1ª Guerra Mundial – Um Início Difícil

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A 1ª Guerra Mundial foi complexa; provocada por inúmeros motivos, multipolarizados e dificilmente resumíveis na expressão “ascensão do fascismo” – como podemos dizer, de maneira grosseira porém fácil, a respeito da 2ª Guerra Mundial. A expansão imperialista da Grã-Bretanha e dos demais impérios europeus forçou bastante a barra do secular Império Chinês e a Rússia dos Czares.

No início do século XX, o Império Chinês estava em frangalhos, já que pra debelar a Revolução de Taiping a Imperatriz Tzu-Hsi teve que praticamente desmontar a máquina estatal do império, deixando o governo vulnerável às pretensões britânicas, russas e japonesas. A Rússia vinha doida pelos territórios da Manchúria; também desesperadamente cobiçados pelo Império Japonês. Este, por sua vez, acabou expulsando os chineses da Manchúria e também arrancou, de tabelinha, os territórios da Coréia e de Taiwan. Atordoado, e tomando tiro sem saber de onde, o Império Chinês também perdeu o território de Hong Kong e do Tibete pra Grã-Bretanha, enquanto a França lhe arrancava a Indochina a mordidas. Até Portugal, se aproveitando da Farra do Boi, chutou a China – um gigantesco cachorro morto – e surrupiou Macau. Pra piorar, os EUA (uma novíssima potência) também queriam tirar um naco de carne do defunto império, e forçaram muito para que a China abrisse as portas para o “comércio”.

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soldados chineses recrutados pela Grã-Bretanha.

A resistência chinesa foi composta por nobres da corte e sociedades secretas. O problema todo foi que a solução dos nobres da corte para resolver toda esta crise se dava com a própria restruturação do Estado, o que implicaria no seu próprio fim, ou seja, um paradoxo que eles acabaram evitando. As sociedades secretas, por outro lado, tinham pressupostos ideológicos fortes, mas eram mal direcionadas: não visavam a restruturação do Estado, e sim a destruição das máquinas, da religião cristã e expulsão de estrangeiros. Somados a isso, havia os intelectuais ocidentalizados, que junto com as sociedades secretas, foram essenciais pro fortalecimento e consolidação de Sun Yat-sen

WW1- Sun Yat-sen
Sun Yat-Sen é chamado pelos chineses como o “Pai da Nação”, seria o equivalente chinês de George Washington. Figura essencial ao primeiro despertar da China para os novos tempos, pós-dinastias. Foi o responsável pelo desenvolvimento da filosofia dos Três Princípios do Povo.

Enquanto forjavam-se os “três princípios” (nacionalismo, republicanismo e divisão das terras) – com apoio de intelectuais chineses influenciados por elementos ocidentais; as sociedades secretas se encarregavam de conseguir influência nas comunidades rurais. Infelizmente, todo o esforço mostrou-se muito frágil, ante uma gigantesca população debilitada e fragmentada pela falta de um líder dinástico tradicional. Inúmeros interesses de diversas classes sociais (republicanos, nobres e as próprias sociedades secretas) causaram a implosão de todo o sistema, que culminou em grandes revoltas populares e esfacelamento do poder central, dividido em milhares de “microfeudos” que só iriam se estabilizar e voltar a se reunir com o advento da Revolução Comunista.

A Rússia, no limiar do século XX, era um país extremamente atrasado, porém grande exportador de grãos. Seu povo era extremamente descontente, pois não era ouvido, era pobre e sofria com uma altíssima carga tributária. Por outro lado, a Rússia contava com um fator cultural interessante: seus povoados já tinham a tradição de juntar-se em comunidades coletivas de fazendeiros para auxílio mútuo. Os inúmeros descontentamentos criaram uma situação de grande comoção popular que resultou, por parte do Czar e da Administração Russa, na libertação dos servos, com intenção de apaziguar a situação. Contrariamente ao que planejavam, a libertação de servos e escravos trouxe mais força aos descontentamentos. As comunas camponesas detiam quase todas as terras plantáveis na Rússia ocidental. O Socialismo Marxista encontrou viabilidade nesse cenário, que entrou em consenso quanto à incapacidade do Czar de administrar competentemente a reforma agrária. O descontentamento aumentou mais ainda com a formação de um proletariado industrial, decorrente da rápida industrialização promovida pelo Czar, através do incentivo no aumento na produção de carvão, ferro e tecidos, que gerou rapidamente um quantitativo proletário miserável e mais efervescente que comprimido de Vitamina C.

