Amadorismo na Rede – parte II

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O discurso de Keen não está de todo errado ao criticar o conteúdo produzido por amadores. É muito diferente quando se produz com o desejo de aparecer publicamente e quando a preocupação é criar algo com utilidade pública. Além disso, fazer simplesmente não gera qualidade. Um garoto que publica um vídeo no Youtube não é um diretor; da mesma forma que um blogueiro não é um acadêmico ou um jornalista (calma! Não é, mas poderia ser).  Nestes casos, ao ler um artigo, uma notícia ou ver um vídeo é preciso ter em mente a questão da experimentação – experimentar novas informações, opiniões, mas saber colocá-las, a princípio, no devido lugar. Claro que esta visão crítica deve ser aplicada a qualquer conteúdo, inclusive aos produzidos pela mídia tradicional.

Para Keen, o amplo acesso ao conteúdo amador (e pretenso profissional) diminuiu a importância do intermediário, do caça-talentos. A indústria fonográfica já sofre com isso, pois um número crescente de músicos consegue expor seus trabalhos sem precisar de uma editora ou gravadora por trás. Teoricamente, a oportunidade aparece para todos – somente a oportunidade, pois, de fato, o retorno financeiro e reconhecimento social total só chegam se o artista se aliar à mídia tradicional também.

É claro que os mundos do Youtube ou dos blogs geram reconhecimento social. Os acessos crescem e há retorno financeiro, mas não na mesma proporção. Este é ainda (notem: ainda) um mundo fechado e segmentado. Eu notei isso ao descobrir que as pessoas que conheço não assistem gameplays no Youtube e que meus amigos (pasmem!) não conhecem o Jovem Nerd. Como assim?!

A visão de Keen é completamente contrária, para ele “o talento é construído pelos intermediários. Se ‘desintermediarmos’ essas camadas, poremos fim ao desenvolvimento do talento também”. O público amador é incapaz de escolher o que é bom e o que não é (justifica através da teoria de que as massas não são sábias).

Infelizmente, mais uma vez, o autor peca pela revolta. Na realidade, o amador não pretende, ao escolher o que é de qualidade, definir os blockbusters; o que ele quer é compor seu acervo cultural com produtos satisfatórios para si. Hoje, temos a oportunidade de avaliarmos nós mesmos o que estamos acessando. A seleção é feita de acordo com o que nós queremos e não de acordo com o que um especialista acha que será de bom gosto.

Ctrl C e Ctrl V

O fato de a produção de conteúdo estar nas mãos de todos (o consumidor também é autor) gera um crescimento da quantidade de informação, somada ao crescimento do número de internautas dispostos a criar. A tecnologia digital, através de seus protocolos de comunicação e compressão de dados, criou o ambiente perfeito para o armazenamento e recuperação da informação. Seu volume aumenta ferozmente a cada ano. A princípio, isso nos faz acreditar em um mundo criativo, comprometido com a produção e disseminação da informação. Todavia, não é tão simples assim. Deste volume todo, quanto realmente é produção própria?

Uma prática comum na internet é o famoso “ctrl C + ctrl V” (copia aqui e cola exatamente a mesma coisa ali) – neste caso, a cópia nem precisa ser exata, pega-se a ideia e muda-se o suficiente para parecer nova produção. Com isso, a quantidade de informação não se reflete em relevância, mas em abundância desnecessária e duvidosa. Uma porcentagem alta do conteúdo é lixo pessoal (lixo no sentido de que não acrescenta) ou cópia.

Para Keen, o amador não pensa, copia. Não acredito que seja tão extremo. Creio que ocorra preguiça ou otimização de tempo (o amador na internet é profissional em outro lugar): se alguém já escreveu sobre aquilo, não há necessidade de perder tempo para produzir a mesma coisa. A análise e interpretação ocorrem, o que não ocorre é a exteriorização de um pensamento. Copia-se e cola-se. Ou (para usar um termo mais atual) compartilha-se.

Keen afirma que este pensamento preguiçoso, acomodado, aliado à formação de comunidades e grupos de afinidade, desestimula a discussão, a troca de opiniões diferentes. A web, nestes casos, “é usada para confirmar nossas próprias ideias e nos aliar a outros com a mesma ideologia (…) as únicas conversas que queremos ouvir são as que temos com nós mesmos e com os que se parecem conosco.” Não exagera, Keen…

É um tarefa árdua filtrar conteúdo relevante na web. As poucas informações verdadeiramente trabalhadas e legítimas se perdem em um mar de “achismos”, compartilhamentos e erros, que se multiplicam em fóruns de discussão, posts, vídeos, blogs, tweets ou correntes no Facebook. Com isso, corremos o risco de possuir opiniões fortes, mas que são baseadas em fontes duvidosas. Por exemplo, várias denúncias que circulam no Facebook são criadas sem nenhum critério, são informações revoltadas cuja credibilidade não existe; ainda assim, as pessoas compartilham e as usam como material para formar suas opiniões sem se preocupar em pesquisar outras fontes. Um movimento básico que acabaria com isso seria o ato de duvidar (aaa… Descartes…): duvide da informação; não a aceite como certa ou errada, apenas questione-a. E isso em qualquer situação. Inclusive sobre este texto…

A facilidade operacional de cópia, aliada à cultura livre e cooperativa, que forma a base da internet desde sua criação em meados da década de 1960, gera problemas maiores que a simples repetição: plágio e pirataria (repetições não autorizadas com ou sem ganho financeiro). Keen defende a ideia de que a pirataria está acabando com a economia e com as mídias tradicionais – afirma que a “mídia antiga está ameaçada de extinção”.

Eu não seria assim tão radical: a pintura não acabou, nem a fotografia, o cinema ou a televisão… Obviamente, a pirataria e o conteúdo feito pelo usuário impactam diretamente no consumo dos conteúdos tradicionais, mas não a ponto de exterminá-los. Como sempre ocorreu na história da comunicação, a criação de uma mídia influencia as outras (e é influenciada), obrigando-as a se adaptar – e com elas, as instituições relacionadas. Como exemplo, Keen usa o fim das lojas de CDs: lamenta-se pelo fato da pirataria musical acabar com um espaço genuinamente tradicional – queixa-se que pelo computador não há a mesma troca social que ir a uma loja e conversar com o vendedor, um “especialista amador” sobre o assunto. Claro que sempre haverá baixas no processo, sejam lojas de CD, locadoras de DVD ou jornais em papel, no entanto este não deixa de ser um passo importante para a evolução da comunicação e do comportamento. (In)felizmente, as indústrias terão de se adaptar, mesmo que isso cause diminuição nos lucros (melhor ganhar pouco que não ganhar nada).

Fato é que desde que criaram o Youtube, eu não vejo mais TV aberta…

Gustavo Audi

Se fosse uma entrevista de emprego, diria: inteligente, esforçado e cujo maior defeito é cobrar demais de si mesmo... Como não é, digo apenas que sou apaixonado por jogos, histórias e cultura nerd.

Este post tem um comentário

  1. Sir Jones Kast, Ph.D.

    TV aberta é para os fracos, com internet preciso mais disso não. Vejo tudo por aqui mesmo, filmes, jogos, lutas, jornais, desenhos, séries, música, clipes…o que mais eu vou ver na TV?

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