1984: Epic Winning

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Como todo leitor inveterado, tenho minhas manias. Uma delas é fazer uma categorização mental dos livros que leio. Costumo classificá-los da seguinte maneira:

1. Boa obra. Já li melhores, mas deu pro gasto.

2. Excelente livro. Valeu cada minuto de leitura. Vale até “curti-lo” no Facebook.

3. Leitura obrigatório. Um dos melhores livros que já li. Deveria ser usado como leitura extra-curricular em todos os colégios. Como diz o Charlie Sheen, EPIC WINNING.

1984 se encaixa na terceira descrição. É sem sombra de dúvida um dos cinco melhores livros que já em toda minha vida. E olha que já li muito (link com merchandising gratuito para o Skoob). A singularidade desta obra se encontra na união de ficção com fragmentos da história real. O mundo descrito por George Orwell é mais do que possível de existir. Considerando a natureza humana em seu caráter mais perverso, não podemos duvidar que sua obra não possa futuramente ser considerada uma previsão do que estava por vir.

Falei de George Orwell, mas não disse quem ele é. Orwell é o autor do livro em questão. Ele nasceu em Motihari,  Índia, em 1903. George Orwell era seu nome artístico. Seu nome de batismo era Eric Arthur Blair. Desde criança morou na Inglaterra, berço dos meus autores preferidos. Nascer no Reino Unido, aliás, parece que é qualidade inerente a todo bom artista. As melhores bandas, os melhores escritores, os melhores esportes, os melhores cantores e o melhor idioma vem de lá.

Orwell escreveu sua obra mais famosa, 1984, já no crepúsculo de sua vida, em 1949. Talvez, o último suspiro de um gênio. Sua produção é extensa e inclui outros romances famosos, artigos, ensaios, poemas e manuscritos. Seus outros livros publicados no Brasil (em português) são: Dias na Birmânia, A Filha do Reverendo, Mantenha o Sistema/Moinhos de Vento, A Revolução dos Bichos, Na pior em Paris e Londres, A caminho de Wigan e Lutando na Espanha (acho que me lembrei de todos).

Antes de tratar de 1984 especificamente, tenho de falar rapidamente sobre A Revolução dos Bichos. Neste, Orwell já demonstrava sua predileção por abordar o poder totalitário e a tendência das revoluções caminharem para o totalitarismo. Sinto que Orwell enxerga no homem uma vontade natural, quase primitiva, pelo poder em si. Na revolução animalesca em questão, os porcos são humanizados, fazendo as vezes dos ditadores no poder. Percebemos claramente a alusão ao homem. É uma falsa fábula infantil. Todo jovem deveria ler para entender a profunda mensagem que subjaz nessa obra.

Em 1984 (finalmente!), Orwell leva adiante, com muita mais profundidade, a temática levantada no livro acima citado. Só que dessa vez a “moral da história” não está disfarçada em uma fábula de animais. Os protagonistas são efetivamente seres humanos.

Winston Smith, o protagonista, vive na Oceânia, mais especificamente no território da antiga Inglaterra. A Oceânia é uma das três nações que “sobraram” do período pós-guerra, junto com a Lestásia e a Eurásia, formadas pela união de vários territórios. As três estão sempre em guerra. Quando a Oceânia está em guerra com a Lestásia, se alia a Eurásia. Quando o inimigo é a Eurásia, o aliado é a Lestásia. Como a guerra é eterna, a configuração de alianças está sempre mudando. É um mundo diferente do nosso, se pensarmos na organização geopolítica das nações. Não obstante, ao longo da leitura, vemos como as semelhanças com nossos governos são latentes no texto. Orwell viu o surgimento do nazismo, do fascismo e do stalinismo, daí sua temeridade em relação ao futuro da humanidade. Seu livro é um alerta aos homens.

Regressando a narrativa, a Oceânia é governada pelo Partido, sob a liderança do Grande Irmão. Sua forma de governo é denominada Socing em Novafala, ou Socialismo Inglês na VelhaFala (mais adiante falarei um pouco mais dessas duas línguas). É um regime totalitário e que anseia pelo poder em si para a perpetuação do regime e para satisfação dos membros do núcleo do partido. Aliás, na prática, o Socing não guarda muitas semelhanças com o socialismo real, mas,através da prática do duplipensamento, a coexistência do conceito real e do regime são possíveis. O Partido mantém seu poder intacto por meio de seus quatro Ministérios: o Ministério da Paz (responsável pela guerra), o Ministério do Amor (a ele cabe manter a lei e a ordem), Ministério da Verdade (cuida das noticias, do entretenimento, da educação, das belas-artes e do controle do passado) e o Ministério da Pujança (responsável pela economia). Esses quatro poderes garantem a manutenção da estabilidade social, ou seja, de manter os proletas (o “povão”) e os membros do partido externo “na linha”. Por “na linha” entenda fiéis ao partido e ao Grande Irmão.

