Iluminamos: Funk Carioca, da lama ao caos

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Quando falamos de funk carioca a primeira reação é a crítica às letras sexistas, o palavreado, o exagero na sexualidade, o som “que não necessita de talento” e milhões de outros argumentos diminuindo este ritmo e, quase sempre, o desqualificando como arte vinda das ruas.

Não sou a Regina Casé para ficar fazendo propaganda do funk carioca e apontar o dedo na cara de todo mundo que torce o nariz para ele, ou chamando-os de burguês de merda, essa não é a minha função; mas, às vezes, me pego perguntando de onde vem tanto ódio ao redor de um só tipo de música. Letras sexistas que abusam da sexualidade nós temos desde antes do É o Tchan olha o kibe!, então, de onde vem tanto ódio? Será mesmo que não é preconceito?

Nascido nas favelas do Rio de Janeiro, o funk carioca tem esse nome graças ao seu homônimo original, pois, em meados de 1970, eram comuns as festas na comunidade – já chamadas de baile funk na época – que tocavam Blues, Soul e Funk. Com o tempo, os DJs responsáveis pelas festas foram buscar outros ritmos e encontram o Miami Bass.

https://youtu.be/A7pQovzA1Rc

O Miami Bass, também chamado de dirty rap, ficou extremamente famoso no sul da Flórida e Orlando no meio dos anos 80 e começo dos 90. Também nessa época o Dj Malboro, um dos precursores do funk carioca, ganhou uma bateria eletrônica de um cara chamado Hermano Vianna, sociólogo e um dos criadores do “Esquenta!”. Isso mudou completamente a carreira do Malboro.

No começo, o ritmo era bem engajado, o que é completamente explicável uma vez que o nosso rap também é bastante politizado – diferente do norte-americano – e o Funk Carioca bebeu bastante desta fonte. Músicas como “Feira do Acarí”, do Mc Batata, e “Eu só Quero É Ser Feliz”, do Rap Brasil, marcaram bastante esta época. A “Feira do Acarí” inclusive fez parte da trilha de Barriga de Aluguel, novela exibida no comecinho dos anos 90.

Já no meião dos anos 90, os bailes ficaram muito mais famosos e lotados, porém isso também trouxe a insegurança pra quem produzia esse tipo de som. Por retratar o que acontecia nos morros, os músicos passaram a sofrer ameaças e as brigas dentro do baile eram cada vez mais frequentes. Por causa disso eram inúmeras as tentativas de proibição dos bailes, o que resultou em outros inúmeros funks pedindo paz, como “Som de Preto”.

Enquanto isso, o Funk Carioca fazia sua caminhada para a Zona Sul do Rio, chegando ao ouvido dos mais ricos e tocando em rádios e televisões. Um dos maiores difusores de Funk ao redor do país foi o programa Furacão 2000 e a Xuxa ia na onda na época, tanto que Claudinho e Buchecha eram figuras mais do que confirmadas toda semana no programa dela. Nessa época também surgiram Latino e MC Marcinho.

No começo dos anos 2000, o funk carioca com a cara que conhecemos começava a ser construído, tanto que o É o Tchan gravou um CD todo dedicado ao ritmo (que, aliás, foi muito injustiçado porque é um ÓTIMO álbum). O funk carioca conquistava novos espaços dentro e fora do país e ganhou uma atenção especial depois da música da maravilhosa M.I.A.

Quando essa época mais sensualizada do ritmo chegou às rádios e bailes pela voz de Tati Quebra Barraco, foi extremamente criticado pela sociedade utilizando aqueles mesmos argumentos que citei no começo do texto. Todavia, acho sinceramente que a Tati Quebra Barraco foi a garota mais feminista que já ouvi cantar.

Não era para todos os ouvidos uma mulher gritar em alto e bom som: “a porra da buceta é minha”, o que fez com que a mídia se afastasse do ritmo e fizesse piada de seus criadores. A questão é: o funk carioca nunca precisou da mídia para se estabelecer, tanto que mesmo nos anos em que o ritmo foi marginalizado e ignorado tocava em todas as vielas de todas as comunidades. E você provavelmente ouviu muitos funks nessa época também.

Também nessa época surgia um dos maiores grupos de funk, A Gaiola das Popozudas, com os vocais de Valesca Popozuda. O nome do grupo foi inspirado num filme francês chamado “La cage aux folles”, o famosíssimo “Gaiola das Loucas”.

O som do grupo ficou conhecido depois de uma música figurar no filme Cidade dos Homens, era “Vai Danada”. Assim, começava o reinado de Valesca.

Mais de 30 anos depois do seu surgimento, a indústria fonográfica brasileira (que é uma piada) resolve tirar a sua casquinha e lança o “”””rei”””” e a “”””rainha”””” do funk melody, Naldo e Anitta.

https://youtu.be/WnjPvHuD_NU

Porém, a diminuição do funk continua, tanto que temos aquela matéria PAVOROZA da Veja sobre o novo clipe da Valesca, provando que a opinião pública em relação ao funk não mudou muito desde meados de 1990.

A questão é: o que motiva essa crítica? Será mesmo que é puramente o ritmo?