WW1- Bratislava
Bratislava: cidade com grande incidência judia, na Eslováquia, zona de influência do Império Russo. fica evidente o início da preparação para aquela que seria a 2ª Guerra Mundial: o acúmulo de inquietações sociais cresceu, e, pra piorar, o Czarismo encorajou o antissemitismo de massa, com perseguições e discriminações ostensivas, o que levou os judeus a participarem ainda mais dos movimentos revolucionários, engrossando suas colunas.

O Czar, movido pela ilusão de comandar uma grande potência, insistia em desempenhar o papel que ele acreditava ser nato e destino do seu país: o da conquista. Com o objetivo de servir como ligação para o esforço de industrialização e unificação, fomentou-se o colossal projeto da linha de trem Transiberiana que também serviu como forma de forçar o poderio russo pra cima da detonada China. Neste ponto, devido a interesses mesquinhos e ocultos de grandes empresários (que nessas horas sempre atuam por trás das cortinas), a Rússia acaba entrando em conflito com o crescente Império Japonês e suas ambições igualmente expansionistas. O resultado disso foi a guerra russo-japonesa, que culminou num prejuízo desastroso para a Rússia e num revés em sua política internacional, enfraquecendo seu poderio externo e reforçando ainda mais a fraqueza das já debilitadas forças internas (por conta dos inúmeros conflitos e desentendimentos entre os vários grupos sociais) e dando a oportunidade para a revolução de Lenin, em 1905.

WW1- Lenin

A revolução de Lenin foi uma tentativa frustrada: apesar de contar com grande apoio de estudantes, da classe intelectual e dos próprios trabalhadores, que, graças à tradição das comunidades coletivas de fazendeiros instituíram, espontaneamente, os soviets (conselhos). Apesar dos inúmeros soviets e de um período de autoridade efetiva e real, todos os revolucionários sabiam que uma revolução não poderia ser consolidada sem apoio da burguesia – que na Rússia era pequena e fraca demais pra apoiar qualquer coisa que fosse. Como alternativa, Lenin teve a ideia de que a revolução poderia ser sustentada pela crescente classe proletária. Infelizmente, nada disso aconteceu: os proletários foram divididos por massacres e uma política Czarista de divisão de classes, através do fortalecimento de camponeses conservadores, dividindo terras em lotes privados e exclusivos e possibilitando que tais camponeses prosperassem. As frustrações decorrentes de toda essa dolorosa convulsão social se acumularam no que viria a ser a revolução de 1917, e a consequente queda do Czarismo. Com mais essa revolução, somada às convulsões chinesas e otomanas, vai se formando o complexo cenário de 1914.

A partir de então, enquanto nos países periféricos a situação parece sair cada vez mais do controle, no contexto das potências, vai se estabelecendo uma suposta paz no seu entorno. Se levarmos em conta que as potências deixam de guerrear entre si por quase 100 anos, preferindo canibalizar e depredar impérios em decadência ou regiões mais fracas, o cenário da Belle Époque parece ser cada vez mais contínuo e duradouro, sugerindo uma prosperidade eterna e sem conflitos para os mandatários das potências. Portanto, apesar de Grã-Bretanha e França especularem sobre uma possível guerra de alcance mais amplo, tendo em vista as condições da Rússia; China; do decadente Império Otomano e dos Bálcãs, não havia uma preocupação real. O aumento cada vez maior da militarização das potências era visto como circunstância natural e necessária do Estado-vigilante: para obter-se a paz, deve-se preparar para a guerra. Curiosamente, apesar da suposta “preparação pra guerra”, quando o conflito começou a se estender a partir dos Bálcãs, encontrando toda a fragilidade estrutural das potências exposta pelos efeitos de sua depredação nos países derrotados, foram estudiosos e intelectuais civis que começaram a prever a gravidade de um possível conflito global; não militares.

