Panteão Pop – Lampião (Parte 1)

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A partir deste post, começarei a dar (ui) a minha contribuição à coluna (proposta pelo JJota), que tem um propósito muito interessante: falar de ícones, sejam da literatura, das HQs, filmes ou até da vida real. Falo agora do maior, mais fodão e destemido líder do cangaço.

Conhecido popularmente como Lampião, Virgulino Ferreira da Silva nasceu em 7 de julho de 1898 na pequena fazenda dos seus pais em Vila Bela, no atual município de Serra Talhada, no estado de Pernambuco. Virgulino era o terceiro dos oito filhos de José Ferreira da Silva e Maria Lopes.

E de acordo com a sua certidão de batismo, Virgulino nasceu em 1898, e não em 1897, como dito em várias obras. O seu nascimento, no entanto, só foi registrado no dia 7 de agosto de 1900.

Os versos do belo cordel “Lampião – O Capitão do Cangaço”, de Gonçalo Ferreira da Silva, narram o nascimento do maior cangaceiro do sertão nordestino:

O século passado estava
dando sinais de cansaço,
José e Maria presos
por matrimonial laço
em breve seriam pais
do grande rei do cangaço.
No dia quatro de junho
de noventa e oito, a pino
estava o Sol, e Maria
dava à luz um menino
que receberia o nome
singular de Virgulino.

Virgulino desde pequeno foi um excelente vaqueiro. Cuidava do gado bovino, trabalhava com artesanato de couro e conduzia tropas de burros para comercializar na região da caatinga, lugar quente pra caralho, com poucas chuvas e vegetação rala e espinhosa (e vocês aí do Sudeste reclamando do calor…), no alto sertão de Pernambuco (sertão, como era chamado, tratava-se das regiões interiores e distantes do litoral, onde a lei dos mais poderosos imperava, e eram os ricos proprietários de terras que controlavam a economia, a política e até a polícia).

Durante a República Velha, os coronéis recebiam ajuda dos órgãos públicos pelo comando que exerciam nos eleitores, controlando-os através dos “votos de cabresto“. Isto é, a troca de “favores”, na qual os coronéis exigiam que as pessoas votassem nos candidatos indicados por eles.

Os votos eram fornecidos a um candidato, e garantidos pelo mandonismo dos poderosos, que impeliam nomeações e garantiam a hegemonia da classe política da região, sem se preocupar com a competência dos candidatos nomeados (semelhanças com a política brasileira atual não é mera coincidência…).

Em muitos casos, também havia a prática de fraude. Para garantir a vitória eleitoral documentos eram falsificados, para que menores e analfabetos pudessem votar, pessoas falecidas eram inscritas como eleitores e urnas eram abertas e os votos modificados. Essa era a realidade do coronelismo no sertão nordestino, que Virgulino mais tarde viveria de forma intensa.

No sertão nordestino é deveras difícil encontrar um lugar onde haja água, mas onde a mesma se apresenta, a vegetação é muito mais verde, apesar de não ser drasticamente diferente do restante da região. Indo da planície até as partes mais altas, chegando às serras e aos serrotes, o ar se torna mais frio e as pedras contornam a paisagem. E naquela época, o sertão quase não tinha escolas e estradas, e os meios de viagem eram: a pé, a cavalo, em burro ou jumento.

Não havia estradas, apenas caminhos, abertos e expostos como trilhas identificáveis pela passagem daqueles que por ali circulavam, geralmente a pé. Esse era o ambiente em que Virgulino perdurou por toda sua vida. Um local de fome, sede, jogos políticos e muita injustiça social.

A infância de Virgulino foi ordinária, em nada diferente das outras crianças com quem ele convivia. Informações mais verídicas apontam que as brincadeiras de Virgulino com seus irmãos e amigos de infância eram nadar no Riacho São Domingos e atirar com o bodoque, um arco para bolas de barro.

Eles brincavam de cangaceiros e policiais, os chamados volantes ou macacos (como eram apelidados pelos cangaceiros, porque saíam pulando quando os viam), como todos os outros meninos da época, imitando, na fantasia, a realidade do que observavam à sua volta, batalhando na caatinga. Basicamente, eles faziam os papéis de “mocinho e bandido”, assim como as crianças nas outras regiões mais desenvolvidas do Brasil.

Virgulino frequentou as aulas por apenas três meses, tempo este suficiente para que aprendesse as primeiras letras e pudesse, ao menos, escrever e responder cartas, algo que já representava um nível de instrução maior do que muitos analfabetos da região. E apesar de muito inteligente, Virgulino, como já dito, logo abandonou a escola para ajudar a família no plantio da roça e na criação de gado.

Além de cuidar do gado junto com o seu pai, Virgulino trabalhou também com transporte de mercadorias em longa distância, utilizando burros como meio de transporte de carga. Com o tempo, ele se tornou famoso nas vaquejadas. Gostava muito de dançar, de tocar sanfona, de escrever versos, e gostava muito de um rifle. Sabia costurar muito bem e fazia as próprias roupas.

