Classicools: Top 10 adultérios da música clássica – Parte 01

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Para quem acredita que composições clássicas são coisa de gente esnobe, pedante, elitista e, acima de tudo, fresca, saiba que isso não é necessariamente verdade. Artistas, acadêmicos e intelectuais f*dem sim e f*dem bastante, f*dem uns com os outros, f*dem consigo mesmos e, sobretudo, f*dem com quem não deviam. Vide Ernest Hemingway, Picasso (que aparentemente fazia jus ao sobrenome), Leonardo Da Vinci (outro que fazia jus à alcunha), Andy Warhol, dentre outros. Afinal, quando se está muito ocupado ficando à frente do seu tempo, você não tem cabeça para pensar nas frivolidades mundanas da vida de reles mortais, como fidelidade, monogamia, abstinência, tabus etc. Desta forma, separei alguns casos interessantes de adultérios e devassidão em geral que circundam o universo da música de concerto, na ficção e na “vida real”.

Siegmund e Sieglinde

Era uma vez um guerreiro errante que foi ferido após um embate com ferozes inimigos. Enquanto estes continuam em seu encalço, nosso herói se vê vagando perdido pelos bosques da Germânia mitológica. Ele vaga sem destino, até encontrar um casebre onde pede abrigo. Lá, ele encontra uma bela mulher – que a princípio não lhe parece estranha, embora ele não tivesse parado parado para pensar nisso naquele momento –, que lhe dá asilo, comida e um lugar para descansar. No entanto, ela lhe avisa logo que seu marido chegará e que o guerreiro deverá partir. Obviamente, nesse meio tempo, os dois se apaixonam à primeira vista.

Neste ínterim o marido chega e logo nos é revelado que ele era justamente o chefe do bando que perseguira nosso protagonista, que neste ponto já revela seu nome, Siegmund. Há um confronto, o chefe do bando convoca seus capangas e todos lutam contra o herói. Este só consegue vencer após ser ajudado pela esposa do chefe, que, apaixonada por ele, avisa-lhe a respeito de uma espada poderosa/mágica que jazia incrustada no tronco de uma árvore. Siegmund se apodera da espada e com ela vence seus algozes, ficando com a moça no final.

https://youtu.be/zl6fe6QULw

Longe dali, na morada dos deuses, Wotan (a versão germânica de Odin) fica sabendo do ocorrido e, após ser pressionado por sua esposa Fricka – a rainha dos deuses –, manda sua filha, a Valquíria Brunhilde, executar ambos pela traição (embora tudo isso tenha sido um plano dele – e Wotan inclusive seja o pai dos dois, se não me engano). Acontece que não só Sieglinde ajudou Siegmund a dar cabo do marido, como ela é também a irmã gêmea do guerreiro que fora raptada pelo chefe dos bandidos anos antes – daí a semelhança percebida por ele no início. Esse conto da relação incestuosa entre Siegmund e Sieglinde, que dá origem a Siegfried (como vocês já devem ter imaginado pelos nomes), o maior herói da mitologia nórdica/germânica, se trata do primeiro ato de A Valquíria, em nossa opinião, obra máxima da tetralogia operística de Richard Wagner.

Ao contrário do trecho acima com o primeiro ato completo, aqui nós temos apenas o final dele em que os dois se aceitam enquanto irmãos e amantes (“Braut und Schwester / bist du dem Bruder”, Esposa e irmã / você será para seu irmão)

Daniel Barenboim, Jacqueline Du Pré e Elena Bashkirova

NPG x45151,Jacqueline Mary du PrÈ; Daniel Barenboim,by Clive BardaJudeu, nascido na Argentina e com cidadania israelense, o pianista e regente Daniel Barenboim possui poucos predicados a seu favor (brincadeirinha), sendo praticamente uma piada do Tom Cavalcante ambulante – isso, claro, se o pessoal da música clássica soubesse fazer piadas, ou tomasse algum conhecimento desse tal de Tom Cavalcante. Além de um excelente pianista, um dos virtuoses do gênero na segunda metade do século XX, ele também se mostrou um talentoso maestro, sendo,  atualmente, nada mais nada menos do que o Diretor Artístico/Musical do La Scala de Milão – apenas meu emprego dos sonhos.