Um adendo, Winston trabalha no Partido Externo (especificamente, no Miniver, Min. da Verdade em NovaFala), que mal comparando seria o funcionalismo público de nosso mundo. Não obstante, a burocracia com a qual Winston lidava era outra. Ele tinha de reescrever o passado de acordo com os desígnios do Partido. No próprio slogan do Partido, isso está inscrito: quem controla o passado controla o presente e quem controla o presente controla o futuro. Outros lemas do Partido do Partido são: Guerra é paz; Liberdade é escravidão; Guerra é força. Essas associações só se tornam possíveis em quem está habituado ao duplipensar. Mas aqui vai uma revelação: nós também duplipensamos. Em um dos posfácios ao final do livro, Erich Fromm compara o duplipensar ao mundo do trabalho. Se estamos em uma empresa X, nos convencemos de que o produto ou serviço dela é o melhor, mesmo que não tenhamos comprovações desse fato. Se, por um acaso, nos transferimos para empresa Y, temos de aceitar uma nova verdade e nos convencermos de que o produto ou serviço dela é melhor.

Voltando ao protagonista do livro, Winston não aceita passivamente tudo o que o partido lhe impõe. Suas formas de resistência são pequenas, como escrever um diário escondido da teletela (espécie de Big Brother que controla toda a movimentação dos membros do Partido até em suas casas). Winston sabe que ao criticar o regime e o Grande Irmão em seu diário ele está cometendo pensamentocrime e, mais cedo ou mais tarde, perderá sua vida por isso. Aliás, esqueci de mencionar, o objetivo último do partido é controlar as ações e pensamentos de todos, proletas e membros do Partido. É claro, que há “dissidentes” como Winston, mas eles são prontamente expurgados.

Winston, quando achava que provavelmente não encontraria ninguém livre do jugo do Partido, conhece Julia. Diferentemente de Winston, sua subversão ao partido era menos mental e mais prática. Ela procura obter os prazeres que o Partido lhe tolia. Daí, Winston defini-la como uma rebelde da cintura para baixo. Winston e Julia conseguem, a muito custo, manter encontros regulares e passam a ter esperança de que podem “fazer a diferença”. Nesse propósito, creem encontrar um apoiador em O’Brien, membro do Núcleo do Partido. Ele lhes introduz na Confraria, suposto grupo opositor do regime. A partir desse fato, desenrola-se o clímax do livro e nos deparamos com um final surpreendente e ao mesmo tempo desesperançoso.

Algumas críticas relacionados a “1984” dizem respeito ao pouco desenvolvimento dos personagens e a superficialidade das relações entre eles. É dito que a crítica política se sobrepõe a história. Não concordo com essas afirmações, mas era importante registrá-las aqui. Outra informação relevante presente no posfácio do livro (as críticas também foram retiradas de lá) é que os apêndices do livro, que nos dão informação sobre a Novafala, não cumprem apenas a função de apêndice. [pequeno spoiler em seguida] Eles são, na verdade, uma prova do final feliz que não veio efetivamente ao final do livro. As regras da Novafala são descritas no pretérito, o que simbolizaria que, ao final, o regime não triunfou em um de seus principais objetivos: enxugar o idioma, a ponto de não ser possível conseguir expressar em palavras sentimentos revolucionários ou, de alguma forma, contrários ao Partido e às suas regras.

Múltiplas outras questões ainda são abordadas no livro. Seria exaustivo abordar todas elas aqui. Para descobri-las o mais indicado é ler o livro.

Resumo da ópera. Digo, da obra.

Autor: George Orwell

Editora: Companhia das Letras

Miolo: 414 páginas, divididas em 3 partes, Apêndice e Posfácios (resenhas críticas sobre o livro escritas em diferentes décadas)

Onde comprar:

Submarino

Livraria Cultura

Saraiva

Americanas

Siciliano

Estante Virtual

Administrador Iluminerd

A mais estranha figura nesse grupo: não posta, não participa de podcast, mas foi ele quem uniu todas as pessoas dessa bagaça...

Este post tem 5 comentários

  1. Wesley

    Realmente, um ótimo livro. Gosto mais dele do que do Admirável Mundo Novo e do Laranja Mecânica.

      1. Wesley

        Sim, já li os três. Mas não sei por que, a visão de futuro de 1984 me parece o nosso presente. Está aqui, está acontecendo. Por isso gosto mais dele, parece um livro premonitório.

        1. O engraçado é que parte de 1984 está acontecendo, sim. Um líder messiânico quase ficcional que comanda com mão de ferro seus associados. Uma organização que se diz democrática mas que possui elementos muito próximos de uma ditadura partidária. 

          Acontece o mesmo com Admirável Mundo Novo. Temos uma sociedade acrítica, incapaz de se manifestar frente a qualquer coisa que não seja aquilo que os governantes querem. Um sistema de castas que deve ser mantido a ferro e fogo. Além disso, qualquer elemento desagregador passa a ser compreendido como criminoso moral…

          Agora, o cotidiano de Laranja Mecânica tb ocorre. Perceba como nós, enquanto indivíduos andamos agindo. Temos verdadeira aversão a músicas ou estilos que são massificadamente colocados em nossas cabeças (alguns têm mesmo reações físicas). Além disso, temos uma sociedade que simplesmente não quer mais se livrar dos criminosos, mas torná-los dignos de pena… 

          Cada um a seu modo, mostra uma faceta do nosso presente, não acha? Entretanto, também temos de ver que, algumas coisas, ocorreram para o bem e nada tem de relação com esses livros, como a marginalização da intelectualidade. Acho que esse é um dos grandes avanços da nossa geração, mas tem muita gente que discorda…

          1. Wesley

            Boa. Verdade mesmo. As distopias destes livros meio que convergem para o mesmo ponto: a vida de gado a que querem nos submeter e estão conseguindo. 

            E o Farenheit 451? Esse eu ainda não li. Mas parece que caminha ao lado dos três já citados.

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