypolita Prince

"Nerd" por acaso, e ainda não satisfeita com a denominação. Escrevo sobre feminismo, e outros assuntos que me interessem. Não os desenvolvo tanto quanto gostaria, mas é por preguiça de organizar as ideias nos textos.

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