Porque, se pensarmos no sertanejo, no axé e no rock’n’roll, a gente também acha letras sexistas, ostentação e sexo. Me entenda leitor, você tem todo o direito que não gostar de funk, mas por que não questionar o que os veículos de comunicação falam sobre ele? Será que está acontecendo a mesma coisa que acontecia com o samba lá atrás?

Gaby Molko

Paulista, musicista, jornalista, detalhista, sessentista, comentarista, imediatista e polemista.

Este post tem 8 comentários

  1. Então … sou carioca e nunca gostei de funk. Entretanto o funk que tocava no começo dos anos 90 (alguns chamam de charme ou algo assim) eram interessantes, pois tinham letras e melodias. Hoje todos possuem a mesma batida, praticamente, e tudo se resume a uma “música” de 3 a 5 minutos (quando chega a 3 minutos ou a 5 minutos) com apenas 3 frases se repetindo a exaustão!!

  2. Com certeza é preconceito. Uma coisa é não gostar (eu mesmo não gosto), outra coisa é não aceitá-lo como movimento popular e genuinamente cultural. Isso ele é, sim. O problema é que rejeitam o funk, muitas vezes, por puro preconceito social, por ser a voz marginalizada, da favela, a voz de quem não tem voz no mainstream. Rejeitar o funk por esses motivos (que são os motivos subjacentes no discurso padrão de rejeição) é ser preconceituoso e escroto.

    Meus motivos de não gostar do funk são mais ou menos os mesmos dos Delarue: acho monótono. É basicamente um padrão de percussão (tchu tchu tchá, tchu tchá) repetido ad nauseam. É chato pra caralho.

    Que a pessoa ouça isso pra dançar, é perfeitamente aceitável, porque funk atual é basicamente ritmo. O que me incomoda é ver as pessoas ouvindo isso no rádio do carro, no fone de ouvido… Me dá medo imaginar que tipo de pessoas são essas que se distraem ouvindo um bate-estaca repetitivo que não oferece nenhum desafio: é simplesmente uma repetição cômoda e preguiçosa…

  3. Vilipendiador Unperucked

    Bom texto, Gaby. Parabéns!
    Eu faria algumas correções, como o fato da música “som de preto” não ter nenhuma influência dos anos 90, pois surgiu apenas em meados dos anos 2000 (2004, tenho quase certeza).
    Mas nada que desmereça o valor e a intenção do post, que vai muito além de datas.

    1. gabymolko

      Oi Vilipndiador,

      Obrigada pela informação, de verdade; pela pesquisa que eu fiz, ao escrever o texto, ela foi realmente gravada em 2006 num álbum do Dj Malboro, MAS já era tocada há algum tempo nos bailes… De qualquer forma vou dar uma pesquisada melhor aqui.

      Beijo!

  4. Vilipendiador Unperucked

    Sobre a mensagem do texto, eu não tenho receio nenhum em falar que o funk de hoje é um tremendo lixo.
    Antes de ser acusado de preconceituoso, elitista e o cacete a quatro, é bom que se diga que adoro escutar funks antigos e montagens noventistas. Percebia-se ali, verdadeiramente, reflexo da cultura. Negar letras como “Rap do Silva” ou “Eu só quero é ser feliz” é realmente ser um babaca. Ainda nos anos 90, mesmo em funks (ou raps, como algumas canções carregavam o título) que falavam de comunidades ou armas era possível notar alguma declaração ou grito de socorro no cotidiano das comunidades. Hoje, não dá pra considerar que praticamente todas as letras falando de adultério, sexo fácil, vida fútil e até termos chulos possam ser considerados movimentos culturais. Isso é FALTA de cultura, reflexo de uma geração vazia. E que será o futuro do nosso país.

    1. Marcelino Saboia

      Vilipendiador concordo contigo ,só completo q no final dos anos 90 pra cá todos os estilos musicais caíram de qualidade ,tanto nacional quanto internacionalmente .

      1. Vilipendiador Unperucked

        Concordo que a produção musical enfraqueceu e a qualidade caiu absurdamente, Marcelino. Mas ainda assim existe uma diferença clara (e absurda) entre uma musica que não é legal e as letras que o funk produz. Quem chega mais perto disso é o tal “sertanejo universitario”, com letras vazias. Mas ainda assim elas tocam em rádio. Já no funk, muitas de suas musicas precisam de uma versão “amena”, caso contrário serão apenas versões “marginais”.
        Existe a alegação que os outros ritmos marginalizam o funk. Eu acho isso exagerado. Nos anos 90 o pagode fazia parcerias com o ritmo e até pouco tempo o próprio Roberto Carlos cantava “Se ela dança eu danço” ou fazia dueto com Anitta. Agora, onde dá pra tocar “pau na buc..ta e buc..ta no pau” em alto em bom som?
        Isso tudo é ainda mais irônico quando o chororô de marginalizado é feito pelos produtores. Os mesmos que incentivam e divulgam as letras eróticas e de “ostentação”. Se eles querem reconhecimento e respeito então precisam mudar a direção que estão seguindo.

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