Amadorismo na Rede – FINAL

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Somos macacos?

De qualquer forma, o amador está em evidência. Keen exagera ao comparar os internautas amadores aos macacos (sim, MACACOS). Usando o “teorema do macaco infinito” de T.H. Huxley, que afirma que se fornecermos a um número infinito de macacos um número infinito de máquinas de escrever, alguns macacos em algum lugar podem acabar criando uma obra-prima. Keen considera que pouco se aproveita do material produzido pelo usuário amador. Percentualmente ele pode estar certo, entretanto, devemos ver o conteúdo amador como exercício cultural, não como referência de qualidade. O estímulo à produção deve ter como objetivo a valorização da própria cultura, não a substituição das obras profissionais. Com o tempo, e prática, o amador pode se transformar em um profissional – errado é considerá-lo um produtor simplesmente por produzir ou taxá-lo como incapaz por não ter feito um curso.

A liberdade de escolha nunca esteve tanto nas mãos do usuário, porque é ele quem define o que é bom e ruim. E é isso que ofende algumas pessoas: como um não especialista pode saber o que é melhor?  Talvez, o que falta para os críticos seja perceber que gosto é pessoal e, portanto, ninguém mais qualificado para julgar um produto que o próprio consumidor. Não sou contra o especialista, mas o que é mais eficaz para avaliar um conteúdo: a opinião de uma pessoa sobre o que a maioria deve querer ou o que de fato a maioria quer?

Algo que sempre me irritou foram os comentários do crítico cinematográfico do Globo, o R.F. (não, não colocarei seu nome aqui). A maior parte dos filmes para ele era ruim, pois estava de alguma forma utilizando referências de filmes mais antigos. Pô (rra), que me importa se Goonies copiou o enredo de um filme russo, mudo de 1921?! Eu não vi esse filme, eu vi Goonies e Sloth rules!!

Tempos nostálgicos

Além da valorização da própria especialização, a crítica à Internet e às novas tecnologias ainda se baseia na nostalgia. Lembrar-se de um tempo em que as coisas deram certo faz bem, o problema está quando não se quer sair deste cenário. No meu tempo (que não é tão antigo assim), corria ao jornaleiro para comprar minhas revistas em quadrinhos. Hoje, posso baixar as últimas edições em PDF. Passava horas na locadora conversando sobre filmes e pedindo dicas para o funcionário. Hoje, posso alugar diretamente da Internet, não preciso sair de casa. Keen fala sobre o fim das lojas de CDs e dos livros em papel como se fossem fundamentais para qualquer ser humano. Eu gosto destes lugares, pois cresci com eles (são importantes para mim), mas, e aqueles que já nasceram em uma época virtualizada? As crianças de hoje não passaram pelas instituições tradicionais como únicas fontes de informação e, assim, não sentirão falta delas como nós.

A necessidade da existência da mídia tradicional está fortemente vinculada à manutenção do poder. O livre acesso e produção prejudicam aqueles que trocavam a informação (filme, música, livro, notícias) por investimento (ingresso, CD, DVD, audiência…).

A mídia tradicional, após parar de reclamar sobre os prejuízos do conteúdo amador e da livre distribuição da informação, percebeu que isso pode ser mais uma ferramenta lucrativa. A adaptação veio através do uso da força de trabalho barata (para não dizer gratuita ou colaborativa) em benefício próprio. Quando um jornal utiliza a foto de um leitor amador para fazer uma denúncia está economizando tempo e dinheiro e ganhando em furo jornalístico. Quando um programa de TV aberta utiliza imagens do Youtube ou estimula o envio de vídeos está aproveitando a disposição do usuário para ter menos trabalho e custos. O que a mídia tradicional dá em troca? A simples satisfação pelo usuário de ver o próprio trabalho sendo divulgado? Keen dá um bom exemplo ao citar uma campanha que premiaria o melhor comercial feito pelo público. O prêmio era de valor bem pequeno, se comparado ao orçamento de uma agência profissional. No fim, um comercial feito com pouco orçamento (valor do prêmio), utilizando o apelo amador (“feito por você”) teve um retorno muito grande para a empresa, em termos de venda do produto anunciado. Aqueles que ainda reclamam da situação no mundo digital é porque não pararam para pensar em um novo modelo de negócios (preguiça, incompetência ou orgulho? Tanto faz).

E por fim…

Acredito que, antes de estimular a produção própria, a rede deveria facilitar o acesso a obras culturais consagradas (aquelas validadas pela mídia tradicional). O acesso à cultura ajuda a produção de qualidade. Um rapaz que assistiu a filmes clássicos ou boas produções com certeza está muito mais capacitado para produzir um curta-metragem com qualidade que outro que só assiste a novelas ou a vídeos simples do YouTube ou, pelo menos, levará menos tempo para chegar a este nível. O crescente número de informação de qualidade criará um novo mercado para a produção de conteúdo qualificado. A Internet, assim, poderá ser vista, inquestionavelmente, como uma mídia profissional.

A indústria digital precisa amadurecer, sair do amadorismo “copia e cola” para realmente produzir conteúdo. A tendência, com o aumento de produções de qualidade e a pequena legitimação na mídia analógica, é a Internet se consolidar como espaço cultural, com boas produções, e comercial, com investimento e retorno financeiro não somente especulativo.

De fato, já começamos a ver isso através de negócios como o Machinima e seus parceiros no YouTube.

Acredito que a utilidade de exteriorizar estas observações seja propor um debate sobre o caminho que estamos seguindo na cibercultura. Não há discursos certos. O radicalismo de Keen ou os discursos ciberutopistas não podem ser usados para esconder outras vertentes de pensamento – o momento é de adaptação das mídias tradicionais, das novas mídias digitais e, acima de tudo, dos nossos próprios comportamentos e crenças.

Por mais esquizofrênico que possa parecer, na realidade digital, seremos sempre, de alguma forma, pseudoprofissionais amadores…

Gustavo Audi

Se fosse uma entrevista de emprego, diria: inteligente, esforçado e cujo maior defeito é cobrar demais de si mesmo... Como não é, digo apenas que sou apaixonado por jogos, histórias e cultura nerd.

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