A obra do Akira Toriyama gerou vários filhotes e o mais novo dele é o Dragon Ball Super, que é uma sequência direta da animação Dragon Ball Z e, em contrapartida, temos no dia 26 de fevereiro de 2018 o mais novo jogo da série, que já é considerado um dos melhores jogos de luta e da franquia.

Então podemos dizer que estamos em um verdadeiro revival da franquia no geral, mas hoje não vou falar sobre o novo anime ou sobre o jogo, vou falar sobre o Mangá (sim, aquele lá de 1984): Quando pequeno eu nunca dei muita bola para a coleção e eu focava minha atenção em animes como Cavaleiros do Zodíaco, Shurato, Samurai Warriors e qualquer um que tivesse uma armadura interessante (é, só fui perceber esse padrão depois de velho).

Todas as pessoas que assistiram ao anime vinham com uma chuva de elogios e nostalgia e isso sempre me afastou de qualquer franquia. Muitas vezes acreditamos que algo é muito bom por ter feito parte da nossa infância e na verdade era bom justamente por você não ter seu senso crítico formado. Um exemplo que eu tive recentemente foi com um desenho chamado Super Patos, tinha uma memória que o desenho da Disney era completamente adulto, sombrio e muito bom. Revendo uns episódios hoje em dia eu constatei que era fruto da minha nostalgia, não digo quer isto é errado, mas devemos separar o que é nostálgico e o que é realmente bom.

Ano passado, botei como meta ler todos os 520 capítulos do mangá para ver se é isso tudo que a galera rasga seda ou se é obra da nostalgia. Esperei um tempo para poder formular um texto sem o fator empolgação e chegou a hora de eu falar sobre este mangá. Esse vai ser um texto relativamente grande então vou dividir por tópicos, então vamos lá.

-História e Estrutura Narrativa

Temos que ter em mente uma coisa. O anime é dividido em duas partes o Dragon Ball e o Dragon Ball Z sendo que no mangá, isso tudo faz parte de uma história então aqui não vai ter essa divisão e tudo será analisado como um todo.

O roteiro se sustenta em duas fórmulas. No começo Goku busca as esferas do dragão para invocar o ShenLong, quando o desejo é concedido elas voltam a ser pedra e aí temos um intervalo de um ano para que elas possam ser reunidas novamente. Temos aí nossa primeira fórmula.

A segunda fórmula acontece com o treinamento. Quando Goku era criança ele treinava para ficar mais forte e consequentemente vencer o Tenkaichi Budokai(nome para Torneio Mundial de Artes marciais) e quando ele fica mais velho ele treina para deter um inimigo em específico e salvar a terra.
Em alguns momentos as duas fórmulas são usadas simultaneamente como pode ser visto na saga Freeza. Lá temos um inimigo que é absurdamente forte e que está interessado nas esferas do dragão e simultaneamente temos o Goku treinando e ficando mais forte para se equiparar ao poder de Freeza.

O mais comum são as pessoas falarem que DB é formulaico e elas não estão erradas. O segredo do sucesso é como isso é feito e como absolutamente tudo tem uma explicação cabível. Se um determinado personagem vem do futuro o autor faz questão de explicar o motivo que trouxe esse personagem do futuro. Se um inimigo é absurdamente forte e invencível ele vai lá e explica as razões para ele ser tão poderoso. Tudo isso é tão bem desenvolvido e orgânico que você não percebe a presença dessas fórmulas. DB não precisa ser complexo para ser bom, ele é bom justamente por ele ser simples e bem trabalhado.

-Diagramação e Composição de Página

Toriyama tem uma composição de página relativamente simples, que funciona muito bem. Ele toma o cuidado para não deixar nada poluído e isso torna a leitura mais leve e mais rápida. Depois de ler uns 6 volumes por dia eu percebi que algo estava funcionando muito bem e eu não estava notando. Qual era o segredo para tanta fluidez? A resposta veio de um amigo próximo que falou: O segredo é a posição dos balões. Eu fiquei cético e não conseguia enxergar mas logo depois que ele falou eu comecei a perceber e separei umas páginas guiadas por setas abaixo para explicar o que eu vou dizer.

 As imagens mostram como o autor decidiu colocar os balões em lugares que são simples de acompanhar com os olhos e quase sempre, eles seguem essa lógica para fazer com que a sua leitura seja mais fluída. Eu fui começar a ler Saint Seiya logo após DB e realmente foi uma tortura, sei que o mangá em si é uma grande caca mas na questão de fluidez o Toriyama me deixou muito mal acostumado e até agora eu não consegui pegar uma leitura tão fluida quanto DB.

