A Forma da Água e a minha preguiça

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Um dos grandes favoritos a várias estatuetas na noite do Oscar, A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) tem estreia prevista no Brasil em 01 de fevereiro de 2018. Com direção de Guillermo del Toro (Hellboy, Labirinto do Fauno), a película tem emocionado a crítica especializada e garantido prêmios em diversas categorias aos envolvidos em sua produção.

Del Toro é conhecido por seus monstros verossímeis, aterrorizantes ou não, e por trabalhar com narrativas de fantasia de encher os olhos e com A Forma da Água não é diferente: a paleta de cores, escolhia a dedo para que o espectador se sinta envolvido pela história do homem-deus-anfibio, que foi capturado por pesquisadores americanos, é acompanhada por uma trilha sonora envolvente e que ao longo de toda produção, remete à agua de uma lagoa, de forma acolhedora e confortável.

A escolha de Del Toro em contar uma história de monstro como um drama romântico, se deve ao fato da película ser uma homenagem a um clássico do terror americano e que habita o inconsciente coletivo do universo cinematográfico: O Monstro da Lagoa Negraprodução em preto e branco de 1954, aparece incontáveis vezes em salas de cinema fictícias de diversos filmes.

Porém, por ser tratar de uma homenagem, não um remake, sua versão difere do original de 1954 em vários pontos, como se Del Toro contasse o final que gostaria que tivesse acontecido quando assistiu ao filme pela primeira vez. Assim, A Forma da Água não é uma prequel da vida de Abe Sapien, de Hellboy, como muitas pessoas haviam perguntado. Apesar de algumas semelhanças na história dos dois personagens, Del Toro deixou claro que não há relação entre eles.

Em seu discurso no Golden Globe 2018, Guillermo afirma que desde a infância ele foi salvo e absolvido pelos monstros, por acreditar que eles sejam a personificação da nossa possibilidade de cometer erros e continuar vivendo: “Monstros são os Santos patronos da nossa abençoada imperfeição”. Por isso, ao recontar a história de seu monstro favorito, ele o redime de seu passado de aberração para entregar que os verdadeiros monstros nem sempre possuem aparência amedrontadora e que nós tememos e odiamos aquilo que não conhecemos.

Assim, o improvável romance entre uma funcionária muda do laboratório militar e o monstro mantido em cativeiro, serve de pano de fundo para diversas metáforas que questionam e subvertem, constantemente, nossa noção do bem e do mal, o que, por si só, já é um grande mérito do filme, pois os exemplos do que seria uma pessoa de bem diante das convenções sociais vigentes e de onde está realmente o mal, propiciam certamente uma boa reflexão.

 

No entanto, se alguém espera a mesma profundidade e tensão de O Labirinto do Fauno, pode se decepcionar. A Forma da Água e um grande clichê e foi pensado para ser assim, o que não é um desmérito, de forma alguma. É uma obra visualmente (plasticamente) linda, mas não passa de uma grande colcha de retalhos de vários outros filmes, não há absolutamente nada de original ali, tanto quanto não há em grande parte das fanfics, que seria a melhor definição para a película. Mais uma vez, reforço que não há desmérito em se tratar de uma fanfic, já que algumas das grandes obras cinematográficas são adaptações ou versões de obras já produzidas.

Por exemplo, a trilha sonora remete ao filme Ámelie Poulin logo no início, o que se confirma nos trejeitos de Sally Hawkins como Eliza, a protagonista. Até mesmo suas relações com outros atores, todos muito bons em seus papéis, remetem à obra francesa. O roteiro é bem preguiçoso, já que se vale de uma infinidade de outras obras onde a mocinha é aquele ser tão magnânimo, que vê beleza interior nas bestas mais horrendas e desenvolve uma atração física incontrolável, que me desculpem, me remete à zoofilia.

Não consigo ver absolutamente nada de maravilhoso em uma mulher que diante de um homem-peixe com escamas, sente um tesão incontrolável a ponto de ter relação sexual com ele.  É impossivel não pensar que não existem obras onde um homem passe pela mesma situação e que não sejam histórias de terror. Impossível não pensar na frase repetida à exaustão por homens nativos de países de língua inglesa que diz: “If it smells like trout, get the hell out. If It smells like chicken, keep on likin'”= “Se cheira como peixe, saia correndo, se cheira como frango, continue lambendo”. Ou seja, mais do mesmo! Mas é muito mais do mesmo em um nível que me dá muita preguiça!

