Arlequina e Coringa

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Imagine um homem que agride sua namorada das formas mais maníacas possíveis. Imagine que essa namorada já esteve à beira da morte diversas vezes de tantas agressões e tentativas de assassinato que já sofreu. Você admiraria esse casal? Gostaria que seu relacionamento fosse assim? Gostaria de vê-los juntos?

Desde que foi anunciado o filme de Esquadrão Suicida, as expectativas em torno de Arlequina e Coringa foram gigantescas. Com isso, o aumento de fãs do “casal” cresceu de forma considerável. A romantização desse relacionamento é algo que, particularmente, nunca entendi, pois é tão abusivo que beira o absurdo.

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Cena do Trailer de Esquadrão Suicida, exibido na Comic-Con San Diego-2015.

A essa altura, você leitor já deve ter se perguntando: será que a autora não sabe que isso são apenas histórias de quadrinhos? É, sei. Mas sempre vi os quadrinhos como reflexos da realidade, ou uma representação da realidade. Na Arlequina, vejo milhares de mulheres que não conseguem sair de relacionamentos perigosos. O mais interessante é que Arlequina é uma vilã – uma das melhores –, é muito forte e inteligente, e poderia muito bem dar um pé na bunda do palhacinho ou até mesmo fazer o que o Batman nunca conseguiu: dar um fim definitivo a ele; o que mostra que para estar numa situação dessas, você não precisa cumprir os pré-requisitos de menina sonsa, indefesa, burra e extremamente boazinha. Não, ela é perigosa! Então, como uma mulher tão forte se sujeita a essas situações?

É complicado estabelecer apenas um motivo para o fato da Arlequina (e todas as mulheres a quem ela representa) se deixarem ser agredidas por seus parceiros. Muitas mulheres relatam apenas “amar demais”, após irem soltar os maridos presos por agressão doméstica, “ele cometeu um erro, mas me ama”, “ele cuida de mim”, ou “quando não tá bêbado, ou drogado, ele me dá atenção”, enfim. Pra nossa vilãzinha, o motivo é o Batman, “se não fosse o Batman, o Coringuinha não me maltrataria”.

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Tá certo que, nem sempre, assim como as mulheres que sofrem violência doméstica, ela reagiu bem a isso; algumas vezes já ficou tão machucada que decidiu nunca mais voltar com o Coringa… O que lhe rendeu um relacionamento com a Hera Venenosa e com o Pistoleiro, porque né, ela não gosta de gente normal.

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Nem sempre, também, os motivos para ela o aturar são “sentimentais”, as vezes são bem interesseiros mesmo.

Inclusive, o fato dela não ser boazinha e ter sérios desvios de caráter, faz com que muitas pessoas encarem o fato dela sofrer tanto nas mãos do parceiro como “natural”, afinal ela merece, ou ela gosta.

Mas ela não gosta de apanhar, ela gosta do Coringa.

O Coringa é o elemento errado na equação desse relacionamento. Ele é invejoso, egocêntrico, manipulador e narcisista… E vê na Arlequina um grande potencial para superá-lo, ele tem medo da superioridade dela, e por isso tenta suprimi-la. Ele a vê como uma coisa, um objeto pessoal, um brinquedo que está ali para suprir suas necessidades, e não para ter existência e necessidades próprias.

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Ninguém vê que mais errado é ele que bate, do que ela que apanha. Ela é humilhada constantemente, pois a agressão supera o espancamento. E a humilhação, o rebaixamento e a calúnia, juntas, formam uma rede de violência esmagadora. É por isso que torço pra que ela deixe de vez esse Palhaço e se junte à Hera Venenosa, e depois sejam presas e cumpram suas penas, porque afinal são duas vilãs loucas, maníacas e assassinas. Mas, independentemente de qualquer defeito moral ou ético, ela é uma pessoa que não merece sofrer violência de tipo nenhum. Portanto, não tentem romantizar Coringa e Arlequina, porque não é, nem nunca vai ser, um casal cool, legal, fofinho; é um relacionamento violento e abusivo, e mulher nenhuma, por mais louquinha que seja, merece isso.

E antes que alguém venha reclamar aqui “e se fosse a Arlequina que batesse no Coringa?”, continuaria não sendo romântico e nem legal. Mas você consegue mesmo considerar isso? Consegue imaginar o Coringa sendo surrado, humilhado e desprezado, assim como consegue imaginar a Arlequina? Eu não.

Ah, e antes que eu esqueça: se você conhece mulheres que sofrem violência doméstica, por mais vilãs que sejam, denuncie. A Central de Atendimento é o 180, e você nem precisa se identificar.

Hypolita Prince

"Nerd" por acaso, e ainda não satisfeita com a denominação. Escrevo sobre feminismo, e outros assuntos que me interessem. Não os desenvolvo tanto quanto gostaria, mas é por preguiça de organizar as ideias nos textos.

Este post tem 6 comentários

  1. Harvey_o_Adevogado

    show de bola o texto. Aprovado e ganhou “o selo de qualidade de posts do iluminerds, avaliado por Harvey”.

  2. Denis, O Gruut!!!

    Bela postagem. Ela explana sobre esse relacionamento doentio entre esses dois personagens.

  3. Areta Figueiredo

    Excelente texto. De fato, é triste tentar romantizar ou dar glamour ao abuso e à violência puros.

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