Para complementar a quase perfeita posição dos balões temos a diagramação dos quadros e a movimentação dos personagens. A maioria dos mangás, e até mesmo dos quadrinhos americanos, apostam em páginas duplas para mostrar um movimento ou só para fazer uma página dupla bonita. Em DB se teve 3 páginas duplas foi muito. Toriyama é muito habilidoso quando se trata nesse quesito, tudo o que ele quer mostrar em uma cena está em uma única página e tudo isso em poucos quadros de ação.

Vemos nessa página uma ação do Goku. Ele quer fugir do capanga e ele pula para trás dele e nocauteia na próxima página. Primeiro ele olha para o cara se prepara e pula na mesma página, se essa página fosse feita por qualquer outro autor essa ação seria no mínimo em duas páginas para uma resolução simples. Toriyama pegou e colocou no último quadro da página a solução perfeita, ele em um quadro coloca o Goku pulando e no próximo ele finaliza o movimento do Goku em apenas um quadro.

-Machismo e objetificação da mulher

 

Acho que é válido tocar nesta ferida de DB, mesmo sendo uma série antiga e justamente para explicar alguns pontos aqui. Eu quando estava lendo fiquei me perguntando: “É sério isso? Um velho tarado assediando uma menina menor de idade?” Logo depois que terminei de ler fui pensar mais um pouco sobre o assunto e tirei uma conclusão: O machismo e a objetificação em DB é funcional a partir do momento em que ele não é aceitável e nem tolerável pelos personagens que estão presente no momento ou até mesmo pela personagem assediada.

Explicando melhor, o principal personagem que age desta forma é o Mestre Kame e em toda vez que ele faz algo escroto logo em seguida acontece algo que reprove a atitude dele. Ou alguém dá uma surra nele ou até a Bulma dá um chega pra lá e se mostra completamente indignada com o comportamento do velho tarado. E é somente este personagem que comete as maiores atrocidades dentro do mangá sendo automaticamente um exemplo de como não ser. Goku por sua vez respeita, cuida e em nenhum momento é escroto com nenhuma mulher que seja. Podem usar o argumento em que ele é inocente demais para a realidade dele mas eu digo que até o Vegeta que começa como um vilão é um exemplo de como deve se tratar uma mulher

Acho que DB também é um exemplo de como uma mulher pode ser forte em todos os sentidos e isso não era comum na Shonen Jump até então, eram pouquíssimas as mulheres que tiveram tanta importância ou bateram de frente em termo de importância/força do que as de DB. Nas outras histórias publicadas ao simultaneamente com DB ou a mulher era o esteriótipo de donzela indefesa ou par romântico para o personagem principal. Já em DB vemos o desenvolvimento da Bulma de uma menininha para uma mulher independente no futuro. Sem ela não existiria DB. Lembra que ela que atropelou o Goku no começo da história? Basicamente ela que desencadeou toda a história, então podemos presumir, que ela bate de frente em termos de importância com o Goku. A Androide 18 que bate de frente com a maioria dos homens da história e isso é normal dentro da proposta da história, não chega a ser nada forçado. Claro que é problemático colocar uma personagem vestida de forma um tanto sexual e isso eu não tenho argumentos, realmente me incomodou. Vou deixar um texto de apoio que eu tive neste tópico e fala mais sobre o anacronismo que a série tem: http://bit.ly/2CSBaOc

-Evolução

Esse é um tópico específico para mostrar o quanto o Toriyama evoluiu na trama e no seu traço.
Muitas pessoas podem reclamar que depois da saga Cell DB perdeu a graça. É um argumento que eu não concordo por conta do desenvolvimento dos personagens. Eu acharia realmente problemático se o autor continuasse depois da saga Boo, e nessa saga em específico tem um dos melhores finais que eu já vi. Vimos o fracasso que foi o Dragon Ball GT que não foi história do Toriyama e é por isso que eu acho que DB durou o tempo necessário. Sei que deve ter rolado algum tipo de pressão no Toriyama para continuar depois da saga Cell mas ainda assim ele entrega um trabalho competente e coerente com a proposta dele. Já o traço dele eu vou deixar três imagens abaixo para vocês analisarem se ele melhorou ou não.

Dragon Ball é um sucesso até hoje e eu realmente não entendia o motivo por trás disso. Apesar do Anime ter feito mais sucesso aqui em terras tupiniquins, o mangá é algo que realmente é uma aula de narrativa gráfica e de desenvolvimento de personagem. Acredito que essa leitura tardia foi benéfica por conta da minha ‘bagagem’ em quadrinhos (não é lá essas coisas mas eu me esforço) . E respondendo a pergunta do título do texto: DB é uma mistura boa de nostalgia aliada com uma qualidade absurda. Não é que nem muitas histórias que se sustentam somente pela nostalgia e serem uma verdadeira merda gigante (cof Saint cof Seiya, isso é assunto para outro texto). Só tenho como terminar esse texto com uma frase: Obrigado Akira Toriyama!