Iluminamos: Cinquenta tons de cinza – E. L. James

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Pornô para mães

A primeira vez que ouvi falar do livro, não me interessei muito, pois foi logo com uma crítica nada positiva sobre ele. A segunda vez foi durante a leitura de um trecho, em que a pessoa que lia pra mim estava super animada e um pouco envergonhada com o que lia. No entanto, enquanto ela lia, eu me lembrava dos muitos “Sabrina”, “Bianca” e “Julia” que li no começo da minha adolescência.

São aqueles livros de banca de jornal, romances açucarados, que tinham sempre, sempre mesmo, uma protagonista muito jovem (lá na casa dos dezoito anos), muito virgem (inexperiente até com beijo), muito independente (sempre com uma opinião e uma resposta na ponta da língua), e muito incapaz de se livrar dos braços do homem mais velho (na casa dos trinta anos, não mais que isso, mas não menos de vinte e um). Ah, eles eram, sempre, ricos demais para elas.

As mocinhas desses romances eram cheias de valores e problemas, logo conheciam aquele cara maravilhoso que nunca, nunca mesmo, era simpático com elas. Além disso, ele parecia odiá-las sem nenhum motivo aparente, as julgava sem saber a fundo o que acontecia com elas e, ao mesmo tempo, as agarrava sempre que tinham oportunidade. E sem que elas quisessem ser agarradas. Bem, pelo menos no começo, porque elas nunca conseguiam sair dos braços deles, até que eles decidissem soltá-las. E elas se apaixonavam perdidamente em algum momento. A explicação deles? As amavam desde o momento em que as conheceram. Sim, simples assim.

Sobre o trecho que minha amiga estava lendo, nada muito diferente do que eu já tinha lido nesse tipo de livro uma dezena de vezes… um estilo do qual havia me cansado há um tempo. E aí que está.

O que incomoda em “Cinquenta tons de cinza” não é a relação dominador-submissa, é a repetição de um estilo de livros que minha avó já lia enquanto fazia o enxoval dela. Só que com elementos de masoquismo… Não por menos, o livro está sendo conhecido lá fora como “Pornô para mamães”.

Na terceira vez em que ouvi sobre ele, minhas colegas de trabalho começaram a aparecer com cópias desse livro e me rendi: precisava descobrir com o que estava lidando.

Fanfiction

Diz a lenda, a qual confesso não ter encontrado provas concretas de sua veracidade, que “50 tons” nasceu como uma fanfiction de Crepúsculo. Não li esses livros – ainda -, mas assisti os filmes (e apagaria da memória, se pudesse) e, de fato, há alguns padrões muito semelhantes entre os personagens. Veja:

Cristian Grey: Rico, misterioso, perigoso, cheio de segredos, ele e os irmãos são adotados. Edward Cullen: Rico, misterioso, perigoso, cheio de segredos, ele e os irmãos são adotados.

Anastasia Steele: Morena, pobre, dirige um fusca velho, é insegura, estabanada, tem pelo menos dois caras que se mostram interessados nela e fica completamente obcecada por Cristian no instante em que o vê.

Bella Swann: Morena, pobre, dirige um caminhão velho, é insegura, estabanada, tem pelo menos dois caras que se mostram interessados nela e fica completamente obcecada por Edward no instante em que o vê.

Detalhe: Tanto Edward quanto Cristian avisam suas donzelas de que eles não são o homem certo para elas. Ambas as donzelas não ligam para o aviso.

Não tenho absolutamente nada contra fanfictions (ficção de fã), pelo contrário. O problema não é como “50 tons” surgiu e sim o modo como você pode facilmente relacionar uma obra à outra, e isso é muito frustrante (mesmo que, como eu, não goste nem de uma, nem de outra).

Acho que as fanfictions têm que permanecer exatamente onde estão e ser o que são. Se alguém quiser evoluir de um escritor de ficção de fã, para um escritor de verdade, pelo menos tenha a decência de escrever algo novo, original e diferente.

Personagens

Anastasia Steele tem 21 anos, está terminando a faculdade e estuda literatura. No entanto, no instante em que conhece Cristian, Ana – como gosta de ser chamada – passa a se comportar como uma garotinha de colegial.

