Saturday Night Live: Entre Mortos e Feridos – No Brasil (Epílogo)

Você está visualizando atualmente Saturday Night Live: Entre Mortos e Feridos – No Brasil (Epílogo)

Saturday Night Live, para quem não sabe, é um programa de comédia exibido pela rede norte-americana NBC que já está no ar há 38 anos. O programa, feito no formato de esquetes, é gravado em um teatro, ao vivo, perante um público, cuja reação espontânea é gravada e acaba fazendo parte integrante, muitas vezes enfática, do programa.

Este é o apêndice de uma série de 5 posts destinados àquele que é um dos mais importantes programas de comédia que já foram exibidos na TV. O primeiro post foi uma breve introdução, contando um pouco sobre a estrutura do programa, comentando sobre suas possíveis influências (quem ainda não leu, pode ler aqui), enquanto o segundo foi uma listagem dos comediantes mortos, ao longo desses quase 40 anos de programa, e que fizeram parte do elenco (quem ainda não leu, pode ler aqui). Já os 3 últimos posts falaram dos “feridos”, ou seja, dos sobreviventes (quem ainda não leu, pode ler aqui, aqui e aqui) no final das contas, vimos que sobreviver ao programa foi tarefa pra poucos.

Hoje vou fazer uma breve resenha da tentativa brasileira do Saturday Night Live, o Saturday Night Live Brasil, levado à frente por Rafinha Bastos, com apenas 1 temporada, e veiculado na Rede TV! Durante o ano de 2012.

SNLSaturday-Night-Live-Brasil_RedeTV_2012

O programa foi um grande fracasso, principalmente, por adaptar de maneira indevida o conteúdo à realidade brasileira, ao mesmo tempo em que deixou a forma, em alguns pontos específicos, quase idêntica à versão original, o que em nada se aplica à realidade nacional. Ou seja, fez o contrário do necessário.

A atração deveria ter se esmerado mais em manter o conteúdo similar à versão norte-americana, atentando para o formato do humor, basicamente satírico, extremamente referencial e irônico, focado em personagens originais e esparsamente recorrentes, também em imitações não tão óbvias, que serviriam aos esquetes e à crítica. No fim das contas, na versão brasileira, os esquetes basicamente foram versões diluídas de um humor num formato Casseta & Planeta, porém desgastado e reduzido ao clichê, com entrevistas e “pegadinhas” de repórteres com pedestres e passantes, e uso abusivo de imitações pra lá de batidas, como as de Silvio Santos e Datena, por exemplo. O SNL original também usa e abusa de imitações; a diferença está no enfoque. Enquanto um Will Ferrell basicamente imita George W. Bush para criticar o governo em tiradas cheias de ironia e deboche, as imitações que aparecem no Saturday Night Live Brasil são basicamente autorreferenciais, abusam dos clichês e não servem a nenhuma outra crítica de maior impacto, que não a crítica natural ao próprio imitado.

SNLgeorgebushwillferrell
George W. Bush: olhinhos apertados, fala pequena e alterada, discurso idiota e crítico ao governo.

Os quadros iniciais inspirados no original, que são pré-gravados e deveriam ser inusitados, terminando com a famosa frase “ao vivo, é sábado à noite!”, são monótonos e sem objetivo. Tirando o quadro de abertura do programa de estreia, que faz uma sátira interessante (e em alguns momentos engraçada) às confissões da Xuxa ao Fantástico, os outros são bem sonolentos. Os anfitriões convidados também, de maneira geral, foram fracos: mas aí a culpa não foi do programa e sim dos contratos leoninos que emissoras grandes como Globo e Record mantêm com seus artistas, impedindo aparições dos mesmos em outros veículos. Rafinha Bastos, como anfitrião convidado do primeiro programa, não fez feio, e, claro, usou toda sua experiência como comediante de stand-up para fazer de maneira muito boa o seu monólogo inicial.

SNLrafinha-bastos-saturday-nigh-live1

Aliás, falando em “primeiro programa”, o episódio de estréia do Saturday Night Live Brasil foi o melhor de todos, principalmente em sua primeira metade. Esquetes como o do casamento entre dois homens (sendo que a noiva, um homem grosseiramente vestido de noiva, se recusa a aceitar que é homem), foram criativos e primaram pelo inusitado, apesar da péssima atuação de alguns membros do elenco, (como Anderson Bizzocchi), e do fato de o quadro ter se estendido pra além do necessário, ficando longo demais e perdendo em efeito cômico. O Weekend Update, quadro tradicional do programa original, também originalmente contando com Rafinha Bastos como apresentador, foi beneficiado pela experiência do comediante em seu período de CQC, e perdeu muito com a saída do humorista do elenco.

