A lágrima que esperou 20 anos.

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Em meados da década de 1980 um jovem piloto de Fórmula 1 despontava nas pistas. Parte pelos seus feitos, parte pelo “frisson” que a mídia (muito da Globo) ajudava a fomentar e (por que não?) pela onda que Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet já proporcionavam com suas atuações e vitórias em anos anteriores.

A partir dessa época, até a metade dos anos 1990, a história de Ayrton Senna já é conhecia em boa parte e também por grande parte dos brasileiros. Não por acaso, mas sem saber o real motivo (e acho que ninguém diria com exatidão), Ayrton não só tomou o espaço no coração dos brasileiros como também nunca mais deixou que outro piloto tomasse seu lugar de ídolo. Primeiro do automobilismo e depois de brasileiro, ele se tornou um exemplo de perfeição.

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A clássica Lótus preta. Senna já chamava atenção não só pela habilidade e ousadia, mas também por pilotar um dos mais belos carros na categoria, até hoje.

Seria sua determinação? Sua coragem para enfrentar tanto os concorrentes nas pistas quanto a politicagem nos meandros do circo da Fórmula 1? Ou seria apenas aquele jeito que, mesmo obtendo sucesso e conquistas, ainda aparentava ser um rapaz humilde e sereno? Entre tantas opções, fato consumado é que ele conseguiu o feito de fazer um país realmente se interessar pelo automobilismo. Nasceram fãs ferrenhos do piloto, seguidores do esporte, os que seguiam um ritual de ligar a TV nas corridas dominicais, mesmo que apenas para escutar o que se passava, ou apenas os que precisavam saber do resultado mesmo sem quase sempre ver os GP’s. É nessa última classe que me incluo.

Veja bem: não tinha muita paciência para seguir esse ritual, talvez até mesmo pela idade. Ainda assim, vi algumas disputas. Talvez essa “distância” não tenha me causado mais do que uma anestesia naquele fatídico 01/05/1994. Sim! Eu sabia o quanto Ayrton representava para o país. Vi amigos meus em prantos e senti um domingo pessimista e pesado. Era como se cada família tivesse um parente falecido. Ainda assim, não chorei .

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No cockpit da Williams. A primeira temporada na equipe e a última na F1. Correu apenas três vezes. Muitos relacionam o semblante introspectivo da corrida fatal ao presságio do pior. Mais um mito que o mito levou.

O tempo passou, livros foram escritos, reportagens foram feitas, vídeos no YouTube com alguns belos momentos da carreira, reportagens recordando 10, 15 e 20 anos sem o piloto e até um longa/documentário (Senna / 2010), com bastante material interessante mas que considero aquém do que Senna merecia.

Até que chegou o fim da tarde do ultimo dia 30 de abril. Ao zapear a TV, começa mais um especial na SporTV sobre o piloto. A premissa era interessante: repassar os últimos dias de Senna com depoimentos (principalmente) daqueles menos conhecidos pelo grande público. Seu piloto de avião, sua empregada, a assessora de imprensa, os donos do hotel onde ele se hospedava na Itália e até o garçom que serviu seu último jantar. Foi se confirmando uma imagem que muitos de nós apenas imaginávamos, de uma pessoa especial.

Ironicamente o “golpe” veio de uma declaração de alguém nada anônimo: Galvão Bueno. Ao relatar a imagem aérea após o acidente, relatava que tinha (falsa) esperança de que Senna estava vivo ao vê-lo mexer a cabeça, porém talvez fosse um espasmo final. O último suspiro.

Depois de 20 anos, enfim, chorei.

E ainda o faço ao escrever parte desse texto. Talvez por imaginar que aquela era a cena mais cruel imposta a um ídolo ou por, enfim, ter definido que foi exatamente ali que uma história terminou. Assim como lembramos de algo bom e marcante que o tempo leva e a vida não vai reproduzir igual.

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O sorriso discreto de Senna e seu macacão vermelho, icônico, da McLaren. A equipe em que correu por mais tempo e obteve todo o sucesso nas pistas e na historia do automobilismo.

O documentário vai terminando com o destino dos personagens que fizeram parte da vida de Ayrton Senna. E fecha magistralmente com uma mensagem final do próprio, que muito provavelmente já vi, ouvi ou li, mas, por estar anestesiado durante 20 anos, não pude absorver da melhor maneira. Provavelmente, foi o melhor relato contado sobre Senna. E merecidamente contado por quem ele demonstrava (ou tentava) ser: apenas uma pessoa comum tentando sempre fazer o seu melhor enquanto a vida passa muito rápido.

Recomendo SporTV Repórter: Ayrton Senna para sempre, nas reprises do canal ou já disponível no site da emissora.

Vilipendiador Unperucked

Sempre se metendo em novos projetos e lutando contra pré-conceitos interiores. Já teve pilhas de HQ's, videogames e cartuchos. Hoje somente bons encadernados e um emulador. Ainda assim, sempre tenta colecionar algo. Pensou em escrever sobre a procrastinação mas achou melhor deixar pra semana que vem.

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