Narrativa em Resident Evil 6

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A ideia aqui não é trazer toda a série Resident Evil, mas apenas o último jogo, lançado em 2012. Não significa que os outros não possuam uma narrativa interessante, apesar de gradativamente focarem mais na ação, contudo RE6 tem um elemento a mais.

Rashomon_posterO diferencial de Resident Evil 6 é a trama multilinear apresentada através das diferentes perspectivas dos personagens. Não pude deixar de me lembrar do filme Rashomon (1950), de Akira Kurosawa. Considerado uma das obras mais importantes deste diretor, o filme conta a história de um estupro e um assassinato através do relato de quatro testemunhas: um lenhador que viu tudo acontecer, a vítima (através de um médium), a mulher estuprada e o criminoso. São quatro versões sobre a mesma história (o filme está inteiro no youtube).

Obviamente, o jogo não traz a profundidade discursiva proposta por Kurosawa. As diferentes perspectivas em Rashomon representam a subjetividade de cada personagem e seus próprios interesses, por isso são contraditórias em muitos pontos. Esse é o aspecto mais interessante do filme: tentar ligar os pontos para descobrir a verdade (boa sorte…).

No caso de Resident Evil 6, as diferentes versões não se contradizem, mas se complementam para formar a narrativa geral. São quatro personagens jogáveis: Leon S. Kennedy, Chris Redfield, Jake Muller e Ada Wong. Cada um possui sua história (objetivos e motivações), porém, de maneira geral, o jogo traz a luta contra o bioterrorismo mundial e o envolvimento de figuras importantes do governo americano e da Neo-Umbrella.

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Ao longo de cada campanha, os personagens se cruzam e interagem. Para entender totalmente o caminho de cada um deles, é preciso jogar todas as campanhas. Só assim o jogador descobrirá a história total.

Apesar desta aparente multilinearidade, a trama é única e linear. São diversas linhas dramáticas que se cruzam, mas não são escolhidas pelo jogador ou alteradas por ele. Da mesma maneira que em God of War (post anterior), as ações não são sobre a história, mas sobre as lutas com os inimigos. O jogador, portanto, é apenas um receptor do conteúdo dramático. O controle autoral está totalmente no sistema, pois só há um caminho possível (ou dois, se considerarmos não lutar e morrer uma opção!).

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A sensação de recompensa está presente mais uma vez. Matamos zumbis e nos deslocamos pelo cenário para ter como contrapartida mais um trecho da história. Os pontos onde poderíamos sentir minimamente um potencial de bifurcação não existem ou passam completamente despercebidos em função da necessidade de agir (matar, fugir, coletar itens etc.). Nestes casos, não temos tempo de divagar ou desejar uma tomada de decisão diferente. Filmes, por sua vez, permitem realizar passeios inferenciais nas disjunções de probabilidade, seja para criar associações sobre o conteúdo ou imaginar novos caminhos possíveis para a trama. Uma parte do divertimento dos filmes estaria na expectativa entre o imaginado e o que ocorre de fato, nessa espécie de suspense.

Felizmente, a falta de liberdade criativa sobre o enredo não interfere na sensação de imersão ou divertimento. O ritmo frenético e a estipulação de objetivos diretos claros desviam a atenção da restrição narrativa mantendo a sensação de controle (claro que estes dois não são os únicos elementos que fazem isso).

Em Resident Evil 6, o atrativo narrativo não reside na autonomia autoral sobre os acontecimentos, mas no desejo de montagem completa dos fatos relacionados à trama. Jogar com os diferentes personagens não só prolonga temporalmente o aspecto lúdico, como também estende o narrativo.

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Gustavo Audi

Se fosse uma entrevista de emprego, diria: inteligente, esforçado e cujo maior defeito é cobrar demais de si mesmo... Como não é, digo apenas que sou apaixonado por jogos, histórias e cultura nerd.

Este post tem 4 comentários

  1. Audi, a meu ver o Resident Evil 6 é uma ampliação do estilo que foi implantado, na franquia, no Resident Evil 2. Se você se lembrar bem, pra entender a história toda, no 2, você teria que jogar de maneira completa e bastante minuciosa tanto com o Leon Kennedy quanto com a Claire Redfield, até porque as histórias dos dois se entrecruzavam, o que criava a curiosidade natural de se saber o porquê daqueles personagens se entrecruzarem naqueles momentos…
    No 6, isso foi ampliado, pois a quantidade de personagens foi multiplicada, mas o princípio é o mesmo.

    Bom post!

    1. Gustavo Audi

      É verdade, o princípio é o mesmo. Mas em RE2, dependendo do que você fazia em uma campanha, impactava na outra. Não era? Não lembro direito…
      Eu queria fazer uma análise narrativa de todos, mas teria de jogá-los novamente e estou sem tempo. Quem sabe mais para frente…

      1. Na verdade, o esquema era basicamente o mesmo que você disse, ao falar sobre a narrativa do 6: ao jogar com cada personagem, você só tem uma parte da história. Você só vai conhecer a história completa quando jogar com os 2 personagens, e, de preferência, cumprindo certos requisitos (usar somente até um certo número de ervas, salvar somente um certo número de vezes, etc.).

        Pois é. Demanda muito tempo jogar alguns jogos dessa franquia, principalmente o 2, o 4 e o 6… Vou ficar aguardando essa análise baseada em todos os jogos… hehehe

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