Embora ele seja efetivamente um dos músicos mais renomados do século XX/XXI ainda vivo e tenha nascido na América do Sul, pesa contra ele o fato dele ter se casado, em 1967, então aos 25 anos, com a pouco gata violoncelista britânica Jacqueline Du Pré e, no começo da década de 1980, a tenha traído com a pianista russa Elena Bashkirova, bem menos gata. Acontece que ainda no começo dos 70, Jacqueline foi diagnosticada com esclerose múltipla, uma doença degenerativa de ação rápida e devastadora. Enfim, não estamos aqui pra julgar, até porque, como disse o poeta, “o coração tem motivos que a razão desconhece”, mas precisava ter dois filhos com a amante enquanto a mulher ainda tava viva – mesmo que moribunda?

Não sei se o caso chegou a ser realmente um mega escândalo na época, mesmo devido às circunstâncias: esposa doente terminal, dois filhos fora do casamento, relação “secreta” de quase uma década… Segundo as entrevistas de Baremboim e Bashkirova, Du Pré nunca soube dos dois (o que definitivamente não sei se é bom ou ruim) e após sua morte, em 1987, os dois puderam enfim oficializar o romance, casando-se em 1988.

Contudo, por se tratar de alguns dos mais ilustres artistas do século XX acho que não tem como eles não estarem aqui.

Esta é Elena tocando a primeira parte do trio para piano de Brahms

E esta é Du Pré sendo regida pelo então marido em sua mais aclamada performance, a execução do concerto para violoncelo de Elgar. Algo que sempre me fascinou nas solistas de violoncelo é a sensualidade que o posicionamento do instrumento requer. A pose com as pernas em ângulo, exibindo vulnerabilidade e força, o movimento firme e delicado com as mãos, é como se ela estivesse fazendo amor com o violoncelo (ou dando a luz, numa interpretação mais dadivosa).

Madame Butterfly e a vida de Puccini

O melhor episódio de Chapolin, longevo humorístico mexicano, certamente é aquele “episódio dos filmes”, em que o Polegar Vermelho aparece em auxílio ao zelador de um famoso estúdio de cinema que está prestes a fechar. Enquanto o velho funcionário, Ramon – Seu Madruga – Valdez, conta a historia do lugar, vemos encenadas algumas dessas produções com o elenco regular do seriado. Uma dessas é justamente Madame Butterfly – não confundir com aquele episódio do medidor de luz e do carateca Kaçamba Urinava – que mesmo originariamente sendo uma ópera também é um filme, ou melhor, vários filmes, um deles do prestigiado diretor alemão Fritz Lang, de Metropolis. Este foi meu primeiro encontro com a trágica história de Butterfly, felizmente, num contexto bem mais alegre (a partir de 3:25).

https://youtu.be/oUYRsud4VIQ&feature=youtu.be&t=3m25s

Contudo, a “realidade”, ou melhor, a versão original da ópera de Giacomo Puccini tem tons bem mais sombrios, mesmo que narrativamente a versão do Chapolin não esteja incorreta. Na trama, o oficial americano Pinkerton se casa com uma jovem adolescente japonesa, apelidada por ele de Butterfly (borboleta), o apelido vem da pronúncia em italiano de seu nome verdadeiro, Ciocio que em italiano (tchotcho) tem um som parecido com o da palavra borboleta em japonês. Este é um casamento por interesse e após consumar o matrimônio Pinkerton parte supostamente “em missão”, voltando para os EUA para encontrar uma “legítima esposa americana”, o que era sua intenção desde o início.

Ciocio continua amando e esperando por seu marido, tendo inclusive dado a luz a um filho proveniente desta união. Quando Pinkerton finalmente retorna ao Japão, três anos depois, ele o faz já ao lado de sua nova esposa, Kate, e apenas para levar o filho embora com ele. De coração partido, Ciocio aceita o acordo pedindo como condição um último adeus, sozinha com Pinkerton. No quarto, ela se mata diante de Pinkerton cortando a própria garganta com uma faca de seppuku (aquela lâmina menorzinha que o samurai usa pra cortar o bucho).

