No mundo em que Dan Slott acaba com o Homem-Aranha e se tem a audácia e o mau gosto de permitir que sujeitos como Tony S. Daniel “escrevam” para um título do Batman, é bom lembrar de sujeitos que produziram grandes projetos e trouxeram visibilidade e respeito crítico às HQ sem apelar para polêmicas idiotas ou egolatria extrema.
Frank Miller nasceu em Maryland, em 1957, e cresceu em Vermont, numa família católica de origem irlandesa. Ainda jovem, tornou-se leitor de histórias policiais do tipo que eram desenvolvidas por Raymond Chandler e, principalmente, Mickey Spillane. Adolescente, passou a adorar também outra forma de narrativa: os quadrinhos. Adotou uma postura extremamente crítica em relação a Fredrick Wertham, cuja obra Seduction of the Innocent, na sua opinião, interrompeu o amadurecimento das HQ americanas, forçando-as a voltarem a ser, por anos, uma arte infantil, insípida, atoleimada. Em 1973, ficou orgulhoso por ter uma carta sua publicada em uma das revistas da Marvel. Longe de se limitar aos quadrinhos americanos, era fã também de quadrinistas europeus e do mangá Lone Wolf and Cub.
Disposto a trabalhar com quadrinhos, passou a desenhar para diversos fanzines. Em 1975, aos dezoito anos, chegou a Nova York disposto a trabalhar com quadrinhos policiais (juntando, desta forma, suas duas paixões). Mas eram os anos 1970 e este tipo de material chamava pouca atenção. Insistiu e passou a modernizar seu traço, aprendendo a retratar o mundo contemporâneo (em vez do dos anos 1920-40) e, ao mesmo tempo, estudou anatomia pra poder fazer os musculosos heróis de colante. Por quase três anos levou diversas portas na cara, sobrevivendo – mal, diga-se de passagem – de bicos.
Seu primeiro trabalho profissional não creditado ocorreu na revista The Twilight Zone 84, de junho de 1978, e foi conseguido através do desenhista Neal Adams. No mês seguinte, seu nome aparece pela primeira vez nos créditos, na história Deliver Me From D-Day, da revista Weird War Tales 64. Depois de outros trabalhos menores com títulos de guerra na DC, debutou na Marvel desenhando as dezessete páginas da edição 18 de John Carter, Warlord of Mars, de novembro de 1978.
Ele passou então a ser o “artista-tampão”, o sujeito que cobria as férias ou a falta de desenhista de qualquer título. Nessa toada, desenhou as edições 27 e 28 de Peter Parker, The Spetacular Spider-Man, chamando a atenção do grande público ao desenhar o Homem-Aranha como um adolescente bocoió, fazer um Justiceiro mais do que páreo para o Aracnídeo e, claro, pela primeira vez trabalhar com o Demolidor.
Na mesma época (começo de 1979), Miller ficou sabendo de Gene Colan estava saindo do título Daredevil. O motivo eram as baixas vendagens, que já tinham tornado o título bimestral (primeiro passo em direção ao cancelamento). Tendo gostado do personagem e querendo ter um título fixo, continuar trabalhando com o arte-finalista Klaus Janson (com quem sua arte casou muito bem) e, principalmente, ter a liberdade de desenvolver sua arte e narrativa de uma forma que jamais seria possível em uma revista de grande apelo popular, Frank pediu a Jim Shooter que lhe desse o cargo. O editor, sem nada a perder, concordou.
Miller assumiu o lápis em Daredevil #158 já impondo seu estilo autêntico ao universo do herói cego da Cozinha do Inferno. Com ele, os ambientes paulatinamente saíram dos terraços luxuosos e ruas movimentadas para ambientes mais realistas, sujos, degradados. O alemão Janson, depois de um momento de perplexidade diante da proposta do colega, se esmerou em realçar com seu traço forte e sombras carregadas o desenho de Miller.
Aqui é necessário derrubar duas lendas surgidas posteriormente: é falso que as vendas reagiram imediatamente e que Miller abraçou o título com todas as suas forças. Pelo contrário, as vendas continuaram ridículas e a ameaça de cancelamento aumentou. Temendo ver sua carreira incipiente ficar associada a um título descontinuado e frustrado com a parceria desenvolvida com o roteirista Roger McKenzie (que não dava assim tanta atenção aos diversos pitacos de Miller no desenvolvimento dos enredos), o desenhista pediu pra ser remanejado para outra publicação.
