Fala galera que curte literatura, mas até hoje não sabe quem é Thales de Andrade. Hoje, daremos sequência a nossa nova seção chamada de Literatos. Dessa vez, seguindo um projeto de difusão da literatura nacional, iremos falar sobre Suicidas, do talentoso Raphael Montes.
Como esta será a minha primeira resenha literária para o site, fiz questão de continuar com títulos nacionais e, para a minha surpresa, deparei-me com um livro de linguagem fácil e que de maneira escrachada remeteu-me a uma das melhores frases de Graciliano Ramos:
“Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.”
Sobre a trama, ao invés de fazer como a maioria dos sites, acredito que a própria Sinopse sirva para isso, deste modo, eis o material retirado do site do próprio autor:
‘Um porão, nove jovens e uma Magnum 608. O que poderia ter levado universitários da elite carioca – e aparentemente sem problemas – a participarem de uma roleta-russa? Um ano depois do trágico evento, que terminou de forma violenta e bizarramente misteriosa, uma nova pista, até então mantida em segredo pela polícia, ilumina o nebuloso caso. Sob o comando da delegada Diana Guimarães, as mães desses jovens são reunidas para tentar entender o que realmente aconteceu, e os motivos que levaram seus filhos a cometerem suicídio. Por meio da leitura das anotações feitas por um dos suicidas durante o fatídico episódio, as mães são submersas no turbilhão de momentos que culminaram na morte dos seus filhos. A reunião se dá em clima de tensão absoluta, verdades são ditas sem a falsa piedade das máscaras sociais e, sorrateiramente, algo muito maior começa a se revelar. Narrado em formato de quebra-cabeça, Suicidas apresenta um suspense dramático arrebatador, com personagens dúbios e tramas que se entrelaçam até a solução surpreendente – que só se mostra nas últimas palavras.
Através deste aperitivo podemos ver que o livro se desenrola em busca de um porquê para a inexplicável morte de nove jovens de classe média alta que, num surto, decidiram efetuar uma roleta russa no porão de Cyrille’s House. A meu ver, mesmo que muitos cismem em teimar que a temática é complexa, é impossível concordar, pois a mesma é bem alinhada e descrita, chegando ao ponto de fazer mais de 500 páginas fluírem em poucas horas.
Recheado de ação e pensamentos fúteis da classe mais abastada, esta ótima obra dá destaque equiparado a todos os personagens, sendo algum deles de extrema dificuldade – especialmente quando lemos as passagens com o ingênuo Dan, um jovem com Síndrome de Down. Nesta obra somos envoltos numa espécie de história em que não existem mocinhos ou vilões pré-definidos, apenas seres humanos que, destituídos de sua civilidade e bom senso, expressam sua verdadeira face diante de uma situação de extremo perigo. Na verdade, em alguns momentos encarei a obra como uma espécie de laboratório social, onde o ser humano é levado ao seu limite físico e psicológico.
Compondo o ritmo de narrativa fácil, que nos faz ter vontade de devorar o capítulo seguinte, o maior destaque da obra fica por contas das três linhas que se revezam entre a primeira pessoa não linear – pertencente ao diário de Alessandro; a acareação feita entre as mães das vítimas com a psiquiatra forense e, por fim, a do próprio livro em terceira pessoa, nos trazendo eventos ocorridos desde a primeira reunião entre os personagens até o fatídico fim que lhes é reservado.
Outro ponto de destaque fica pela originalidade dos personagens, tanto em seus diálogos despretensiosos quanto em seus preconceitos escrachados, como podemos ver entre o venenoso Alessandro e a obesidade de Waléria. O livro também explora o relacionamento homoafetivo através de alguns de seus personagens e, numa mistura interessante entre sadismo e sexo, nos dá um choque de pseudorrealidade através da barbárie humana que, em certos momentos, passa do martírio físico a necrofilia.
Para ser mais direto, gostaria de dizer que achei o livro muito bem escrito e dentre os últimos autores nacionais que li – contemporâneos – certamente é o melhor deles, contudo o calcanhar de Aquiles da obra fica evidente em duas partes de suma importância:
- O primeiro se dá diante a narrativa em primeira pessoa de Alessandro que, em momentos de pura tensão, permanece com sua transcrição em tempo real, algo que somente aqueles que leram o livro podem julgar.
- O segundo, infelizmente, está no final da própria obra, gerando uma espécie de anticlímax, visto que sempre corremos o risco ao transitar na linha tênue entre o clichê e a genialidade.
Depois desta breve análise, acredito que o enredo do livro com um todo mereceria uma nota 8.0, todavia, devido aos problemas acima elencados, creio que um 7.0 esteja de bom tamanho.
Parabéns Raphael, o único autor brasileiro da Série Negra do selo Benvirá. Aos demais, lhes desejo boa leitura.
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