A maior qualidade de Capitã Marvel

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29/03/2019

Capitã Marvel não é irretocável, e, como qualquer filme – repito: como qualquer filme – não precisa ser. Como qualquer produto cultural, aliás. É, sim, muito divertido, o que já valeria o ingresso.

Definida tal premissa, considero a maior qualidade da superprodução, a capacidade de gerar debate. E não me refiro à polêmica criada antes da estreia por quem esperava encontrar no longa barricadas ideológicas, mas a seu potencial como combustível para muitas conversas e teorias.

Após a sessão, alguns amigos e amigas e eu nos engajamos numa reflexão acerca das implicações da presença da Capitã nesse universo cinematográfico de histórias, suas possíveis relações com acontecimentos mostrados em outros filmes da Marvel Studios, bem como conceitos e itens – como o Tesseract, que têm sua trajetória expandida agora, em retcons.

Para além da possível solução deus ex machina contra Thanos, discutimos sobre o desconhecido papel da heroína nas décadas que separam sua aparição do presente do UCM, em que metade da vida do universo desapareceu num estalar de dedos.

Há muito o que dizer de todos os elementos estrategicamente inseridos no filme (como sempre deveria ser): de um gato carismático como um Dentinho; de um Nick Fury ainda sem a experiência necessária para se converter no maior de todos os espiões; de um Agente Coulson novato, mas já demonstrando a característica pelo qual se tornaria conhecido; de uma menina em especial com um claro potencial; de krees e skrulls tão ricos e multifacetados quanto um fã das HQs em que foram inspirados poderia esperar.

No entanto, o que mais surpreende é a Capitã Marvel. Uma personagem que, a despeito de ter uma longa e complexa história nos quadrinhos, só recentemente pode ser apontada como protagonista na editora.

Na produção, a origem da personagem é descortinada simultaneamente para ela e para nós, de forma inicialmente acidental, e quase sempre fragmentada, causando perplexidade e confusão proposital, numa jornada de autoconhecimento que a recoloca no controle de sua própria vida.

Não li críticas do longa antes de ir ao cinema, mas soube de campanhas de ódio/boicote contra o filme e ouvi comentários de que a personagem nas telas era insossa. Bem, não vi nada de panfletário no filme, e imagino que eventuais tentativas de depreciação da trajetória vitoriosa da personagem podem ser colocadas na conta de misoginia indisfarçada. Quanto à personalidade da Capitã, acredito que não é o que muitos esperavam encontrar nas telas, especialmente da heroína confirmada como a mais poderosa do UCM.

Não, ela não é um expirado estereótipo de feministas, tachadas de raivosas e dramáticas, ou de mulheres militares, comumente pintadas como masculinizadas. O maior mérito do roteiro, da direção e da atriz Brie Larson é a composição de uma mulher que, para homens, seria improvável em sua posição. Uma mulher sutil.

A principal característica da Capitã, tanto desenvolvida quanto didaticamente explicada no longa, é a emotividade. Mas ela raramente é demonstrada na forma de explosões (o que ocorre pontualmente, como no fim, funcionando como a catarse há muito esperada, e guiada pelo seu invejável poder), e sim, em gestos menores, como olhares e postura, às vezes difíceis de serem notados em blockbusters de ação repletos de cortes rápidos.

Carol Danvers é introspectiva. Ela não se coloca como uma líder, por exemplo, embora se reconheça como uma heroína (como quando diz a Fury, com orgulho, antes das revelações a seguir, que os krees são nobres e heróis). Ela é uma pessoa observadora, focada e objetiva em suas palavras e ações, na maior parte do tempo.

A Capitã é, principalmente, uma mulher que se construiu sozinha. Que lutou, desde a infância, contra os limites impostos pela sociedade machista. Pelo simples direito de participar de atividades, esportes e carreiras tidas como exclusivamente masculinas. Pela realização de seus sonhos, e, por fim, pelo controle de seu próprio destino.

Ao se posicionar contra a maré, ela se sujeitou a desprezo, isolamento e desconfiança a vida inteira. Encontrou amizade e cumplicidade apenas naquelas que considera sua família de fato: sua amiga Maria Rambeau e a filha, Monica Rambeau; e um propósito maior nos testes de uma aeronave promovidos por uma cientista de importância crucial em sua trajetória.

Carol Danvers, ou Capitã Marvel, se credencia, com todos os méritos, como uma figura inspiradora para mulheres e homens, e uma grande promessa para uma nova fase do universo Marvel nos cinemas.

Vá ao cinema como ela: sem medo de arriscar.

Rodrigo Sava

Arqueólogo do Impossível em alguma Terra paralela

Este post tem um comentário

  1. Patricia Alencar

    Adorei seu conteúdo Parabéns, bem completo e dinâmico.
    Era exatamente o que eu estava buscando na internet e
    todas as minhas dúvidas foram tiradas aqui. Muito sucesso e
    gratidão!

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