Estava perto. Extremamente perto de nós. Tenha a certeza de que, próximo demais do público, um palco qualquer se torna extremamente perigoso: um barril de pólvora pronto para explodir ao menor sinal de movimento.
Quando as luzes se apagam, o movimento começa. Movem-se os gritos. Os gritos e os risos escapam de sua boca. Da menina diante de nós, brincando e correndo por trás das cortinas.
A Menina é um espetáculo de rara beleza. Sua simplicidade cênica é genuína e torna verossímil a dualidade que rege o universo daquela criança: a casa e a rua – no caso, a escola. Sendo a rua o cenário do confronto, das inquietações, e a casa, sua concha, seu porto seguro.
A menina conversa consigo mesma, e conosco. Olha-nos nos olhos, sorri e se envergonha. Sem vergonha, sem máscaras. O carinho por sua mãe, o cuidado que ela lhe tem, a cumplicidade. E suas ideias brotando, sua forma de ver o mundo, em ebulição. Suas descobertas metafísicas e psicológicas, as verdades absolutas, as relativas.
As memórias da criança misturam-se às nossas, a menina se mistura à mulher, até que nos percebemos voando em seus pensamentos, em sua cabeça. Flanando por armários, portas, janelas, máquinas de costura e pátios sem qualquer poeira, vívidos, vivos. Cheios de luz e calor.
A intérprete, Fabíola Buzim, com energia, talento e precisão, colore o monólogo com uma paleta recheada de personagens peculiares e reconhecíveis tanto nos trejeitos quanto nos remendos. A dança de seus dedos e mãos é fluída e narrativa como os de Júlio Adrião em A Descoberta das Américas.
Sua alegria contagia a peça e, ao final dela, é impossível não desejar cumprimentar aquela menina-mulher. Dar-lhe um abraço e dividir reminiscências, lembranças evocadas pelas questões familiares que, com invulgar sensibilidade, são costuradas dramaturgicamente.
Foi uma noite emocionante a de 5 de abril no pequenino Teatro Cândido Mendes de Ipanema.