E vejam, antes que venham com a carta de moralista, eu amei Call me by your name, onde as cenas de sexo SÃO JUSTIFICÁVEIS E ESTÃO DENTRO DE UM CONTEXTO em que quando acontecem, são verossímeis e não suspendem a descrença temporária necessária para que tenhamos a sensação de fazer parte da obra. Em a Forma da Água, as cenas de sexo acontecem em um momento de “não acredito que isso está acontecendo” ou ” Pra quê isso?”, como quando Elisa explica com detalhes a anatomia genital do monstro à sua amiga Zelda (Octavia Spencer) ou o vilão transa violentamente com a esposa sem conexão alguma com o resto da história, apenas para que nossa aversão a ele seja construída. Bom, em pleno 2018 você usar uma mulher como acessório, só pra ser violentada na trama de forma que você possa construir a relação negativa do público com o personagem masculino, é ZZzzzzzzz de dar sono.

Se Del Toro tirasse essas cenas que são bem desncessárias, suas metáforas apresentadas em um contexto dos anos 1950, que chegam a ser pueris, poderiam facilmente ser apresentadas a um público infantil, pois grande parte da história e do desenvolvimento dos vilões se dá sob a premissa que se trata da visão das pessoas de uma época em que demandas socias não eram debatidas na profundidade que são hoje. Seria uma ótima forma de apresentar a um público mais jovem, temas como racismo, homofobia, misoginia que são tratados de forma sutil, mas ainda assim, perceptíveis.

Enfim, assistam e tirem suas conclusões, que, provavelmente serão de deleite e encantamento e depois me contem o que acharam.

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Dani Marino

Dani Marino é pesquisadora de Quadrinhos, integrante do Observatório de Quadrinhos da ECA/USP e da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial - ASPAS. Formada em Letras, com habilitação Português/Inglês, atualmente cursa o Mestrado em Comunicação na Escola de Artes e Comunicação da USP. Também colabora com outros sites de cultura pop e quadrinhos como o Minas Nerds, Quadro-a-Quadro, entre outros.

Este post tem 7 comentários

  1. Alberto Issa

    Pra quem insistir que é aberração e não sei mais o quê, imagine se fosse um anjo naquele laboratório secreto, por definição anjos também não são humanos, mas se fosse um daqueles loirinhos, branquinhos de olhos azuis o filme seria lindo, mas como é uma criatura diferente ta reprendido em nome de Jesus! pessoal o ser humano se apaixona por bonecas, por animais, por carros… e tanto faz o que ele faz dentro da casa dele desde que isso não machuque outros seres, o que importa é a pessoa que ele é na sociedade assim como a personagem principal é uma ótima pessoa.

    1. Paulo

      Recomendo a leitura dos quadrinhos do monstro pântano, no arco de histórias que descobrem a namorada do monstro.
      Debate igual a 30 anos atrás.

    2. Gabriel

      a zoofilia fica onde mesmo? fico imaginando se fosse um homem se “apaixonando” por um animal.

  2. isa

    Eu pensei a mesma coisa da parte sobre remeter a zoofilia. Achei o filme bem devagar e a parte do sexo eu pensei “Mds, ela não vai fazer isso, vai? Cara, pra que? Do nada”. Acho que ficaria melhor se as cenas “apimentadas” demorassem mais para acontecer, porque me fez pensar muitas vezes se a protagonista não era simplesmente louca ou tinha algum fetiche estranho desde o começo.

  3. Luciana Sousa

    Recomendaram-me esta filme e realmente é muito interessante. Michael Shannon fez um ótimo trabalho no filme. Eu vi que seu próximo projeto, Fahrenheit 451 será lançado em breve. Acho que será ótimo! Adoro ler livros, cada um é diferente na narrativa e nos personagens, é bom que cada vez mais diretores e atores se aventurem a realizar filmes baseados em livros. Acho que Fahrenheit 451 sera excelente! Se tornou em uma das minhas histórias preferidas desde que li o livro, quando soube que seria adaptado a um filme, fiquei na dúvida se eu a desfrutaria tanto como na versão impressa. Acabo de ver o trailer da adaptação do livro, na verdade parece muito boa, li o livro faz um tempo, mas acho que terei que ler novamente, para não perder nenhum detalhe. Vi os horários de transmissão em: https://br.hbomax.tv/movie/TTL711416/Fahrenheit-451 deixo o link por se alguém se interessar. Acho que é uma boa idéia fazer este tipo de adaptações cinematográficas.

  4. Oda

    cara vc não entendeu absolutamente nada do filme. Aliás se toda suas análises de filmes forem como essa, meu amigo tu tá no caminho erradíssimo.

  5. @zeh000

    Assisti ontem

    10-01-19

    Achei sua critica PERFEITA em todos os aspectos. Inclusive sobre as cenas de sexo, meio fora de contexto ou forçadas.

    Realmente houve a inspiração no “monstro da lagoa negra”,

    mesmo assim é notória a semelhnaça da “forma” com a espécie de ABE SAPIEN (do Hell Boy), talvez de uma outra ORDEM assim como leões e tigres são da mesma espécie mas de ordens diferentes

    E ainda teve a referencia do OVO, o alimento predileto de ABE

    Abraços

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