SNLweekendupdate
Um dos melhores quadros do programa, em todos os episódios. Raro exemplo de como o humor do original norte-americano pode ter uma adaptação bem sucedida em terras brasileiras.

O uso de números musicais também é pouco objetivo e desnecessário. As críticas se resumem a coisas corriqueiras do cotidiano, como um suposto “amor” entre um policial de trânsito e uma motorista que é infratora contumaz, por exemplo, ou a personagens de novelas da Globo. Nada demais e realmente contundente. O excesso de merchandising também quebra o ritmo do programa. Os autores tentaram incorporar o elemento comercial de maneira mais humorística e fluida, mas, mesmo assim, os esquetes com merchandising são nitidamente inferiores aos outros, quebram o ritmo (já precário) do programa e nada mais acrescentam além do próprio produto anunciado. Além disso, o merchandising explícito, incluído sem cuidado algum ao longo de toda a abertura do programa, é abusivo, agressivo e em nada acrescenta.

No que diz respeito à forma, o programa chegou ao requinte de copiar detalhes cenográficos do palco original, como os arcos em arte decô, que fazem referência ao Edifício Empire Estate, ao edifício GE (antigo Edifício Rockefeller – sede da NBC), e, de uma maneira geral, à arquitetura de uma Nova York clássica mas sempre presente. O relógio de poste da versão americana, que sempre aparece em uma primeira tomada, na primeira cena do monólogo que inicia o show original, também foi replicado à perfeição. Além disso, a apresentação foi incrementada com uma blues band, cuja a ideia me pareceu ser a de aumentar a ambientação e reforçar a identificação com o programa original. Esses elementos, ao meu ver, é que deveriam ter sido modificados à realidade brasileira. A arquitetura nova-iorquina em nada cria identificação com o público brasileiro. Enquanto, nos Estados Unidos, o cenário com elementos da cidade captura o espectador mediano pela semelhança e o insere no contexto de sua própria cidade, criando a ilusão de proximidade com o seu cotidiano imediato, tais elementos, transpostos pra realidade brasileira, criam fenômeno inverso, aumentando o estranhamento e a distância com o espectador brasileiro, dificultando a formação de uma empatia inicial e a abertura do espírito para o humor. O que fica é um distanciamento forçado, com uma realidade que não é a sua e, consequentemente, a pressuposição de algo estranho e alienígena.

Soares, ao criar o seu Talk Show (que teve como inspiração o lendário The Tonight Show, do Johnny Carson, que hoje em dia é apresentado pelo comediante Jay Leno), foi inteligente ao colocar uma banda com elementos mais contemporâneos, ao mesmo tempo em que faz piadas com os membros da banda, tratando-os afetuosamente e inserindo-os afetivamente no ambiente do programa, criando uma relação amena e familiar. Se a música que eles tocarão será estranha ao grande público, a relação “íntima”  exposta entre os músicos e o apresentador cria esse tipo de empatia que o brasileiro tanto gosta, que é a necessidade de relações familiares ou fraternas diretas e cordiais.

A barreira da música, portanto, é quebrada pela afetividade. Além disso, o repertório da banda do Jô acaba sendo de músicas mais contemporâneas e bem sucedidas nas rádios brasileiras, geralmente adaptadas, com levadas de Jazz, Blues e, vez por outra, R&B; o que não causa tanto estranhamento. A banda do Saturday Night Live Brasil simplesmente enfia, goela abaixo do espectador, músicas em inglês, cantadas com fortíssima pegada blues. Além disso, a banda não foi apresentada de forma a criar empatia com o espectador mediano brasileiro, que não tem o menor convívio com esse gênero musical. Ora, se não há empatia com a música e nem com os músicos, o resultado é um fundo musical postiço e artificial, que em nada acrescenta.

SNLJo Soares e banda
Espertão, hein Jô?

Quanto ao elenco, como já foi dito anteriormente, Rafinha Bastos só integrou o elenco do programa nos primeiros episódios, sendo o elemento mais conhecido de todos. Os outros membros do elenco foram, respectivamente:

Anderson Bizzocchi

 snlandy-blog

Como foi dito antes, humorista vindo do grupo Cia Barbixas de humor, é um exímio improvisador, pensa rápido e é engraçado, mas atuar não é o seu forte. Quando se exige atuação, o humorista claramente força a barra e não imprime autenticidade.

Rudy Landucci

snlrudylanducci

Ótimo humorista, ator e imitador, foi muito mal aproveitado no programa. Apesar de aparecer com bastante frequência, seus papéis mais importantes eram de imitações óbvias, como Datena e Silvio Santos, impedindo que o artista explorasse outras nuances como humorista. Acabou ganhando uma pontinha no Altas Horas fazendo mais imitações e mostrando sua versatilidade como uma paródia de Mano Brown.

