Entrevista com Amos Gitai – O Arquiteto do Cinema

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Como mencionei anteriormente, estou reeditando alguns textos de quando era repórter/colaborador/crítico do site Cinetotal, isso entre 2007 e 2010. Como a página saiu do ar, e com ela o arquivo dos três ou quatro anos de críticas e matérias, decidi publicar por aqui algumas delas que considero ainda relevantes. Esta, sem dúvidas, é uma delas, por tratar de um cineasta com uma vasta carreira retratando o Oriente Médio. Especialmente o conflito entre Israel e Palestina que, como todos sabem, vive mais um capítulo sangrento em sua história.

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amos-gitai-lullaby-to-my-fatherNascido em Haifa, o israelense Amos Gitai não veio ao Brasil no agora longínquo 2010 lançar um novo filme, mas para uma homenagem feita pelos organizadores do Festival do Rio. A retrospectiva que leva seu nome contou com 11 filmes e mostrou a contundência de suas obras, em sua maioria sobre a conturbada dinâmica no Oriente Médio e a relação entre judeus, palestinos e árabes. Com a proximidade, na época, de seu aniversário de 60 anos, a serem completados no dia 11 de outubro, a mostra acabou servindo como um presente para os espectadores do Festival do Rio.

Formado em arquitetura, Gitai garante que esses anos foram essenciais para seu trabalho como diretor. “Por todo lugar que passo eles me perguntam qual a fórmula para fazer filmes, principalmente em escolas de cinema. E eu lhes digo: ‘vão estudar arquitetura’”, brinca. Para ele, a ficção é o gênero que mais se assemelha a profissão. “Ficção é Arquitetura, pois é necessário construir algo. Você tem uma ideia e a constrói. No entanto, com o documentário as coisas são diferentes. Para mim, os bons documentários se assemelham mais a Arqueologia. Você escava até que encontre algo verdadeiro, um prédio, um vaso, cerâmica, o que quer que seja. Mas é tudo muito delicado, e se você bater com muita força, quebra. São duas disciplinas diferentes e gosto bastante das duas”, explica.

No entanto, o diretor ainda faz uma ressalva sobre o que ele considera um bom exemplo do gênero. “Para mim, documentários não são reportagens e hoje em dia se faz muita confusão quanto a isso. Dizem que uma reportagem sobre um bom assunto já é um filme. Não é bem assim, pode ser informativo, interessante, porém não é um filme”, conclui.

Promised Land (2004) posterPolêmico, Gitai nega que suas obras representem a “causa judaica”, israelense ou qualquer que seja. “Meus filmes representam apenas a mim”, afirma. Para ele, seu trabalho vai muito além de uma motivação étnica. “Não se pode mais falar de tribos étnicas, essa é a situação planetária. As pessoas vêm trabalhando nos mesmos lugares por gerações e gerações e criaram sua própria arquitetura. Elas não pertencem mais a um determinado país.  É assim que a humanidade está disposta no mundo e isto também é verdade no Brasil. Aqui há africanos, indígenas, espanhóis, portugueses, alemães, judeus, libaneses, enfim,  tudo. Tudo está fragmentado e acho que é justamente este material que os cineastas deveriam lidar quando estão filmando. Assim como Glauber Rocha, por exemplo, construía em seus filmes um ‘tecido’ humano eclético e selvagem”, complementa.

De acordo com o Gitai, o mesmo vale para Israel. Nesse sentido, seu trabalho enquanto artista seria mostrar qual é a verdadeira face do país. “Israel em certo sentido também é um país moderno, uma vez que é composto de judeus que vieram da Europa oriental, dos campos, de judeus que vieram dos países árabes e do Norte da África – após a grande onda de nacionalismo árabe –, e também de palestinos. Todo esse pessoal precisa encontrar um novo senso de identidade e ela não pode mais ser étnica, nacional ou religiosa. Esse é o material que estou interessado quando faço filmes”, conta.