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Aliás, a empolgação dos militares e governos com o avanço tecnológico cada vez maior foi quase apavorante: a corrida militar foi acirrada, com potências financiando com cada vez mais voracidade equipamentos de destruição cada vez mais eficazes (conforme veremos no post sobre os maiores armamentos da 1ª Grande Guerra). A corrida armamentista frenética foi ficando ainda mais cara. Com isso, novos impostos acabaram sendo criados. A indústria bélica e a Administração Pública acabam forjando laços econômicos – e de maneira sólida – sem precedentes, e que se estendem até os dias de hoje.

Mas por que a 1ª Guerra Mundial ocorreu?

A guerra era tida pelas potências mundiais como algo, até certo ponto, esperado, dentro das relações internacionais. Apesar de as grandes potências terem passado quase 100 anos sem receberem ataques diretos, entendiam que conflitos locais sempre eram uma possibilidade no processo de consolidação de seus interesses. Mesmo assim, a maioria dos governantes certamente não imaginou que, até aquele momento, haveria a possibilidade de sobrevir uma guerra que envolvesse o mundo todo.

Porém, todo o contexto de depredação e descontentamento de povos milenares inteiros, a escalada militar incessante e a batalha por áreas de influência tornavam o conflito cada vez mais iminente e inescapável. Só haveria necessidade de um estopim: o assassinato de um arquiduque obscuro por um terrorista dos Bálcãs. A partir do momento em que o Império Áustro-Húngaro resolve atacar a Sérvia e a Alemanha a apoia, as coisas ficam ainda piores. O alinhamento de potências num cenário em que todos estão armados até os dentes e os pobres se revoltam e choram de fome deitados à porta, do lado de fora, não é lá muito agradável.

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Sem a 1ª Grande Guerra jamais teríamos ouvido a banda do arquiduque Franz Ferdinand.

A guerra seria reflexo de um contexto internacional em crescente decadência, onde potências mundiais tentam extrair o sumo de povos inteiros, em grandes extensões geográficas, sem o menor interesse de tomar consciência das perversas consequências. O Império Austro-Húngaro já havia se envolvido em muitos conflitos tenebrosos nos Bálcãs – área de influência cobiçada pela Rússia, que, por sinal, não tem forças para interferir, já que enfrenta comoções internas. Assim, Alemanha e Áustria-Hungria se alinham contra França (que havia perdido para os alemães, recentemente, largas porções de território). Esta, por sua vez, se alia a outra personagem combalida e derrotada: a Rússia. Em seguida, para grande surpresa de todos, a Grã-Bretanha se alia ao eixo francês. Blocos opostos de potências acabam tornando a situação ainda mais tensa. O cenário começa a adquirir contornos cada vez mais inusitados e espantosos: teoricamente, Grã-Bretanha não deveria se alinhar à França – da qual é rival histórica, e contra a qual teve inúmeros conflitos – e muito menos se opor à Prússia – contra quem tinha até um histórico de boas relações – que se junta à Alemanha e Áustria-Hungria.

Assim, a 1ª Grande Guerra marca o primeiro conflito global e, ao mesmo tempo, o fim da primeira etapa do processo de globalização e do desenvolvimento do Capitalismo. Fruto de potências que, buscando aumentar suas áreas de influência; guiadas por determinações de economias industriais – que desejavam o crescimento financeiro; acabam superdimensionando seus conflitos locais.

 

Colossus de Cyttorak

Detentor dos segredos da Mãe-Rússia, fã incondicional de jogos da antiga SNK (antes de virar esse arremedo, chamado SNK Playmore), e da Konami, Piotr Nikolaievitch Rasputin Campello parte em busca daquilo que nenhum membro da antiga URSS poderia ter - conhecimento do mundo ocidental. Nessa nova vida, que já conta com três décadas de aventuras, Colossus de Cyttorak já aprendeu uma coisa - não se deve misturar Sucrilhos com vodka, nunca!!!!

