A sensação que eu esperava ter ao assistir O Lado Bom da Vida, obtive saboreando esta pérola do cinema.
Não me entenda mal, O Lado Bom da Vida é adorável ao retratar o encontro e o reencontro de gente repleta de faturas a quitar de suas próprias vidas e relacionamentos, principalmente pelas emocionantes interpretações de Bradley Cooper e Jennifer Lawrence.
A desgraça é que criei certa expectativa em relação ao oscarizado filme, quanto à sua abordagem, e o havia desassociado de uma comédia romântica, o que, no fim das contas ele é.
Já A Parte dos Anjos me fez deixar a sala de projeção leve e contente, sorriso estampado no rosto, definitivamente o que imaginei que aconteceria com O Lado Bom da Vida.
Tudo porque A Parte dos Anjos nos envolve no “drama” de seus personagens, um grupo de jovens de Glasgow vistos como vagabundos, desajustados e malandros que, graças a pequenos delitos, são condenados pela Justiça a prestar trabalhos comunitários.
O responsável por transportar o grupo formado por eles em ações como as de pintura de centros comunitários e de limpeza de locais públicos, e de orientá-los, Harry, é um homem simples e bonachão, dono de um grande coração e de sensibilidade única, a ponto de levar diversos desses jovens, que acabaram por desenvolver laços de amizade entre si (numa indicação de que eles são reincidentes nesse tipo de condenação), a uma viagem pessoal.
Embora a degustação seja o ponto de virada da trama, que a partir daí adquire contornos de filme de assalto, o que aconteceu pouco antes, isto é, Harry estendendo a mão a um desvalido, às portas da miséria e da violência, é o que resume bem do que se trata a história: de segundas chances.
De um momento único em que alguém nos dá a chance de tomar fôlego durante uma surra, de nos recuperarmos um pouco, de secarmos o suor e lavarmos o rosto, deixando-nos menos próximos do abismo, prontos para nos levantarmos, agarrando essa nova chance com todas as nossas forças.
Nesse ponto, A Parte dos Anjos é como uma fábula sobre pessoas desafortunadas, que não tiveram chance de escolha, ou erraram feio, e que, por qualquer razão, têm a chance de recomeçar.
Ken Loach é um diretor engajado. Seu cinema pode ser simples, leve e ao mesmo tempo pungente, e sua abordagem de losers, marginais, ‘pobretões’, como alguns deles se autodefinem, desvalidos e párias em geral, é tocante e divertido.
Em A Parte dos Anjos, Robbie é o… protagonista. Um cara pequeno, com histórico de agressão e intemperança, possuidor de uma cicatriz no rosto que lhe fecha as portas do mercado de trabalho local. Mas o filho na barriga de sua namorada vem transformando seu modo de agir e pensar, e ele quer interromper seu destino de violência, iniciado por seu pai e avô.
No caminho de Robbie há um Harry que lhe apresenta um copo de whisky e o leva numa viagem de degustação da bebida. O resto é história. Assista ao filme delicie-se com a volta por cima de um punhado de jovens, então, destinados a apenas fazerem parte das estatísticas.