O sangrento dia em que Tolkien e C.S. Lewis enfrentaram Adolf Hitler.

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Fala galera iluminada! Neste especial sobre a primeira guerra mundial, resolvi trazer algo diferente. Na verdade, um encontro épico porém pouco falado pela blogosfera brasileira.

Vocês sabem do que estou falando (Sim, está no título!)? Têm a mínima ideia das pessoas que podem ter se encontrado na sangrenta Batalha de Somme (sim, porra! Já disse, está do título!)? Ou, sabem o que foi a Batalha de Somme (Opa, isso não.)? Então, o tom cômico dará espaço a informações e, quando você menos esperar, estará diante de mais um espetáculo de horrores protagonizado pela humanidade.

Para ambientarmos toda a situação na qual estes personagens se encontravam, vamos começar desde o início. Deste modo, para quem não conhece ou nunca se interessou pela Primeira Guerra Mundial – 1ºGM –  a Batalha de Somme foi a ofensiva anglo-francesa, que teve o objetivo de romper as linhas de defesa alemãs, estacionadas na região do Rio Somme (França). No entanto, embora os livros gostem de retratá-la desta maneira técnica e crua, ela certamente tem muito mais a nos contar, especialmente pelo lado Britânico.

O TRIUNFO DOS PORCOS: A Batalha do Somme
O TRIUNFO DOS PORCOS: A Batalha do Somme

Travada em Julho de 1916, a Batalha de Somme, um dos embates mais sangrentos da Primeira Guerra Mundial, distribuíra baixas elevadíssimas para ambos os lados, totalizando mais de um milhão de vítimas, sendo a maior parte pertencente à Comunidade Britânica (Canadá, África do Sul, Nova Zelândia, Terra Nova e o próprio Reino Unido)  e totalizando cerca de  419.654 baixas, dentre essas, 95,675 mortos e desaparecidos.

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O uso de gás venenoso na Primeira Guerra Mundial foi uma grande inovação militar. Os gases variavam de agentes de inabilitação, como o gás lacrimogênio e o poderoso gás mostarda, a agentes químicos letais como o fosgênio e o cloro. Essa guerra química foi um importante componente da Primeira Guerra Mundial, a primeira guerra total do século XX.

Se a Batalha de Verdun gerou um dos ícones que afetariam a consciência nacional francesa no decorrer da história, Somme teve o mesmo efeito em gerações de cidadãos britânicos. Decerto, acima da Guerra das Malvinas e até de alguma das mazelas da Segunda Guerra Mundial, esta batalha é a mais lembrada, em especial, pelo seu primeiro dia: 1 de Julho de 1916. Data em que os britânicos sofreram 57.470 baixas (19.240 mortos) e considerado o mais sangrento dia na história do Exército britânico. 

Logo abaixo, a descrição desta batalha por um oficial alemão:

Somme. Toda a história do mundo não poderia conter palavra mais macabra.” —Friedrich Steinbrecher

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Constantes bombardeios, gases tóxicos e doenças como a pneumonia, tuberculose, disenteria e outras contagiosas propagadas por piolhos, pulgas e ratos, além do “pé de trincheira” (o primeiro passo para a posterior gangrena) e desordens mentais.

Pela primeira vez a sociedade britânica foi exposta aos horrores da guerra. Com o lançamento, em agosto, do filme A Batalha de Somme, que utilizou vídeos reais, foi possível até aos civis sentir um gostinho do que foi a guerra, uma vez que a base para a filmagem foi a do primeiro dia da batalha.

Ao fim de tudo, em cinco meses de combate, foi uma das operações militares mais violentas da história. E, levando-se em conta as 6 milhas (9,7 km) conquistadas em território ocupado pelos alemães, foi, decerto, uma das mais inúteis em termos de perdas de vidas humanas, afinal, nunca em toda a história militar tantos pereceram por tão pouco. 

Caso queiram ver uma das partes desta “gloriosa” história, ele está logo abaixo.

 

E outro vídeo, mas completo e sem legenda:


Passada a introdução, assim como dada a dimensão da Batalha de Somme, eis que vem a pergunta:  O que um dos episódios mais sangrentos da Primeira Guerra Mundial, tem a ver com Tolkien e C.S. Lewis? E, mais ainda, com Hitler? Como se deu este encontro inusitado?

Como podemos ver em suas biografias, J.R.R. Tolkien, na época com 24 anos e subtenente dos fuzileiros de Lancashire, e C.S. Lewis, com apenas 18 anos – que sequer sonhava com Nárnia – integravam o corpo de exército do Reino Unido.

J.R.R. Tolkien
J.R.R. Tolkien

Antes de colocar os pés na Terra Média, Tolkien já conhecia o furor da guerra. Fato que podemos comprovar na passagem a seguir:

“Deve-se, de fato, pairar sob a sombra da guerra para sentir completamente sua opressão. Porém, à medida que os anos se vão, parece que esquecem que ser jovem nos idos de 1914 era uma experiência não menos pavorosa do que se entrar por 1939 e anos seguintes. Por volta de 1918, quase todos os meus amigos mais próximos (à exceção de um) estavam mortos.” – J.R.R. Tolkien, prefácio ao Senhor dos Aneis.

E se comparado a esta:

“Todos os mortos, todos putrefatos.  Elfos e Homens e Orcs. Os Pântanos Mortos. Houve uma grande batalha nos tempos antigos, sim, eu disse a ele quando Sméagol era jovem, quando eu era jovem e do Tesouro ainda não havia chegado. Foi uma grande batalha. Homens altos com espadas longas, e elfos terríveis, e Orcs  uivando. Eles lutaram na planície por dias e meses frente aos portões negros. Mas os pântanos cresceram desde então,  engoliram os túmulos; rastejando, rastejando sempre. “ –  O Senhor dos Anéis, As Duas Torres, através dos pântanos

Com estas palavras, J.R.R. Tolkien quis comentar uma das experiências mais difíceis da sua vida. Os dias de trincheiras levariam-no a questionar constantemente a natureza do bem e do mal, ou como lidar com uma geração traumatizada pela violência e os horrores sofridos durante a guerra.