Este post tem 11 comentários

  1. JJota

    Lendo sobre o assunto, é incrível como as autoridades da época se fixavam num “determinismo” absoluto: para eles, a Primeira Guerra não só era esperada, como inevitável. A surpresa, para a maioria, foi que o conflito durasse mais que alguns meses.

    1. Pois é. Eles até contavam com a guerra, continuando uma filosofia que os EUA usam até hoje: “Guerra é bom pros negócios”. Houve várias surpresas: a duração maior que a esperada; a escalada inesperada da violência; o nível absurdo de propagação geográfica do conflito. O mundo europeu todo (e até alguns países fora do eixo europeu, como México, por exemplo) estava sentado num gigantesco barril de pólvora, esperando pra explodir.

      1. JJota

        O que é foda é ver como os militares estavam distantes da modernização dos armamentos. Quando observadores informaram a eles o impacto da artilharia e das metralhadoras nas Guerras de Secessão e da Criméia, os oficiais europeus disseram que aquilo era uma “luta de selvagens”. Nos primeiros meses de combate, era incrível como os soldados avançavam a descoberto, em colunas, como se enfrentassem meros tiros de canhão… Na verdade, essa forma de avanço eu já achava ridícula antes. Diante das metralhadoras, então…

        1. Don Vittor

          O bizarro era ver como os comandantes enviavam milhares de seus homens a morte por irrisórios ganhos territoriais.

          1. Colossus de Cyttorak

            É, mas isso acontece até hoje, se for pensar bem. A situação dos judeus sionistas contra os palestinos do Hamas é ridícula.

          2. Don Vittor

            Certamente existe o desapego a vida humana, até os dias de hoje. Porém, quando me refiro as estes comandantes, quero atentar ao lado antiquado e até amador deles diante a guerra moderna.
            No no caso citado por você, mais me parece a citação de genocídios no conceitos de Os Outros.

          3. JJota

            Na Guerra de Secessão (que é bom lembrar aconteceu beeeeeeeem antes da Primeira Guerra) um coronel confederado “modernizou” sua cavalaria, fazendo eles serem “atiradores montados”. Quando enfrentavam a cavalaria inimiga, se acostumaram a massacrar os mesmos, debochando “Lá vem aqueles idiotas novamente com seus sabres e suas lanças. Fogo neles!”.

            Na guerra contra o Japão, russos foram massacrados pelo uso superior de armamento moderno, principalmente artilharia e metralhadoras, por parte dos japas. Nem assim aprenderam nada.

          4. JJota

            A guerra de trincheiras, um período sombrio, só mostra o quanto os oficiais estavam perdidos, estagnados numa guerra de atrito completamente improdutiva por falta de iniciativa. Quando os americanos chegaram, ficaram espantados com a imobilidade e as péssimas condições dentro das trincheiras.

        2. A impressão que dava era a de que os militares viviam num mundo de fantasia, onde armas eram criadas, sem nenhuma ideia de como aquelas armas realmente afetavam os contingentes, enquanto os soldados viviam o cotidiano chacinado dos bunkers e fronteiras… Eram duas visões de mundo completamente contraproducentes….

          1. JJota

            Mesmo os alemães, que haviam começado a se modernizar primeiro, deixaram a questão tática de combate em segundo plano. As primeiras baixas, quando eles chegaram às fortalezas belgas, foram tremendas porque os soldados avançavam marchando a peito descoberto, em colunas compactas, sendo alvos fáceis para as metralhadoras. Alguns soldados belgas disseram que chegaram a sentir que estavam perdendo o juízo diante da carnificina que estavam perpetrando, com os mortos se amontoando em pilhas enormes.

            Pior do que a pobreza tática, foi a desnecessidade: os alemães possuíam o mais moderno canhão já feito e poderiam ter avançado com cuidado, esperando o armamento e poupando homens e material. Diante do massacre em suas fileiras, os alemães recuaram e esperaram a montagem do canhão, que resolveu a questão em meio dia.

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