Podem as máquinas pensar? Parte II

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Antes de começar, um pequeno concerto: Máquinas Pensantes, de Julio Aller.

Na parte I discutimos alguns conceitos e agora vamos continuar, retomando os sistemas especialistas.

Entre os programas especialistas, surgiu em 1968 o Shrdlu, com duas funções básicas: reconhecimento de linguagem e ser uma “máquina que aprende”. O programa era parte de uma pesquisa destinada ao desenvolvimento de uma teoria da aprendizagem que pudesse ser aplicada na própria IA.

A interface do Shrdlu com o mundo exterior era formada por um teclado, onde o pesquisador se comunicava com ele, sensores que “viam” os objetos (estamos em 68, as câmeras digitais não estavam nem perto de serem inventadas!), uma saída impressa e uma mesa com uma caixa e vários objetos geométricos simples (esferas, cubos, prismas e pirâmides) espalhados dentro e fora dela, que seriam mexidos por meio de mecanismos robóticos. O software recebia ordens do pesquisador para construir objetos novos, juntando os elementos simples, como se fosse uma criança brincado com Lego. Shrdlu podia ser questionado sobre seu comportamento a qualquer momento. Eis o exemplo de um diálogo entre um homem e o Shrdlu:

Homem: O que a caixa contém?

Shrdlu: A pirâmide azul, o cubo amarelo e a esfera azul.

Homem: Quantos cubos estão fora da caixa?

Shrdlu: Quatro.

Homem: Algum deles é mais estreito que aquele que está na caixa?

Shrdlu: Sim, o cubo vermelho.

Homem: Existe um campanário dentro da caixa?

Shrdlu: Desculpe, eu não sei o que significa “campanário”!

Homem: Um campanário são dois cubos e uma pirâmide empilhados.

Shrdlu: Compreendo.

Homem: Existe um campanário?

Shrdlu: Não.

Homem: Construa um.

A máquina cumpre a ordem.

Homem: Porque você apanhou a esfera azul?

Shrdlu: Para me livrar dela.

Homem: Por que você pegou o cubo vermelho?

Shrdlu: Para colocá-lo sobre o cubo amarelo.

Certamente este diálogo satisfaz em parte o teste de Turing. Poderemos confundir este computador com uma criança, se ambos estiverem fazendo o mesmo tipo de jogo, ou seja, brincando com blocos. Se fizermos qualquer outra pergunta fora das regras deste jogo, Shrdlu não será capaz de responder satisfatoriamente.

Este é o problema básico dos programas inteligentes: são especialistas totalmente bitolados (às vezes como um especialista humano).

Mas o que falar do Siri (interface de comando vocal – ou “assistente pessoal” – para o iPhone 4S da Apple? Veja este artigo da revista digital Smart Software.

As objeções à Inteligência Artificial

Turing, em seu artigo Computadores e Inteligência, levantou diversas objeções à Inteligencia Artificial e procurou respondê-las. Suas respostas são bastante contundentes e difíceis de contestar, o que nos convida a, pelo menos, reexaminar nossos conceitos sobre o que é pensar.

1) Objeção Teológica

Pensar é uma função da alma humana, um dom fornecido por Deus ao homem.

Resposta de Turing: “se Deus pode dar este dom aos homens, pode dá-lo a qualquer ser, um elefante ou… uma máquina, porque, sendo Ele onipotente, não tem nenhuma limitação em seus poderes, podendo fazer qualquer coisa”.

2) Objeções da “Cabeça na Areia”

As consequências do pensamento das máquinas serão terríveis. Esperemos que elas nunca ocorram.

Resposta de Turing: “isto não é um objeção real. Não passa de uma simples negativa de ver a realidade. Quem defende esta opinião não examinou a questão a fundo e apenas esconde sua cabeça na areia, como um avestruz”.

 3) Objeção Matemática

Certos teoremas da lógica matemática demonstram que há limitações nos poderes de uma máquina (Teorema de Gödel, em 1931, de Keene, em 1935, de Church, em 1936, Russer e Turing, em 1937). Estes teoremas mostram, de maneira direta ou indireta, que é impossível construir uma máquina capaz de resolver qualquer problema dado. Isto é, devido ao processo de resolução de problemas por máquinas, pelo menos na época de Turing, era baseado na axiomatização e formalização matemáticas. Gödel provou que era impossível axiomatizar a aritmética e o próprio Turing provou que é impossível construir uma máquina capaz de resolver qualquer tipo de problema.

