Iluminamos: Chappie

Você está visualizando atualmente Iluminamos: Chappie

Desde que estreou na carreira cinematográfica com Distrito 9, Neill Blomkamp chamou a atenção do mundo inteiro, integrando ficção científica, críticas econômicas e sócio-políticas, drama e ação de maneira honesta, integrada e extremamente bem sucedida. Seu segundo filme, Elysium, apesar de não ter o mesmo impacto e pegada de Distrito 9, mantém um bom nível e deixa claro que Blomkamp é uma força a ser reconhecida e olhada com muita atenção. Infelizmente, Chappie não honra o currículo de Blomkamp e só não joga toda a reputação de Blomkamp no lixo porque não é desonesto. Novamente, Blomkamp tenta entregar um produto híbrido: crítica/ficção científica/entretenimento; mas a tentativa, apesar de honesta (como seus outros dois filmes anteriores), é tão desajeitada que não vale nem o esforço.

IC-dog

Chappie fala de uma Joanesburgo citiada pela violência que resolve substituir a maior parte de sua força policial humana por androides hiper-eficientes, obtendo ótimos resultados com isso. A premissa é exatamente a mesma de Robocop e me parece que há uma homenagem explícita ao filme original de Paul Verhoeven (de 1987), pois toda a história da implantação dos robôs na violenta Joanesburgo do filme é contada através de “reportagens” e entrevistas (assim como Robocop, que usava muito da linguagem televisiva como forma de trazer o expectador pro contexto do filme). No meio de toda esta mudança estão Deon (Dev Patel), o cientista responsável pela criação da inteligência artificial da força androide e Vincent (Hugh Jackman), rival de Deon, cujo projeto de um gigantesco e truculento robô-policial foi abandonado, com o sucesso da força policial de Deon.

IC-Moose
Aqui, uma nova referência a Robocop. O robô criado por Vincent, o Alce, parece uma versão modernizada do ED-209, o grande rival do Robocop de Paul Verhoeven.

Paralelamente, Deon está trabalhando em um novo projeto, um tipo de inteligência artificial que tenta simular a consciência humana. Ao terminar o projeto, leva a ideia à Diretora da TetraVaal (empresa de segurança fabricante dos robôs), vivida por Sigourney Weaver, que o recusa terminantemente. Deon, então, resolve roubar da empresa um dos robôs-policiais defeituosos para implantar nele, clandestinamente, o programa de consciência. Ao mesmo tempo, uma quadrilha de assaltantes, cansada de ter seus membros mortos e seus planos destruídos pela força policial biônica, resolve encontrar e sequestrar quem quer que seja que tenha criado os robôs, e força-lo a fazer com que os robôs trabalhem para eles. É aí que os caminhos dos ladrões e do cientista Deon se cruzam. Enquanto carregava os restos do robô defeituoso para casa, para continuar seu projeto clandestinamente, Deon é sequestrado pelos ladrões, que o forçam a começar o projeto com eles.

IC-Chappie&thugs
A quadrilha, da esquerda pra direita: Yo-Landi, Ninja, Yankie e Chappie.

O engraçado é que o projeto de Deon não só realmente simula uma “consciência” como consegue a proeza de ser algo hipotético que funciona, em condições práticas, de primeira. Ora bolas, é de amplo conhecimento que nenhum projeto hipotético, em nenhum campo de conhecimento, funciona a 100% de capacidade, com 100% de segurança, logo na primeira vez. Pois é, Deon consegue este feito magnificamente inverossímil: eis que surge o primeiro robô com “consciência”. Segundo Deon, este robô (vivido pelo amigo e ator recorrente em todos os filmes de Blomkamp, Sharlto Copley) é como uma criança, só que muito mais inteligente: não sabe nenhum idioma, mas, pode aprender, não só o idioma, como tudo mais, e pode aprender de maneira bem mais rápida que um bebê. O engraçado é que Deon, apesar de aparentemente saber tudo sobre inteligência artificial (a ponto de criar um sistema capaz de simular uma consciência), ao ter que lidar com um “robô-bebê”, resolve pesquisar em sites de internet formas de se educar uma criança. Ora bolas, o cientista não deveria ter feito tais pesquisas no período de desenvolvimento do projeto???

IC-Deon
“Oi, Chappie! Sou eu! Seu criador idiota, que te criou mas não sabe direito como, e ainda te fez 100% perfeito logo da primeira vez!!!”

