Iluminamos: Juiz Dredd Especial de Natal

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Papai Noel é um bom velhinho, mas certamente possuiria algumas anotações criminais em sua folha corrida caso fosse enquadrado por contrabando, uma vez que todo ano introduz, em diversos países, inúmeros produtos oriundos de sua própria fábrica sem o recolhimento do devido imposto de importação.

Embora o industrial condutor de trenó tenha sido flagrado pelo Juiz chamado Dredd durante a invasão de um domicílio na calada da noite, é certo que o elemento acabou fugindo, furtando-se à Lei de Mega-City Um, pois não há sequer o cheiro do velhinho ou do pelo molhado de suas renas ao longo das 68 páginas do Especial de Natal do nosso mais amado Juiz.

O bom juiz e o bom velhinho?
O bom juiz e o bom velhinho?

Com uma capa belíssima, em que as cores brilhantes realçam a arte esmerada de Greg Staples (que evoca Brian Bolland) e os logotipos, é natural que nossos olhos se detenham por um, dois ou três momentos nos nomes dos autores das histórias que compõem o especial, em destaque: Alan Moore, Mark Millar, Garth Ennis e Steve Dillon.

Mantendo o padrão de qualidade que parece ser um dos trunfos da editora Mythos na publicação mensal do Juiz, já na segunda página temos o sumário e descrição das histórias e, principalmente, o editorial, uma espécie de carta do editor e sua equipe a todos os leitores, estreitando o relacionamento com sucesso.

Mark Millar, um violento polemista
Mark Millar, um violento polemista ?

O editorial nos introduz à longa tradição de especiais natalinos britânicos, e comenta a trajetória dos especiais do bom Juiz, com espaço para algumas revelações relacionadas a pseudônimos de autores.

Todas as HQs de Dredd no especial funcionam como uma tentativa do universo de sensibilizar o juiz a agir em conformidade com os sentimentos que as festas de fim de ano costumam despertar nas pessoas. Nesse quesito, as histórias fracassam miseravelmente.

Garth Ennis: Feliz Natal, seu irlandês doente.
Garth Ennis: Feliz Natal, seu irlandês doente.

Na história que abre a edição, por exemplo, enquanto acompanhamos o zelo com o qual um velhinho cuida de uma comunidade de mutantes, torcendo para que ele seja um certo símbolo barrigudo do Natal, o bom Juiz simplesmente o analisa, em busca do menor indício de infração. Nem sob apelos Dredd abre-se para o espírito de Natal, preferindo a certeza e imutabilidade que a Lei lhe concede.

Dredd dificilmente se questiona, e não considera o Natal suficientemente relevante para isso. Na verdade, vê na data um risco à segurança da cidade, por incitar a insanidade potencial nas pessoas, e preferiria tornar ilegais tais comemorações.

Steve Dillon e seus psicopatas cheios de estilo
Steve Dillon e seus psicopatas cheios de estilo

Sendo exatamente esta sua intenção na história escrita por Mark Millar, uma das mais interessantes, por esconder, atrás de sua aparência burocrática, uma série de imagens de chocante violência, gratuitas ou não, brevemente desenvolvidas como:

 1) O humor negro e nonsense de uma trollagem envolvendo juízes;

2) Questões humanitárias ignoradas em nome da letra fria da Lei, ao melhor estilo Dredd;

3) O questionamento da missão dos Juízes perante a importância dos rituais natalinos, e;

4) Intolerância / abuso de autoridade /homofobia?

Um coração apaixonado atingido em cheio pelas balas de um juiz
Um coração apaixonado atingido em cheio pelas balas de um juiz

Já a trama escrita por Garth Ennis relê o clássico Conto de Natal, de Dickens, apresentando a família Cratchit como imigrantes e refugiados, destinados a fazerem qualquer coisa para aplacar a fome. Por sua vez, Ebenezer Scrooge seria um avarento que infringe a lei e sofre seus rigores na tentativa de ajudar os Cratchit e livrar-se das, digamos, violentas vozes durante seu sono.

O que mais? Em outra HQ, Steve Dillon dá sua costumeira lição de narrativa e expressividade, dessa vez sem cores, para suavizar as cenas de extrema violência protagonizadas por um dos mais recorrentes inimigos de Dredd: O Máquina Malvada. O vilão mereceu até mesmo uma página só sua, contendo um texto introdutório, guarnecida por uma incrível pintura sem crédito, mas com toda pinta de pertencer ao portfólio de Glenn Fabry, que – veja só, foi o capista da revista Preacher, enquanto Dillon era o desenhista principal da concluída série.

Inspiração para Inteligência Artificial, de Kubrick / Spielberg ?
Inspiração para Inteligência Artificial, de Kubrick / Spielberg ?

E, falando em arte, tanto o traço quanto a caracterização e as cores da HQ ilustrada por Dave Taylor são dignas daqueles álbuns de ficção-científica do Enki Bilal: um luxo só. E, justiça seja feita, John Wagner elabora uma envolvente tragédia em que o amor é a desculpa para um casal deixar a miséria para trás, ainda que de modo pouco ortodoxo na visão de mundo de um Juiz em especial.

E, por falar em tragédia, Alan Moore nos presenteia com uma das grandes, e, em apenas duas páginas, aborda o preço a pagar na eventualidade da conquista científica de um dos anseios da humanidade. Nitroglicerina pura, e pode ser adicionado ao rol de inúmeros milagres do bruxo, contribuindo para que ele seja um dia canonizado como Santo dos leitores de quadrinhos.

Al Ewing não é o Duck Edwing da Mad, mas poderia ser Al Jaffee, que também mexe com interatividade
Al Ewing não é o Duck Edwing da Mad, mas poderia ser Al Jaffee, que também mexe com interatividade

Porém, o possível santo que me desculpe, mas Al Ewing é o autor da HQ mais divertida do especial. Inspirado no conceito de livro-jogo, definido por Demian Katz como “[…] qualquer livro no qual o leitor participa da história através da realização de escolhas que afetam o curso da narrativa”, a trama, que brinca ainda com metalinguagem e física quântica, acompanha um técnico de laboratório a partir do momento em que começa a ouvir uma voz em sua cabeça obrigando-o a fazer escolhas pré-concebidas. As mesmas também são apresentadas aos leitores, e resultam em caminhos diferentes para o personagem, com diferentes desfechos.

Ou seja, a leitura perfeita para fazer na mesa de jantar, durante a ceia de Natal. Quando seus pais te chutarem para o sofá ou para o tapete pela heresia, aproveite para jogar a HQ com os seus primos, mas certifique-se de não virarem as páginas segurando coxas de Chester, pois é uma mancha que não sai. Enfim, Feliz Natal, cidadãos.

Glenn Fabry? É você, meu filho?
Glenn Fabry? É você, meu filho?

Rodrigo Sava

Arqueólogo do Impossível em alguma Terra paralela

Este post tem 2 comentários

  1. Renver

    A única mensal que eu estou comprando é a dos Juiz Dredd e não me arrependo.

  2. Renver

    Cara escolha seu natal é muito louca pela criatividade!!!!

    cara tentei ler meio brisado nãoi entendi, agora que eu to de boa compreendi o quanto criativa e inteligente é essa história.

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