Algumas pessoas talvez não lembrem, mas não foi em Diabo da Guarda (arco de histórias com o Demolidor para o selo Marvel Knights, ilustrada por Joe Quesada) a primeira vez que o roteirista e diretor de cinema – e católico – Kevin Smith tratou de temas religiosos.
Em 1999, ele lançou Dogma, filme que começa com um pedido de desculpas antecipadas – rogando às pessoas para não machucarem ninguém por causa da história -, lembrando que Deus tem senso de humor. Tanto que criou o ornitorrinco.
A introdução é válida, já que a obra provocou as esperadas reações irracionais instigadas por entidades ligadas à Igreja Católica, principalmente nos Estados Unidos e aqui, no Brasil, onde o filme foi relegado a sessões nos circuitos de arte de algumas cidades do país, já que Severiano Ribeiro, Cinemark e UCI, pressionados, se recusaram a exibi-lo em suas salas.
Na história, que pode ser considerada como uma brincadeira com o fim dos tempos previsto por Nostradamus para a passagem de 1999-2000, dois anjos renegados, Loki e Bartleby, recebem um recorte de jornal dando conta que uma igreja em New Jersey prometia a remissão de todos os pecados para quem passar pelas suas portas no dia do centenário do templo. Banidos do Paraíso, ali eles descobrem uma forma de poderem retornar para lá.
O problema é que toda a existência é baseada no conceito da infalibilidade de Deus. Se os dois anjos exilados conseguirem retornar ao Paraíso, este conceito cairá por terra e, muito provavelmente, toda a realidade será apagada. Metraton, a Voz de Deus, procura então a última descendente viva de Jesus Cristo para que ela impeça a dupla de conseguir seu intento.
No caminho, ela contará com a ajuda de dois profetas (os mais que improváveis Jay e Silent Bob), do 13º (e esquecido) apóstolo e da Inspiração.
Enquanto Loki e Bartleby viajam para New Jersey (e o primeiro aproveita pra dar vazão ao seu lado violento), Bethany é informada que Deus está desaparecido desde a última vez que tinha vindo à terra… praticar esportes (passatempo mensal Dele). Ela e seus amigos acabam confrontando Azrael, um demônio que foi a primeira encarnação da Inspiração. Ele, às escondidas de Lúcifer, tenta destruir toda a existência apenas para poder se ver livre do Inferno.
Há um sem número de referências na obra, principalmente nos diálogos. São citadas frases ou personagens de filmes ou séries de TV como Indiana Jones e a Última Cruzada, Karatê Kid, O Incrível Hulk, Grito de Horror, O Homem de Seis Milhões de Dólares e, claro, Star Wars, que sempre é citado em qualquer filme de Kevin Smith.
Tive o cuidado de pesquisar reações da época em que o filme foi lançado e, mais uma vez, me decepcionei com a estreiteza da visão das pessoas que são manipuladas por outros que usam a religião como instrumento de influência sem mérito. São críticas sem fundamento, baseadas em informações equivocadas (são citadas inclusive passagens e diálogos que não existem no filme para inflamar a ojeriza das pessoas) e extremamente maliciosas (a maioria não toca na questão da cor de pele de Jesus para não ser politicamente incorreto). Mesmo brincadeiras bobas como a interpretação de Smith para o “sexo dos anjos” são apontadas como uma grande blasfêmia.
Engraçado é que, quando o filme foi lançado, apenas os católicos se doeram. Protestantes e judeus, em sua maioria, fizeram de conta que aquilo não era com eles. Da mesma forma que os católicos pouco se importam quando filmes criticam a visão religiosa de evangélicos ou israelitas.
Provavelmente, nada os aborreceu mais do que a figura de Deus. Em primeiro lugar, acharam chocante a forma como Ele é descrito: uma entidade ranzinza, autoritária, dona da razão e que não hesita em ordenar massacres para fazer valer o seu ponto de vista. A raiva aumentou quando Deus surge na tela no corpo de Alanis Morrisette. Não gostaram Dele ser uma mulher. Não gostaram de ser interpretado por uma “roqueira”. Não gostaram de vê-Lo brincando num jardim como uma criança. E, claro, detestaram também o figurino.
Kevin Smith chegou a se infiltrar em grupos católicos que protestavam contra a exibição do filme. Em uma das vezes, chegou a ser reconhecido e entrevistado por uma repórter, mas manteve a farsa: disse que era sempre “confundido” com o cineasta e que “lamentava” que ele tivesse feito aquele filme, pois até “tinha gostado” do primeiro filme dele. Smith declarou: “esse movimento tem muito mais a ver com um grupo que se autodenomina de católicos, a liga católica ou ao grupo americano da família que fazem parte de uma organização ainda maior que é a Organização e Associação da Família Tradicional e Propriedade – o que é muito esquisito, pois me faz lembrar de um grupo de pessoas brancas que querem que o mundo fique do jeito que era há 34 anos. Eu não estou dizendo que aquela época não era boa, mas não somos mais inocentes daquele jeito e acho que não seremos daquela maneira de novo. Se você considerar que não somos inocentes agora.”
Acho que o espírito é mesmo esse. São estas pessoas que se rendem a uma fé cega sem embasamento ou questionamento e se entregam como cordeiros a uma condução contra algo que nem sequer assistiram, alvo principal do roteiro. Kevin não quer insultar Deus, Jesus, Maria ou mesmo a Igreja Católica. Ele critica as pessoas que se deixam ser enganadas à toa, que dão às costas ao diálogo para seguir uma autoridade que não vem de lugar algum e que não se apóia em nada. Ele critica aqueles que vão à missa por obrigação ou que acreditam ou deixam de acreditar em algo mediante uma boa retórica. Ou que a religião possa ser uma questão de marketing, que visa angariar adeptos a qualquer custo.
Dogma, na minha opinião, só ofende aqueles que são pagos para se sentirem ofendidos, que são incitados a se sentirem ofendidos e aqueles que não assistiram ou não compreenderam o filme.
Um dos meus filmes favoritos. Vi ele quando ainda era um gurizinho e fiquei me perguntando por vários dias sobre varias questões que o filme aborda.
Na primeira vez que assisti, passei dias rindo lembrando do Monstro de Merda. E, à noite, refletia sobre a atuação da Salma Hayek.
Acho que esse filme e Preacher fizeram um estrago e tanto na minha cabeça BWAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA Até hoje eu paro por um tempo e fico pensando nesses assuntos
Eu sempre penso na Salma dançando em trajes ínfimos!
E eu acho foda a proposta do Kevin Smith: ele fez o filme justamente pra insultar os babacas que ele sabia iriam ficar cheios de nove-horas com isso.
Kevin Smith é foda, gostaria que ele voltasse a fazer filmes ou escrever HQs
Desde que não seja Menina dos Olhos…
eu não lembro de ter visto esse filme jota, mas agora fiquei com vontade de assistir. Ainda com a Selma Hayek de calcinha, ai sim! ótimo post
Eu não direi que tem ele completo no vctb.
E a cena da Salma dançando é maravilhosa!!!!!!!!!
vi a primeira e a penultima imagem, li até o onintorrinco e agora parei pra baixar o filme
He, he!
Robert Rodriguez foi convidado para dirigir, mas terminou convencendo Smith de que a história era pessoal demais pra ser conduzida por outra pessoa.
Em outras palavras “tirou o corpo fora”
Acho que ele deve ter pensado em uma série de pequenas alterações que gostaria de fazer e, provavelmente, o Kevin não aceitaria. Aí, preferiu preservar a amizade.