A Guerra Infinita de Thanos no cinema

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(Aviso de possíveis spoilers)

Tudo levou até aqui. Uma empreitada muito bem-sucedida que, ao longo dos últimos dez anos, apresentou na tela grande inúmeros super-heróis publicados há décadas pela Marvel, editora que (não à toa) é chamada de Casa das Ideias.

Guerra Infinita começou anos atrás, na antológica cena pós-créditos de Os Vingadores, em que Thanos apareceu pela primeira vez no universo cinematográfico da Marvel (MCU, na sigla em inglês). De promessa, o vilão criado por Jim Starlin não apenas se tornou realidade, mas provou ser obstinado o suficiente para conseguir dobrá-la a seu prazer.

Prazer? Não exatamente. Acertaram em mostrá-lo como um fundamentalista extremista, que defende com unhas e dentes a fé que professa, ainda que ideológica e não exatamente religiosa, e busca, a qualquer custo, impor os dogmas dela a todos.

Vingadores – Guerra Infinita é um marco para o gênero de filmes de super-heróis, ao reunir, de uma única vez, dezenas deles, anteriormente apresentados, e mostrar incríveis interações entre eles, além de fantásticas batalhas. Mas a história é mesmo sobre Thanos.

Não leve a mal. Vemos Hulk de uma forma surpreendente. As idiossincrasias dos Guardiões da Galáxia sem concessões. Faíscas entre Tony Stark e o Doutor Estranho. O salto tecnológico sem precedentes do Homem de Ferro. E um Thor mais heróico e poderoso que em todos os seus filmes solo. Ainda assim, o que realmente importa é o vilão.

O Titã louco se apresenta como uma figura tridimensional, não somente pelo realismo – inegável – do CGI e do sistema de captura de movimentos e expressões do ator Josh Brolin, mas pelas nuanças de sua personalidade.

O que o move não é a dominação ou a destruição do universo, ou vingança, ou satisfação pessoal. Sua trajetória percorre tudo isso, em que pese ele defender o oposto. Suas contradições, porém, o humanizam. E embora realmente pareça ser impactado por dilemas, por afeições, por decepções e expectativas, a persistência é sua maior característica. Ele nunca desvia de seu caminho.

O que o move é a certeza de que a inexistência de controle na expansão populacional em todo o universo causará o fim de tais populações, como ocorreu com seu planeta, Titã. Em sua visão, a salvação de todas as vidas está na morte de metade delas, a fim de alcançar um suposto equilíbrio no universo.

Por toda a sua vida Thanos singrou o cosmo assassinando a metade da população dos planetas que invadiu, sob o pretexto de fazê-los alcançar uma espécie de paz social que os salvaria do mesmo tipo de colapso que acometeu Titã.

O dogma de Thanos é mais perigoso que o próprio. Sua teoria pseudo-malthusiana tocou corações e mentes pelo universo. Levou terror a muitos que viram seus pares sacrificados. Mas é possível que tenha inspirado outros maníacos a justificarem seus desejos genocidas latentes.

O próprio Thanos trilhou o caminho da doutrinação, ao estabelecer um discipulado (formado por exércitos e seus tenentes – a Ordem Negra) que assegurasse o cumprimento de uma missão talvez grande demais para ele sem o eventual auxílio das Jóias do Infinito.

Maquiavélica, ao sugerir que os fins justificam os meios, a ideia propagada por Thanos possui flagrante inconsistência, eis que estabelece como problema a ser resolvido a existência das próprias pessoas que pretende salvar. Define, com base em uma experiência pessoal (o colapso de Titã), a premissa de que expansão populacional sem controle leva à ruína de toda a referida população, e que a única solução é o genocídio de metade dessa população, o que resultaria em prosperidade para ela.

Nesse ponto, é possível fazer uma leitura política do blockbuster, visto que tal dogma encontra um paralelismo com Governos históricos e atuais, que veem-se ou colocam-se acima das leis, inclusive naturais, num patamar divino ou quase, do topo do qual impõem a todos seu desejo supremo, decidindo-lhes a vida, a morte e o futuro.

Thanos conquista o poder absoluto ao reunir as seis jóias espirituais. Entretanto, em momento algum considera usar o poder em algo que não seja morticínio. Se realmente pretendia salvar o universo, estaria ao seu alcance melhorar a vida de todos que alegava estar em risco, de infinitas maneiras.

No fim das contas, assim como na versão dos quadrinhos, metade do universo acaba desintegrada. Nas hqs, a Morte desejava isso, e Thanos era seu executor. Na tela, é Thanos, e apenas ele que persegue tal resultado, e o obtém. Ele realmente parece acreditar nisso e sempre esteve disposto a pagar o preço. Há volta para isso? Há redenção possível para tamanho crime? Ou apenas punição?

As conseqüências de Guerra Infinita reverberarão por todo o universo cinematográfico da Marvel. Digo, duvido que produtores Hollywoodianos desprezem franquias milionárias de personagens como Pantera Negra, Guardiões da Galáxia e Homem-Aranha, mantendo-os mortos por muito tempo. Mas aposto que se os acontecimentos de Guerra Infinita forem tratados como definitivos por algum tempo, uns três anos, por exemplo, teremos uma dinâmica completamente diferente nas telas. Ameaças ainda mais assustadoras e a necessidade de novos heróis confrontando-as com todas as suas forças. Quem sabe um universo unido em torno de uma tragédia sem precedentes?

Com Thanos vitorioso e onipotente, e todo o universo de ressaca, Vingadores 4 poderia trazer um novo capítulo da história dos heróis sobreviventes, enfrentando novos perigos, possíveis de serem vencidos, enquanto que os filmes solos da nova fase que se descortina apresentariam as repercussões do holocausto universal e os novos protetores que talvez possam contorná-lo de algum jeito, e desafiar o titã mais adiante, em um quinto Vingadores.

A única certeza é a de que a película dos irmãos Russo, escrita por Christopher Markus e Stephen McFeely e inspirada por diversas hqs da Marvel, mais do que encerrar uma trama construída ao longo de anos, pode ter dado a largada numa outra ainda mais relevante e interessante, em razão do significado e da pungência da aventura que apresentaram. A ver.

Rodrigo Sava

Arqueólogo do Impossível em alguma Terra paralela

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