Mas o novo editor não aceitou. Ele parecia impressionado com o visual adotado por Frank. Um visual que apontava um sinal de amadurecimento que o editor começara a traçar anos antes, quando roteirizou o título Green Lantern/Green Arrow para a DC, ilustrado pelo amigo Neal Adams. Este, aliás, já havia feito elogios ao novato.
Dennis O’Neil não aceitou a saída de Miller…
Jota Jota, estou doido pra ler a continuação. Frank Miller é simplesmente um dos grandes bastiões do história da HQ contemporânea, junto com Allan Moore, Neil Gaiman e Alex Ross. Não se pode ignorar um cara que faz toda uma releitura de um personagem, como ele fez do Batman, por exemplo, que, algum tempo depois, passa a virar quase lugar-comum, quase que apagando as concepções anteriores que existiam do personagem.
Ah, e sobre o estilo de escrita dele é Raymond Chandler total. O jeito como ele descreve as ruas e personalidades, como ele escreve os fluxos de consciência dos personagens entremeados pelo discurso do narrador, são retomada total do estilo noir de escrever.
Ótimo post, Jota!
Qualquer pessoa que ler este post já deve ter percebido que sou devoto de Miller. A primeira vez que entrei com contato com o seu trabalho eu ainda era um garoto e estava com uma edição de Superaventuras Marvel nas mãos. Lembro que comecei a folhear a revista e fiquei logo chapado por aquela arte diferente, com muitos escuros e tudo desenhado com um aspecto “sujo”. E depois fiquei chocado ao ver o Demolidor soltando o Mercenário no chão…
Miller pra mim é o maior de todos, pois ele é completo (já fiquei horas olhando suas páginas e tentando me decidir se ele é melhor como roteirista ou desenhista). E ele revolucionou sem precisar criar um universo próprio pra si. Isso também contou muito pra mim.
Cara, meu primeiro contato com o Miller foi numa história do Demolidor, também ainda garoto, lendo a Superaventuras Marvel (não lembro o número), que tinha na capa escrito “a última aventura do Gladiador”. Não tinha ação nenhuma, só a história da tristeza de um cara que vê que a vida passou pra ele, que o tempo não volta mais.. O Demolidor chega e encontra um pedaço de ser humano, caindo aos pedaços de tanto chorar. Esse, por sinal, é o único encontro que se dá entre os dois na história.
Eu era garoto, e vi que ali tinha mais que umas porradas e confrontos simples. Aquele tal de Miller tava querendo levar as HQs pra um outro nível. Desde então, nunca mais deixei de ler o cara…
Então você não pode deixar de perder a segunda parte.
Bom post Jota! acho que não cheguei a ler as revistas dele no spiderman!
A Panini publicou toda a passagem do Miller nos títulos do Aranha em Grandes Clássicos do Homem-Aranha 4:
http://www.guiadosquadrinhos.com/ShowImage.aspx?id=22153&path=panini/m/ma01110004.jpg&w=350&h=525
Excelente post. Aguardando a continuação
Valeu, Marc.
Ótimo post Jota Jota ! Miller era genial, pena que hoje ele virou um babaca
Lamento muito algumas coisas que o Miller fez. Mas acompanhe a série e talvez você possa reconsiderar a sua opinião sobre algumas obras dele.
Esperando a parte que vai falar de Cavaleiro das Trevas 2. Não esqueça daquele “desenho” do Batman pisando no Luthor.
Sim, sim… Se eu te contar que esta é a parte que, creio, irei me divertir mais…
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Já havia lido essa HQ do Aranha citada. Miller mandava bem, pena que virou um VÉIO caduco.
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É triste ver hoje, mesmo que o trabalho dele tenha declinado, pessoas falando mal do cara como um todo, ao meu ver, ele se equivale e muito ao Moore, em termos de importância para as HQs… Ótimo antigo post, JJ
Valeu, Charlene, pelo antigo comentário.
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