O curioso é que há um caso similar na vida do próprio Puccini. O compositor conheceu sua mulher, Elvira, quando ela ainda era casada e após um affair de dois anos tratou logo de embuchá-la, o que fez com que os dois fossem morar juntos após o nascimento do menino. Foi só quando o marido de Elvira morreu – assassinado pelo esposo de uma mulher que ele estava traçando – que eles puderam oficializar a união.

Como diz aquele ditado, “uma vez adúltero, sempre adúltero”, e obviamente a vida de casado não foi o suficiente para segurar as calças de Puccini no lugar. Ele supostamente traçou várias cantoras da época, o que ele tinha condições de fazer por ser um compositor renomado de óperas com fortes papéis femininos, daqueles que catapultam uma cantora em ascensão ao estrelato (vide Butterfly, mas também Tosca e a princesa Turandot). Os casos de Puccini eram tão notórios e descarados que, certa feita, sua mulher Elvira veio a público acusar uma moça que trabalhava em sua casa de estar dormindo com seu marido. A mulher, tendo sido exposta daquela forma pra sociedade italiana daquela época, adivinhem só, SE MATOU. E no final, pasmem os senhores, a autópsia mostrou que ela morreu virgem e que na verdade Puccini estava carcando a prima dela (este último dado só foi revelado recentemente quando uma suposta neta do compositor surgiu na mídia). Que tragédia, não?

A arte imita a vida!

Tchaikovsky, Antonina Miliukova e homens russos diversos (no caso dos dois)

tchaikovskyEmbora historiadores e musicólogos divirjam quanto à aceitação ou não da própria sexualidade do músico, permanece o fato de que Tchaikovsky era tão gay quanto um compositor de balés poderia ser. O problema mesmo consistia nele também ser um russo que vivia na Moscou do século XIX, coisa que não fazia bem pra saúde de nenhum homem homossexual (se na atual putincracia as coisas já não vão bem, imagine 150 anos atrás).

Estivesse ele lutando (internamente) contra sua própria orientação ou não, os relatos contam que ele conseguiu levar uma vida relativamente tranquila durante boa parte de sua maioridade – mantendo alguns casos esporádicos, encontros casuais e até relacionamentos duradouros ao longo dos anos –, isso tudo enquanto compunha algumas das peças mais populares do repertório erudito até hoje (não só os balés, mas as sinfonias, suítes e concertos), e, mais importante ainda, para a mãe pátria, catapultando a música russa ao cenário internacional. Sem dúvidas foi o trabalho de Tchaikovsky que abriu caminho para outros compositores russos, como Mussorsgky, Rimsky-Korsakov e, sobretudo, Stravinsky e Rachmaninoff que lograram grande sucesso nos EUA.

Aos 37 anos, porém, sentindo-se pressionado pela sociedade (especialmente sua família, na figura do pai, Seu Tchaikovskão e sua irmã) e após sofrer duas desilusões amorosas particularmente agudas – a primeira com um de seus pupilos que aparentemente não curtia muito esse papo de fidelidade e a outra de um amigo (colorido) de longa data que decidira se casar (Heron e Amarylis all over again) – Tchaikovsky se convence de que também deve contrair matrimônio, afim de evitar qualquer possível escândalo ou constrangimento. Mais que isso, ele esperava, através do casamento, poder chegar a um acordo com sua esposa, e manter o que se chamava na época de “vida dupla”: esposo dedicado pra sociedade e diva na noite moscovita, como seus conhecidos pareciam estar fazendo. Ele inclusive escolheu a dedo (sem trocadilhos) sua futura noiva, Antonina Miliukova, também sua aluna, e que lhe mandava cartas apaixonadas expressando seu amor.

Embora hoje se tenha esse conhecimento, naquela época ainda não se sabia que quando alguém que você mal conhece te manda dezenas de cartas apaixonadas, essa pessoa provavelmente é um stalker louco de pedra. E esse era obviamente o caso da nova senhora Tchaikovsky, ou dona Tchaikovskaya de acordo com a tradição russa (não me perguntem!), tanto que ela passou seus últimos 20 anos de vida num sanatório.

https://youtu.be/CxZ86Tp03ugewMZTdyAOzU

O casamento dos dois durou marromenos seis semanas, com Tchaikovsky saindo voado de casa assim que pôde, tendo sido acometido de uma espécie de depressão/desgosto/ataque de pânico, vinda da própria ideia de estar casado com uma mulher. Aparentemente Antonina, no breve período em que eles estiveram juntos, não fez nada que pudesse ser considerado especificamente estranho – fora amar e idolatrar o marido incondicionalmente, o que, convenhamos, não é normal (pra não dizer impossível) em nenhum relacionamento entre dois seres humanos não importando se eles sejam héteros, homo, pan ou whatever – mas Tchaikovsky simplesmente não conseguia viver com a mulher, ainda mais não tendo contado o pequeno detalhe de ser gay.