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Em seus cadernos era nítido como escrever era a única forma de sobreviver a tamanha loucura. E, alguns desses esboços futuramente viriam a fazer parte de várias das histórias de O Silmarillion. Desta forma, meus amigos, também é muito plausível que a epopeia clássica, recheada de vidas perdidas e privações, onde Frodo e Sam caminham até Mordor, tenha sido fortemente influenciada por este tenebroso período histórico, onde, entrincheirado e doente, o jovem e recém casado autor despediu-se da dignidade humana, assim como de muitos de seus amigos mais próximos de Oxford.

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Embora para o autor a guerra tenha terminado em 8 de novembro, quando acometido pela “Febre de trincheira” – uma infecção transmitida por pulgas e piolhos – sendo enviado de volta à Inglaterra. As lembranças das trincheiras, dos tanques e armas de gás criariam nele depressões profundas até o fim de sua vida.

Dentre a morte, o sofrimento, rusgas, ódio e sentimento de vingança, além dos britânicos, outro escritor se via preso ao caos da guerra. Ali, também à espera da morte nas trincheiras de Somme,  alvejado na altura da virilha, em 7 de outubro de 1916, eis que nasce o livro que, mais tarde, ficaria conhecido como um dos ícones do nazismo, o Mein Khampf, ou “Minha Luta”. Sim, meus amigos, o ferido chamava-se Adolf Hitler, na época, mais um soldado da 6ª Divisão Bávara da reserva.

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Em destaque, Adolf Hitler.

Palavras não serão capazes de retratar e jamais saberemos pelo que esses homens realmente passaram. Porém a história, mais tarde, se incumbiria de nos mostrar o que o sofrimento desses personagens  foi capaz de causar.

Alguns através de cartas, documentos e seus próprios mundos foram capazes de contornar o caos de suas mentes e transformá-lo em mensagens para o mundo. Contudo outros, também forjados a sangue no front de Somme, protagonizariam um dos maiores genocídios da história. Agora, se eles um dia vieram a se encontrar, se enfrentar ou sequer trocar olhares, ninguém poderá nos dizer. Questões que ficarão eternamente em nosso imaginário, no mero e, ao mesmo tempo, infindável campo das suposições.

Material pesquisado em:
Super Abril
Wikipédia

Don Vitto

Escritor, acadêmico e mafioso nas horas vagas... Nascido no Rio de Janeiro, desde novo tivera contato com a realidade das grandes metrópoles brasileiras, e pelo mesmo motivo, embrenhado no submundo carioca dedica boa parte de seu tempo a explanar tudo que acontece por debaixo dos panos.

Este post tem 9 comentários

  1. JJota

    Uma coisa que sempre é preciso lembrar é que “a história é escrita pelos vencedores”. Tornou-se meio que comum pintar o Adolf Hitler de 1914-1918 como uma invenção da propaganda nazista, mas estudos mais profundos – e desapaixonados – sobre o período dão uma verdadeira dimensão do assunto, até porque é conveniente lembrar que sobreviver a quatro anos de guerra na frente ocidental não foi uma tarefa simples. Em segundo lugar, Hitler foi ferido com gravidade pelo menos duas vezes. Em terceiro lugar, ele atuou boa parte da guerra como mensageiro, muitas vezes atravessando a “terra de ninguém” para colher e passar informações, algo que, no mínimo, exigia muito sangue frio. A Cruz de Ferro, mais alta condecoração dada a um soldado alemão, não foi ganha por acaso, ainda mais para um austríaco. Hitler tem seus pecados e com certeza paga por eels, mas “a César o que é de César”.

    1. Don Vittor

      Com certeza Jota,
      Uma parte interessante da primeira guerra é ver os seus desdobramentos na Segunda. Em especial, aos homens de destaque que, em poucas décadas, vieram a se tornar líderes de suas nações.Como foi o Mussolini, o Stalin, o Hitler , Tojo e até mesmo o ,predestinado, Churchill.

        1. Don Vittor

          Sim. Depois podemos ver as consequências da 2ºGM na Guerra Fria, além dos reflexos na atualidade.

  2. King

    Parabéns pelo texto. Sou um dos poucos fas de Tolkien e conhecia esta parte da história. Ainda sim, muito bom.

    1. Don Vittor

      Muito obrigado, meu amigo. Fico feliz que outros fãs também curtam a vida e a história do autor, pois só assim descobrimos certos caminhos pelos quais seguiram suas obras, em especial, O Silmarillion.

    2. JJota

      Essa história de “um dos poucos” me lembra uma entevista que vi na tv, num programa local, em que o apresentador perguntava para um suposto fã de Senhor dos Anéis: “Você sabe quem é o autor desta história?” “Claro que sei! Peter jackson!”

      1. King

        Huahuhauehu

        Rindo de um triste fato. Poucos leem hoje em dia. Preferem os filmes ao trabalho de pegar os papiros para fazer a leitura…

        Em 30 de julho de 2014 08:14, Disqus escreveu:

        1. JJota

          É fato. O cinema ajuda a divulgação, claro, mas no afã de “adaptar” excessivamente o material original termina apostando em conceitos diferentes (mais assimiláveis ou simplesmente mais “rápidos”) e deturpa a imagem original, fazendo com que as pessoas criem uma imagem bem diferente, que poderia ser mudada com um simples ato: ler.

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