Um exemplo dessa sua visão de mundo peculiar está retratada no longa “Free Zone”, que ficou conhecido por seu o primeiro filme rodado na Jordânia. “Tudo começou numa conversa que tive com um motorista que trabalhava nos meus filmes. A primeira impressão que qualquer um tinha era de que ele fazia parte da extrema direita israelense por causa da barba longa e conhecimento bíblico. Nós discutíamos muito sobre política. Um dia ele me disse que ficou desempregado e a solução que encontrou foi trazer Chevrolets 4×4, equipá-los com armas e vendê-los para uma empresa de segurança no Iraque. E ele tinha um sócio, um sócio palestino. Falei para ele que essa história era melhor do que ficção cientifica”, lembra. “Por causa de circunstâncias econômicas você passa a trabalhar com um cara que deveria ser seu inimigo. Para mim, isso é a verdadeira paz. Porque paz não é feita por esses caras nas conferências, nas quais só se fala e nunca se chega a lugar nenhum. A verdade é bem diferente, é a situação do dia a dia”, completa.

Amos ainda se permitiu fazer uma pequena alteração na história de seu amigo motorista. “Decidi trocar todos os personagens masculinos por mulheres. Os protagonistas viraram as atrizes Hana Laszlo, que acabou ganhando o prêmio em Cannes, e uma ótima atriz palestina, Hiam Abbas. E o passageiro, que no caso seria eu, se tornou uma pessoa bem mais bonita, a atriz Natalie Portman”, sorri. Uma vez definida a história e o elenco, a produção em si não foi tão fácil.  “Escrevi às autoridades avisando que queria filmar lá, mas eles não ficaram muito felizes no começo, para eles o cinema não passa de turismo promocional. E eu lhes disse que não iria filmar camelos ao por do sol, nem petróleo, lhes disse que estava cansado desse ‘exotismo’. Eu iria mostrar estradas e estacionamentos, coisas que existiam na Jordânia, em Israel e na Palestina. Felizmente, eles eram bastante inteligentes e autorizaram as filmagens”, comemorou.

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“Free Zone”, de 2005, fez parte de sua trilogia sobre fronteiras, seu predecessor foi “Terra Prometida”, de 2004. “Esse filme fala sobre o tráfico de mulheres para prostituição. Eu o fiz por várias razões, uma delas é o caminho que essas mulheres fazem começando pela Europa Oriental, geralmente Moldávia ou Rússia. De lá elas voam para o Cairo, onde são estupradas por beduínos. Uma vez no Egito, elas atravessam a fronteira para Israel numa cooperação entre mafiosos egípcios e israelenses. Assim elas são vendidas em Israel e na Palestina. Isso mostra que quando lidam com a exploração de mulheres, e elas não são nem judias nem árabes, esse povos e países, que fazem guerra até pelas mais pequenas coisas, não encontram nenhum problema em se relacionar. E até criaram uma nova maneira de explorar o outro, o ser humano”, salienta.

https://www.youtube.com/watch?v=APtMr7tRbBI

Embora exista essa linha tênue entre cooperação e hostilidade na convivência entre os povos, Amos não é muito otimista sobre avanços em nenhum dos lados. “É um verdadeiro campo minado. Sempre que há um líder moderado em Israel, os palestinos resolvem que é hora de colocar uma bomba num gasoduto israelense. E sempre que há um líder moderado na Palestina, os israelenses passam a acreditar que não há tempo no mundo que os faça chegar a um acordo. Parece que eles trabalham duro pra deixar as coisas do jeito que estão”, critica. “Mesmo não sendo religioso, acho que a única coisa a se fazer é rezar. Tento não ser pessimista, mas é difícil. Lembro que uma vez numa entrevista que fiz num dos meus primeiros documentários perguntei ao prefeito de uma cidade palestina qual era a posição dele. Ele me respondeu que não podemos nos dar ao luxo de ser muito pessimistas. Porque fazendo isso na verdade caímos no niilismo”, encerra.

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Zé Messias

Jornalista não praticante, projeto de professor universitário, fraude e nerd em tempo integral cash advance online.

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