Esses eventos ocorreram em 1877, quando Tchaikovsky tinha 37 e Antonina 29, ou seja, ambos ainda viveram, respectivamente, 16 e 40 anos após seu casamento, mas, como não puderam se divorciar legalmente, os dois permaneceram casados até a morte do compositor em 1893. Por sua vez, ele buscou conforto em sua música e ela, já mentalmente debilitada, supostamente ainda teve três filhos, cada um de um homem diferente.

 

Figaro, o Conde, a Condessa e Suzanne

Figaro todo mundo sabe quem é. Todos sabem, inclusive, que ele era um barbeiro, e que fixou residência em Sevilha, na Espanha. O que pode ter ficado fora do radar é que ele, enquanto “mero barbeiro”, auxiliou com muita astúcia o Conde Almaviva, seu antigo patrão, a conquistar a mão da mulher por quem ele estava enamorado, Rosina. Esta é, com muitos reducionismos, basicamente toda a trama da opera buffa (ópera cômica) O Barbeiro de Sevilha, de Rossini. Diferente do incorrigível devasso Duque do Rigoletto de Verdi – outra ópera italiana só que bem menos alegre: uma verdadeira tragédia, pra dizer a verdade -, o nobre de Rossini é um verdadeiro gentleman que pretende resgatar sua amada das mãos de um protetor abusivo que visa tomá-la para si.

No entanto, nem tudo são flores, e provando que Verdi não estava de todo enganado ao desconfiar das intenções da nobreza, o charmoso conde Almaviva, depois de casado, se torna também um mulherengo incorrigível, perseguindo rabos de saias por todo seu feudo. E qual é seu mais novo objeto de desejo, Suzanne, justamente a noiva de Figaro, o fiel servo que o ajudara anteriormente. Esta, por sua vez, já consiste na premissa de As Bodas de Figaro, opera buffa do genial Wolfgang Amadeus Mozart (pensaram que eu me esqueceria dele?), encenada, ironicamente, 30 anos antes da estreia do Barbeiro de Rossini, do qual seria a continuação cronológica. Mozart tem outras histórias sobre traição e luxúria (aliás, quase todas as suas composições operísticas remontam ao assunto), como Cosi Fan Tutte e Don Giovanni, mas por esta ter essas implicações divertidas achei por bem preterir as demais para utilizá-las em outras postagens.

mozart1Estruturada como uma comédia de costumes, As Bodas de Figaro narra os esforços do personagem-título em evitar que o conde utilize seu direito constitucional de ter a primeira noite com a futura mulher de seus servos antes do noivo. O conde quer de toda maneira realizar sua fantasia, mas quer fazê-lo de forma que sua esposa, a agora Condessa Rosina – que ele teve tanto trabalho pra conquistar na primeira parte de seus contos – não fique sabendo, sendo esta a única vantagem de Figaro com relação a seu empregador, o medo que ele tem de que a patroa descubra suas escapadas (assim como todos nós).

Depois de muitas (e muitas reviravoltas), o plano dá certo e Figaro e Suzanne se casam em paz. Porém, a história de Figaro na verdade é uma trilogia teatral, e dessa vez, a terceira parte, embora também tenha tido adaptações clássicas, não teve nenhuma com o destaque das anteriores. O interessante aqui é que não só o conde, como também a virtuosa condessa sucumbem à tentação do adultério e têm filhos ilegítimos fora do casamento, respectivamente, uma menina e um menino. Novamente com a ajuda de Figaro e Suzanne, os dois conseguem perdoar suas indiscrições e, ao final, seus filhos, após ser revelado que realmente não são aparentados de nenhuma forma, se casam.

 

Zé Messias

Jornalista não praticante, projeto de professor universitário, fraude e nerd em tempo integral cash advance online.

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