Resposta de Turing: “mesmo que uma máquina não possa resolver um determinado tipo de problema, é sempre possível criar uma que possa. Esta nova máquina pode não resolver outros, inclusive alguns que a máquina anterior podia. Além disso, nem mesmo os seres humanos podem ser capazes de resolver todo e qualquer problema. Somos limitados pelos nossos conhecimentos e nossas habilidades. Todavia podemos encontrar um outro ser humano que pode resolver um problema para o qual não conseguimos encontrar solução, embora esta pessoa possa ser incapaz de fazer determinadas coisas que nós sabemos.”

 4) O Argumento da consciência

Somente quando as máquinas puderem ter consciência, ou seja, saberem que são e não apenas serem, é que poderemos admitir que as máquinas pensam.

Resposta de Turing: “este tipo de objeção cai num solipsismo, ou seja, só podemos saber se uma máquina pensa se podemos nos tornar a própria máquina. O que na realidade devemos fazer é julgar se uma máquina é inteligente ou não pelos resultados que ela nos fornece, como fazemos com as pessoas a nossa volta.”

5) Argumentos de várias incapacidades

Este argumento diz que uma determinada tarefa é impossível de ser realizada pela máquina. Por exemplo, ter sentimentos, ser criativa, ter inciativa, aprender com a experiência etc.

Resposta de Turing: “as críticas apresentadas são formas disfarçadas de argumento da consciência e devem ser respondidas da mesma maneira.”

6) A objeção de Ada Byron, Lady Lovelace

O nome “Ada Byron” está ligado à Máquina Analítica, de Charles Babbage. Ela pode ser considerada a primeira programadora de computadores da história e forneceu à posteridade uma descrição pormenorizada da Máquina Analítica, numa dissertação datada de 1842. Neste trabalho, encontramos os seguinte trecho: “a Máquina Analítica não tem nenhuma pretensão de criar o que quer que seja. Pode fazer tudo o que saibamos ordenar-lhe que faça.” (os grifos são de Ada Byron).

Resposta de Turing: “isso não impede que possamos construir uma máquina que possa “aprender” ou a “pensar por si mesma”, desde que saibamos ordenar-lhe isto.

 7) O argumento da continuidade dos sistema nervoso

O sistema nervoso, ao contrário do computador, não é uma máquina de estados discretos.

Resposta de Turing: “no jogo da imitação o interrogador não pode tirar qualquer vantagem disso, porque um computador poderá resolver qualquer problema matemático por métodos numéricos aproximados.”

8) O argumento da informalidade do comportamento humano

É impossível descrever um conjunto de regras de conduta que pretenda predizer o que um homem faria num dado momento ou em qualquer circunstância imaginável.

Resposta de Turing: “exite aí uma confusão entre “regras de conduta” e “leis comportamentais”. Quem conhece psicologia pode dizer que tais leis de comportamento existem, portanto é possível construir uma máquina que obedeça a tais leis.

9) O argumento da percepção extrassensorial

Certo fenômenos parapsicológicos (telepatia, clarevidência, premonição e psicocinética) não podem ser explicados pela ciência tradicional. Nenhuma máquina é capaz de reproduzir estes fenômenos.

Resposta de Turing: “é necessário mudar radicalmente o jogo da imitação para que possamos encarar estes fenômenos. Ainda não tenho uma resposta definitiva, mas devemos ter em mente que devemos isolar estes fenômenos de nossa prova, já que eles ainda são mal compreendidos pela ciência e não atingem todos os seres humanos.”

O Quarto Chinês – O teste de Turing às avessas

O filósofo John Searle, em 1980, propôs um experimento teórico visando refutar os teóricos da Inteligência Artificial. Basicamente, o “Quarto Chinês” é uma sala fechada com apenas uma abertura onde uma pessoa que ignora totalmente o idioma chinês responde perguntas feitas neste idioma. Esta pessoa recebe pela abertura uma pergunta escrita em chinês, e por meio de um manual, escolhe os caracteres de resposta, e devolve pela abertura.

Para quem está do lado de fora, as respostas parecem coerentes e tem a impressão de que a pessoa que está lá dentro entende chinês.

Já que, segundo Searle, a pessoa no quarto não entende o chinês e ela está executando mecanicamente a leitura de um manual, então não está acontecendo nenhuma compreensão do idioma, ainda que a execução do programa seja correta. Portanto, se não há compreensão, não há pensamento.

Turing, no entanto, em sua proposta já descarta esta preocupação. O que ele está procurando não é uma prova direta do pensamento ou consciência de uma máquina, mas se ela pode executar tarefas que sejam similares ao pensamento humano.

Para finalizar, um vídeo da BBC sobre IA que discute os avanços atuais e inclusive faz uma boa demonstração do Quarto Chinês.

Administrador Iluminerd

A mais estranha figura nesse grupo: não posta, não participa de podcast, mas foi ele quem uniu todas as pessoas dessa bagaça...

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