Equilíbrio Distante

Você está visualizando atualmente Equilíbrio Distante

Antes de mais nada, devo dizer que esse meu primeiro post é um acidente. O post original seria um elogio, um troço bastante nostálgico, falando da saudade da segunda geração dos alunos do Professor Careca, aquela tchurma com Colossus, Wolverine, Tempestinha, Noturno, Banshee, etc. O tal do post já estava até meio escrito, quando então eu fui lá na minha coleção de HQs consultar a Superaventuras Marvel nº 16, toda amarelada e remelenta, pra ver se o que eu tinha escrito batia com o que estava naquelas folhas meio mofadas e antigas. De repente, algo me chamou a atenção: a última folha da revista, com uma propaganda das edições seguintes que iriam aparecer nas bancas.

pg22
Clique para ampliar.

Pra começo de conversa, eram dois anúncios, com cerca de quinze linhas de texto cada, sobre duas futuras edições. Quem hoje em dia “perderia tempo” lendo “tanto” pra saber de futuras revistas? Estas revistas teriam tanta importância que valeria a pena se escrever qualquer coisa pra promovê-las?

Para refletirmos sobre estas questões, primeiramente devemos nos lembrar da definição de folhetim: é uma narrativa dramática, romântica e ficcional, dividida em capítulos e publicada aos poucos, seja em jornais ou revistas, que se apoia em recursos enfáticos e emocionais, de modo a prenderem o leitor. No anúncio da edição do Aranha, a frase “temos absoluta certeza de que você será um marvete frustrado pro resto da vida!” nada mais é do que um apelo exageradamente emocional, convenientemente terminado com uma exclamação, pra que o leitor sinta-se na urgência de comprar a próxima revista. Por um lado, o anúncio não dá nenhuma informação concreta sobre o verdadeiro assunto da história do Aranha; apenas diz que ele terá a ajuda de grandes parceiros, e que enfrentará “um bando de supervilões”. Por outro, o seu apelo folhetinesco é um recurso válido e completamente coerente com a própria natureza híbrida das HQs, e, principalmente, da Marvel: folhetins ilustrados. Portanto, ter um anúncio tão longo não é nada além do cumprimento desta vocação híbrida, e por isso fascinante, dos quadrinhos; a junção do texto e da imagem, em histórias seriadas, criando outras possibilidades narrativas.

Ao acaso, abri o Google Images, e peguei o seguinte anúncio atual da Marvel:

bnr-201212_now
Clique para ampliar.

Duas figuras enormes, cores hipertratadas com computação gráfica, que tomam quase totalmente a página, e algumas palavras imperativas, me ordenando à compra da revista. Assim como anteriormente, a visão deste anúncio me trouxe dúvidas: cadê a expressividade dos heróis? Se estamos falando de um folhetim, então, cadê o apelo expressivo ressaltando, de maneira veemente, a necessidade mortal e ininterrupta de lermos as próximas edições?

No anúncio anterior, o da revista velhusca, as imagens ocupam o cantinho direito do anúncio. Vemos uma Viúva Negra com expressão apreensiva. O Homem-Aranha, apesar de mascarado, tem bastante expressividade corporal, com a mão aberta e os dedos rijos, em claro movimento de tensão (e olha que eu nem gosto do traço do chato do Sal Buscema). Abaixo, o Capitão América está em evidente perigo: em menor número, e em desvantagem na luta, pois está preso em uma gravata. As imagens pequenas, somadas ao anúncio, criaram, pelo menos em mim, a real e desesperada necessidade de ler este número (não, não sou o Dr. House, possuidor de todas as HQs do Brasil, e não tenho esta edição).

A propaganda do Thor com a Feiticeira Escarlate é um claro emblema do status atual de grande parte da linha editorial da Marvel: uso excessivo e, muitas vezes, sem sentido de imagens e uma completa falta de direção. O Thor olha prum lado, com jeitão de manequim de loja e um semblante que me parece, ao mesmo tempo, sádico e idiota, e em nada lembra toda a sua nobreza. A Feiticeira olha pra direção oposta, com uma tentativa de olhar sedutor, jeito de modelo da Victoria’s Secret, e, no fim das contas, nenhuma expressividade. A impressão é a de que eles foram sobrepostos, numa composição rápida, preguiçosa e centrada em imagens que expressam coisas difusas e no fim não dizem nada.  Pra terminar, temos umas raras palavras na parte inferior que me mandam comprar as revistas, sem nenhum motivo aparente. Ao contrário do anúncio anterior, não há sequer o esforço em criar um clima expressivo. Comprem ou não, que se dane. A Feiticeira e o Thor estão aí, muito bonitos e se lixando pra vocês.

A meu ver, uma das grandes qualidades dos quadrinhos é ser uma narrativa folhetinesca que se realiza num meio termo entre o desenho e a escrita. Escolhas são necessárias pra tudo na vida: se as imagens serão mais importantes, que elas sejam expressivas; o mesmo com relação ao texto. A partir do momento em que prezamos um dos elementos em prejuízo do outro sem ao menos o esforço de construir um conjunto expressivo coerente, temos uma narrativa de pé quebrado. Algo deste balanço necessário entre imagens e textos nos quadrinhos foi perdido, entre os anos de 1980, época de publicação desta minha edição de Superaventuras Marvel, e a atualidade.

Colossus de Cyttorak

Detentor dos segredos da Mãe-Rússia, fã incondicional de jogos da antiga SNK (antes de virar esse arremedo, chamado SNK Playmore), e da Konami, Piotr Nikolaievitch Rasputin Campello parte em busca daquilo que nenhum membro da antiga URSS poderia ter - conhecimento do mundo ocidental. Nessa nova vida, que já conta com três décadas de aventuras, Colossus de Cyttorak já aprendeu uma coisa - não se deve misturar Sucrilhos com vodka, nunca!!!!

Este post tem 3 comentários

  1. JJota

    Infelizmente, a forma se impôs sobre o conteúdo, tanto na Marvel como na DC.

    1. E ainda há um outro problema, JJota: no caso das HQs, a forma faz parte do conteúdo. Quando se esquece disso, o que sobram são só aparências, fantasmas que não dizem nada que interesse. P.S.: Acho que a Image teve alguma contribuição nesse problema todo…

      1. JJota

        A Image quis a imposição da arte sobre o texto. Já a Marvel e A DC hoje querem o impacto sobre ambos. Ou seja, é preciso uma polêmica, uma mega-saga, uma morte, seja lá o que for, pra que venda muito e depois seja devidamente esquecida…

Deixe um comentário