O ganha-pão da família de Virgulino vinha do criatório e do sertão, onde seu pai e os irmãos mais velhos trabalhavam, e da condução de bestas de carga. Este trabalho era executado por Virgulino e Livino, um de seus irmãos.

Os percursos variavam bastante, mas iniciavam-se, basicamente, no ponto final da Great Western, estrada de ferro que ligava Recife a Rio Branco, que hoje tem o nome de Arcoverde, em Pernambuco. Lá recolhiam as mercadorias, que seriam distribuídas pelos lugares ordenados pelos seus contratantes, em diversas localidades e vilas do sertão. Esse conhecimento prévio dos caminhos do sertão foi, sem dúvida, muito valioso para Virgulino, futuramente.

Diversos depoimentos de pessoas da região comprovaram, que José Ferreira, o pai de Virgulino, era uma pessoa bastante pacata, trabalhadora, honesta e de ótima índole, que evitava ao máximo qualquer tipo de desentendimento. Esses depoimentos merecem especial atenção e ainda maior credibilidade por terem sido prestados por pessoas de famílias, que na época, eram rivais dos Ferreira. E mesmo com a inimizade, essas pessoas preferiram falar a verdade a denegrir gratuitamente o nome honrado de José Ferreira.

Já a mãe de Virgulino era diferente, mais realista em relação ao local hostil em que viviam. Enquanto José Ferreira desarmava os filhos na porta da frente, dona Maria os armava na porta de trás, dizendo:

– Filho meu não é para ser guardado no caritó. Não criei filho para ser desmoralizado.

Assim como todas as lendas que estão propensas a tornarem-se maiores que os fatos, Lampião e sua longa aventura pelo sertão nordestino tem todos os elementos de massacres, poder e paixão, de grandes histórias, fictícias ou não. E queiram ou não admitir, mas Virgulino era foda…

Colaborador

Colaborador não é uma pessoa, mas uma ideia. Expandindo essa ideia, expandimos o domínio nerd por todo o cosmos. O Colaborador é a figura máxima dos Iluminerds - é o novo membro (ui) que poderá se juntar nalgum dia... Ou quando os aliens pararem com essa zoeira de decorar plantações ou quando o Obama soltar o vírus zumbi no mundo...

Este post tem 26 comentários

  1. Mariana Costa

    Achei esse post muito válido, primeiro por se tratar de um homem brasileiro, considerado herói em algumas partes do Brasil e segundo por mostrar um lado que o próprio brasileiro desconsidera. Aliás, ignorar a própria cultura é uma coisa muito brasileira.

    Arthur, Parabéns pelo post!

  2. JJota

    Lampião tem a favor de si o fato de ter conseguido virar uma lenda. Herói? Não creio… Mas vilão ele só pode ter sido mais ou menos na mesma medida dos que foram colocados em seu encalço. Ao desafiar os “poderes constituídos” ele pelo menos chamou a atenção para a situação de completa pobreza e abandono da maioria da população nordestina.

  3. Inacreditavel_Neo

    Herói ou ameaça?

    Hehehehe! Foi mal Rosinha, não pude evitar.

    Uma figura controversa, sem duvida. Teve a vida profundamente marcada pelo meio em que vivia e pelas injustiças que presenciou.
    Quem sou eu pra dizer se isso justifica ou não os atos de vilania cometidos por Virgulino? É complicado.
    Mas herói ele não era, de jeito nenhum.

    O triste é que, em áreas mais remotas, a situação continua bem parecida. Talvez não na mesma proporção.

    O nordeste não deve nada pra nenhum Western da vida.

    1. Edu Aurrai

      Exatamente. Os “cowboys” norte-americanos eram verdadeiros filhos da puta, mas ficaram romantizados na história, em muitas mentes, através da ficção. Por que a gente não pode ter o nosso “wild northeast” também?

      1. Churrumino

        Porque brasileiro não valoriza a própria história.

          1. JJota

            Brasileiro não valoriza porra nenhuma!

          2. JJota

            Nem todos. Por exemplo, não se pode dizer que torcedores do Palmeiras gostem de futebol.

  4. Churrumino

    Um post foda desse e vc não faz jabá, Rosinha? hehehe…
    A História do Brasil tem muitos personagens interessantes, confesso que comecei a ter apreço por ela há poucos anos, depois de mais velho. Eu estava até interessado em escrever alguma história usando a história do brasil como pano de fundo, mas é dificil achar uma fonte de pesquisa boa, msm com internet.

    1. JJota

      O problema do Brasil é que a história oficial normalmente é uma merda!

      Muita coisa interessante ficou relegada ao esquecimento, enquanto você tem que ficar perdendo tempo nos bancos escolares estudando bobagem.

      Uma vez tive a oportunidade de conversar com membros da FEB e… putz!Foi foda saber as merdas em que os americanos colocavam eles. E os fdp se justificavam dizendo que estavam armando e vestindo os brasileiros, logo nada mais justo que eles se expusessem às balas no lugar deles. E era assim com soldados de outras nacionalidades também.

