Histórias Quentinhas Sobre Sair do Armário: o que achamos do quadrinho

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Mais um da série “conheci graças à CCXP 2019”, o álbum é uma publicação independente de quatro quadrinhistas de diferentes estados do país, o que sintetiza a qualidade e a diversidade da produção nacional de HQs. A capa realmente convida à leitura com suas cores quentes e o traço redondo e suave das personagens, remetendo a animações 2d modernas e fofinhas. Participando apenas da capa, a quinta Beatle Dika Araújo afaga nosso olhar e aumenta a expectativa para o miolo.

Que é justificada pela força e regularidade das quatro HQs, algo que não acontece sempre em coletâneas ou mixes, e certamente é resultado do talento das artistas e do planejamento da edição.

Após o prefácio de Gabriela Borges, criadora da Mina de HQ, temos a primeira história, da brasiliense Annima de Mattos, ‘Lua Crescente’, na qual entramos na cabeça de uma jovem em luta para tornar-se quem realmente deseja ser, a despeito das costumeiras cobranças sociais e de gênero ligadas aos costumes dominantes. Annima consegue imprimir grande delicadeza em seus traços e hachuras falsamente descuidadas, extraindo firmeza, timidez e doçura de sua protagonista. A narrativa é bastante livre, assim como a tipologia, que é realmente parte da história. E a representação da timidez, e de um certo sentimento de inadequação da personagem, por meio do recurso de mostrar parcialmente o rosto, ou riscado!, ou mesmo de costas, é um acerto e tanto.

A HQ ‘E daí’, de Belo-Horizontina Aline Lemos, traz a arte de que mais gostei. E que me lembrou a das quadrinhistas Zeina Abirached e Marjane Satrapi, autoras de, respectivamente, O Jogo das Andorinhas e Persépolis. Que igualmente possuem um traço que, à primeira vista, é visto como muito simples, mas de cuja beleza é muito difícil não se apaixonar.

E que uso Aline faz da aguada de nanquim, de volumes, de contrastes e de espaços vazios no papel! Com tais recursos, ela acompanha a mudança de atitude de uma jovem bissexual perante sua família conservadora que não desconfia quem ela de fato é, enquanto são descortinadas memórias de uma amizade que a ajudou nesse processo. Tudo isso tendo como pano de fundo o exemplo da cantora Ana Carolina, que se declarou bissexual em 2005, em um tempo em que o mainstream ainda não tratava o assunto com naturalidade (a primeira página da HQ, inclusive, inspira-se na capa de uma edição da Veja daquele ano com a foto da cantora e os dizeres “Sou bi. E daí”).

Com a arte mais próxima da capa do álbum, a sul mato-grossensse Ellie Irineu tem no traço limpo e curvilíneo e no domínio das expressões seu maior trunfo. ‘Melhores amigas’ conta a evolução da amizade de dois adolescentes, e fala de identidade e descobertas. Certo, mais que isso é spoiler… Atenção às reações dos personagens, pois isso e alguns outros detalhes, além de serem divertidos, dão pistas sobre o desfecho.

A última HQ, ‘Meia da Sorte’, da norte-riograndense Renata Nolasco, é a mais ousada do livro. Chegamos a nos perder na direção dos quadros em sua segunda e terceira páginas… A narrativa é tão dinâmica quanto o estilo do desenho, repleto de detalhes, e dá a dimensão da confusão de um cara quando um colega de república e de games revela-se gay. O que isso representa na vida do primeiro é o mote da trama, e o que isso pode causar na relação entre os dois.

O livro termina com uma pequena biografia de cada autora, e no fim dele a certeza de que devo correr atrás de mais material delas, urgente!

Rodrigo Sava

Arqueólogo do Impossível em alguma Terra paralela

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