Carol Zoccoli

snlcarol

Chata toda a vida. Suas participações como atriz ou são insípidas ou exageradas. Impossível perceber se é boa humorista, já que não tem graça alguma. Péssima escolha de elenco.

Marco Gonçalves

snlmarco

Humorista interessante, tem um bom espetáculo de stand-up e talento para o improviso. Não parece ser bom ator, mas se vira.

Marcela Leal

snlmarcela

Engraçadíssima! Já tem um bom histórico como roteirista de humor e, desde 2002, vem se apresentando e escrevendo textos para comédias stand-up. Foi uma das incentivadoras da carreira de Danilo Gentili, e seus personagens que apareceram no SNL brasileiro são, nitidamente, os melhores, como por exemplo, a apresentadora de talk show rancorosa e ressentida e a velhinha apresentadora de previsão metereológica que não tem a menor ideia do que está falando. Uma resenha do New York Times a comparou à Tina Fey (pra quem não conhece Tina Fey, ela é citada aqui)

Claudio Carneiro

SNLclaudio-carneiro

Bom humorista, tem um estilo de Stand-up que lembra vagamente as apresentações áureas do Chico Anysio. Assim como outros, foi bastante mal aproveitado.

Carla Candiotto

snlcarla

Atriz e diretora de teatro talentosíssima. Não foi nada aproveitada pelos roteiristas do programa. Suas aparições foram apagadas e sem importância, infelizmente.

Fernando Muylaert

snlfernandomuylaert

Ator, diretor e apresentador, apesar de ter se apresentado em clubes de improviso tradicionais dos Estados Unidos, não acredito que o humor seja o seu forte. Suas atuações são desprovidas de talento. Teve boas chances de aparecer no programa e as desperdiçou.

Renata Gaspar

SNLrenatagaspar

Assim como a Marcela Leal, foi um dos grandes destaques do programa. Brilhou em tudo que apareceu, é muito talentosa. Hoje, é a garota propaganda da Vivo, aparecendo em comerciais que são legitimamente engraçados.

Em suma, Saturday Night Live Brasil foi uma boa oportunidade desperdiçada: por falhas na concepção, pela falta de estrutura da emissora que a produziu (a Rede TV! Muitas vezes não tinha equipe técnica suficiente para dar continuidade adequada ao programa), por baixa criatividade no roteiro, e por um elenco heterogêneo e com poucos talentos.

Termino a minha já enorme série-homenagem por aqui. Espero que tenha servido para dar uma ideiazinha básica da importância deste programa no humor mundial. Um programa que tem servido como celeiro de talentos, e como último representante de uma vertente de humor (o nonsense da década de 1970) que já não existe mais.

Um grande abraço a todos os poucos que me acompanharam até aqui!

Colossus de Cyttorak

Detentor dos segredos da Mãe-Rússia, fã incondicional de jogos da antiga SNK (antes de virar esse arremedo, chamado SNK Playmore), e da Konami, Piotr Nikolaievitch Rasputin Campello parte em busca daquilo que nenhum membro da antiga URSS poderia ter - conhecimento do mundo ocidental. Nessa nova vida, que já conta com três décadas de aventuras, Colossus de Cyttorak já aprendeu uma coisa - não se deve misturar Sucrilhos com vodka, nunca!!!!

Este post tem 6 comentários

  1. Ótimo texto!!!! Várias informações relevantes para a queda vertiginosa do programa. Olha, eu acompanhei desde o primeiro episódio e sou obrigado a concordar…

    Agora, creio que o senhorito possa fazer um comparativo dos Talks Shows que possuímos nesse país, não? Comentar sobre influências, plágios, etc. etc.

    1. Realmente, é ruim mesmo. Eu só vi por sugestão do Toddy Cogumelo, pra complementar a série. Tinha horas que, enquanto eu via, eu parava no meio, e ia fazer outra coisa da vida… Esse é o nível de chatice desse programa.

  2. Inacreditavel_Neo

    Só soube da existência da versão brasileira depois que já tinha acabado. E quando me falaram como era, não fiquei animado em procurar nos Youtubes da vida.

    Gostei muito dos posts. Muita informação bacana.

    1. Pois é. Eu também soube que existiu a versão brasileira, mas não fiquei nem um pouco animado pra ver, quando soube dos integrantes… Só vi agora, quase um ano depois do fim dela, só pra poder falar a respeito nessa série.

      Obrigado pelos feedbacks e pela leitura!

Deixe um comentário