Eis a premissa para um filme que será um total e completo festival de equívocos. Pra começo de conversa, a premissa do aprendizado do robô com “consciência” só vale pros primeiros 2 minutos que Chappie é ativado. Blomkamp, na hora de fazer o roteiro, não se preocupou em pesquisar um pouco sobre didática ou teorias do aprendizado. Chappie aprende grande riqueza vocabular, estruturas gramaticais difíceis e o significado de conceitos abstratos complexos como “perdão” ou “remorso” com uma rapidez inverossímil e extremamente forçada. Noutro instante, aprende os conceitos de paternidade e maternidade, já elegendo dois dos bandidos como pai e mãe. Pra piorar a situação, Deon, o gênio da informática, de sequestrado, passa a, sem nenhuma razão aparente, ter trânsito livre dentro do cativeiro da quadrilha que o sequestrou, indo livremente de sua casa até o cativeiro, sob o simples pretexto de que deveria “educar” o robô. Sem explicar, Blomkamp faz com que ladrões e sequestradores de periculosidade extrema estabeleçam uma relação de confiança inusitada com o sequestrado.

IC-ChappieDrawing

Outra situação incoerente proposta pelo filme: o casal de ladrões principal da quadrilha, Ninja e Yo-Landi, planeja usar o robô Chappie pra um grande roubo, que resolveria de vez o débito financeiro que estes ladrões têm com um outro chefe do crime. Só que, sem muitas explicações, e a pretexto de ensinar Chappie a ver como é o “mundo real”, Ninja joga o robô num gueto cheio de rejeitados e viciados, que, confundindo Chappie com um robô da polícia, batem, quebram e atiram coquetéis molotov em cima de Chappie, enquanto este suplica para que não façam nada, pedindo perdão. Ora, se os ladrões planejavam usar Chappie num roubo tão crucial, qual é o sentido de jogar o robô à sua própria sorte, correndo o risco de ser danificado ou até destruído? Não faz sentido algum. A incoerência é tamanha que Chappie, de bebê e inocente, no final do filme consegue adaptar um capacete de transferência de dados neurológicos, encontrado acidentalmente dentro dos laboratórios da TetraVaal, transformando-o (com o auxílio de vários PS4, usados como servidor) em uma interface capaz de transferir a consciência de um indivíduo para um robô, ou de um robô para outro corpo robô. A incoerência é tamanha que me dá nervoso só de recontar essa besteira aqui.

IC-Patel&Jackman
“Vai, Deon, me explica, seu filho da puta, como que um capacete de transferência neural feito pra humanos consegue transferir padrões cerebrais de um robô (que não tem cérebro) pra outro?”

O elenco é ótimo: Hugh Jackman arrebenta como Vincent, o engenheiro rival de Deon. Apesar de ter poucas cenas, consegue ser ameaçador e perigoso nos momentos em que aparece. Sigourney Weaver já é uma grande atriz e consegue fugir do ranço maniqueísta de sua personagem, dando um tom mais humano de megera. Dev Patel, como Deon, também faz uma interpretação segura e convincente. Até mesmo Sharlto Coopley, que dessa vez não aparece, mas teve sua voz e movimentos capturados para compor o robô Chappie, tem uma atuação interessantíssima.

O filme tem um bom ritmo. É ágil, bem editado e tem boas cenas de ação, que seguram o expectador na cadeira. Infelizmente, escorrega quando se trata de temática. Não toca no aspecto da crítica social (tema recorrente nos filmes anteriores de Blomkamp), justifica o uso da força e das armas, mesmo que Chappie tente, durante todo o filme, insistir num discurso antibelicista, e acaba sendo um tanto quanto simplório nas suas conclusões, quando abaliza, através de Chappie, o discurso batido e simplório do “Eu sou bom, a sociedade é que me corrompeu”.

A impressão que me dá é que as ideias de Blomkamp tão chegando ao fim. Não há mais consistência ou força suficiente em suas ideias, o que implica que ele não consegue levá-las, coerentemente, até o fim do filme. A melhor solução pro diretor, agora, seria investir na franquia Alien (coisa que está mesmo nos planos do diretor), ou tentar alguma coisa nos estúdios Marvel.

 

Colossus de Cyttorak

Detentor dos segredos da Mãe-Rússia, fã incondicional de jogos da antiga SNK (antes de virar esse arremedo, chamado SNK Playmore), e da Konami, Piotr Nikolaievitch Rasputin Campello parte em busca daquilo que nenhum membro da antiga URSS poderia ter - conhecimento do mundo ocidental. Nessa nova vida, que já conta com três décadas de aventuras, Colossus de Cyttorak já aprendeu uma coisa - não se deve misturar Sucrilhos com vodka, nunca!!!!

Este post tem 5 comentários

  1. JJota

    Quando vi a primeira foto, suei frio pensando que já estavam adaptando o “novo Batman” para o cinema…

Deixe um comentário