      E os soldados americanos ainda ficavam roubando a comida, a bebida e as roupas que eram enviadas para os brasileiros. Dizem que o Mascarenhas de Morais foi se queixar com u general americano e ele debochou, dizendo que ali era assim mesmo e que “o mundo era dos espertos”. Mascarenhas ficou puto, bateu continência, convocou seus oficiais e explicou como o general ianque tinha tratado ele. Por fim disse “Vocês entenderam, não? O mundo é dos mais espertos!”

      Dias depois o mesmo general procurou o Mascarenhas e disse: “Olha, eu não me importo com a comida nem a munição que sumiu. Também não vou reclamar dos uniformes nem mesmo dos jipes desaparecidos. Mas, por favor, peça aos seus homens que devolvam O TANQUE! Eu não tenho como justificar o sumiço disso!”

      1. Rosinha

        Os EUA procuraram de todas as formas atrair o Brasil para o lado dos Aliados, e uma das medidas dos americanos foi um volumoso empréstimo para a construção da Usina de Volta Redonda, o que fez Getúlio Vargas se posicionar a favor dos aliados. E quando em 1942, com o afundamento de alguns navios brasileiros, (supostamente, por submarinos alemães), o Brasil entrou na guerra, os soldados estavam despreparados, mal amparados e em desvantagem. Os americanos faziam os soldados brasileiros de gato e sapato, e ao fim da Guerra, 454 da soldados da FEB morreram na campanha da Itália, e acabaram caindo no esquecimento, abandonados à memória de um povo que mal conheceu os integrantes da força de seu próprio país.

      2. Churrumino

        Hauhuahuahhuahuauhuahuahuhauhah!!! Que foda! Esse tipo de coisa ninguém conta.

  5. Don Vittor

    Gostei da visão imparcial, apesar da mesma ser um tanto romantizada. Virgulino, certamente, é um dos personagens mais cultuados da recente história nacional , sendo o seu encontro com a Coluna Prestes, um dos capítulos que julgo mais interessantes. Aguardo ansiosamente pela segunda parte.

    1. Fabricio Oliveira

      Encontro? Ouvi dizer que na época em que a Coluna Prestes tava se aproximando da Bahia e de Pernambuco os coronéis chamaram o Padre Cícero, amigo de Lampião, pra tentar convencer ele de enfrentar a Coluna Prestes antes que ela chegasse lá. Dizem que o Lampião arregou feio dizendo que o Prestes era o diabo encarnado e que nem ele e nem o bando dele tinha coragem de peitar o Prestes.

      1. Rosinha

        Fabrício, os fatos não ocorreram assim, não. O que acontece é que a Coluna Prestes estava ganhando muita força, e as tropas do governo começaram a pedir reforço a todos, até mesmo ao bando de Lampião para enfrentar a Coluna.

        Com a coluna se aproximando do Ceará, o deputado federal do Estado, Floro Bartolomeu, recrutou uma força de defesa, os Batalhões Patrióticos, e foi com a mesma até Campos Sales, no Ceará. Ele fez, então, uma carta convocando Lampião, e a mandou para o Padre Cícero aprovar. Assim, um mensageiro foi atrás de Lampião. Enquanto isso, Bartolomeu, adoentado, seguiu para o Rio.

        Aparentemente sem ter recebido a carta de Bartolomeu, Lampião cuidou de seus interesse pessoais em Pernambuco. Finalmente, meses depois, Lampião recebeu a carta e seguiu com o seu bando para Juazeiro.

        No dia 5 de março, ele se encontrou com o Padre Cícero e recebeu uma patente de capitão dos Batalhões Patrióticos, assinada por um funcionário do Ministério da Agricultura. Curiosamente, o funcionário que assinou a patente declarou que, naquelas circunstâncias, ele assinaria até a exoneração do presidente.

        Os cangaceiros receberam uniformes e fuzis automáticos. No dia 8, Floro Bartolomeu faleceu. Lampião foi embora, decidido a cumprir o combinado, mas acabou sendo perseguido em Pernambuco. Voltando para falar com o Padre Cícero, Lampião não o encontrou. Como este não o recebeu, Lampião encerrou a sua carreira de defensor público e retornou à rotina de bandido.

        1. Fabricio Oliveira

          Pois é, depois de comentar eu li esse texto nesse blog que tu copiou e colou (hehehe), aí. Foi o meu professor do colegial que disse esse negócio do Lampião. De certa forma o texto confirma. Mas não que ele arregou, mas que eles foram derrotados pelo Prestes em Pernambuco e se retiraram, pelo fato de que o “coroné” que bancou ele morreu. Agora se ele arregou, aí fica por conta do meu professor mesmo. Rsrs. Mas ele também disse que o Prestes não era fácil, e que nos meios militares diz-se que ele era o segundo maior extrategista bélico da era moderna, só perdendo pro Napoleão.

          1. Rosinha

            Não acho que ele tenha ”arregado”, até porque, como eu disse, ele já havia decidido cumprir o combinado. Lampião deve ter usado do bom senso, e sendo esperto, e observando que iria lutar sem apoio contra uma força da cidade, ele foi astuto e decidiu voltar a vida de crimes no sertão.

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