A personagem é apresentada exatamente como todas as personagens daqueles romances de banca que citei acima. Cheia de opiniões e virgem, beijou apenas dois caras em toda a sua vida.

Dá para perder as contas de quantas vezes ela diz “uau” ou “puta merda” ou faz algum comentário bem infantil sobre como Cristian mexe com ela, provocando sensações que ela desconhecia até então. Tudo isso antes dele sequer propor que ela seja sua submissa. E isso fica chato logo, pois o livro é narrado em primeira pessoa. (Lembra alguma coisa? Sim, Crepúsculo também é escrito em primeira pessoa).

Cristian Grey. Nem ele, que é bem mais interessante que sua companheira, possui uma apresentação muito melhor. Ele é rico, um jovem empresário bem-sucedido. Misterioso. Possessivo. Perseguidor. Dominador. Sei lá, se a história não fosse contada em primeira pessoa, se o personagem principal fosse ele e não Anastasia, e se a escrita não fosse tão ruim, “Cinquenta tons de cinza” poderia muito bem ser um livro com a história certa.

Porém, “50 tons” se resume a uma personagem principal insossa, que fica o tempo todo repetindo “puta merda”, “uau” e o nome de “Cristian Grey”, o comparando com um “herói romântico”, um “cavaleiro reluzente”, e achando absurdo o fato de um “deus grego, um Adônis”, como ele estar interessado nela.

E o pior é uma mulher supostamente inteligente e independente ficar toda derretida e cheia de desculpas aceitáveis para o fato de um cara que ela mal conhece persegui-la, rastrear seu celular, mandá-la sentar, comer, dormir… e também achar sexy e sedutor o seguinte diálogo:

“- Isso quer dizer que você vai fazer amor comigo hoje à noite, Cristian?

– Não, Anastasia, não quero dizer isso. Em primeiro lugar, eu não faço amor. Eu fodo… Com força.

Meu queixo cai. Foder com força. Puta merda, isso parece muito excitante.” – Pág. 89.

 

Dominador/Submisso

Vamos deixar uma coisa bastante clara aqui, antes de continuar: não sou contra sadomasoquismo ou essa relação “Dominador/Submisso”.

Ele quer dominar e, inexperiente ou não, Anastasia quer ser dominada. Tudo bem, ela leva mais da metade do livro tentando decidir se quer ou não assinar o tal contrato que impõe as regras dessa relação, os limites rígidos e os limites brandos, porém, se Anastasia não quisesse ser submissa, não teria esperado tanto, e teria negado logo de cara. A verdade é essa: ela quer, a decisão é dela.

Anastasia é aquela garota insegura e sem graça que todos nós conhecemos, e que, magicamente, consegue atrair pelo menos três homens diferentes. Dois deles ela nem considera, e o outro, bem, é o tal deus grego. Ela conhece Cristian e, depois de alguns encontros nem tão acidentais assim, ele a avisa que não é o homem certo para ela. Claro que, como em qualquer história, isso não funciona e Ana continua maravilhada com ele.

Cristian, incapaz de ficar longe dela, naquele tipo de magnetismo inexplicável, decide apresentá-la a seu mundo e deixa-la decidir se quer fazer parte dele. Claro, aqui, tem algo a se considerar nessa coisa de “a decisão foi dela”. Ao primeiro sinal de que Anastasia vai recuar e esquecer essa história, Cristian aparece na casa dela e a “convence” a pensar um pouco mais.

Claro que, lá pelo final do livro, Anastasia acorda e vê que o príncipe encantado virou sapo há muito tempo. Provavelmente, bem antes dela o conhecer.

Mas aí, vale lembrar: mulheres adoram agarrar-se à vã esperança de “salvar” os homens. Sim, isso acontece. Elas veem o homem todo ferrado e é quase irresistível o impulso de querer ajudá-lo. E Anastasia é assim. Cristian tem seus problemas e mistérios, além de seu passatempo masoquista. E Ana passa boa parte da história querendo ajudá-lo.

No entanto, repito, se no fundo ela não quisesse aquela situação, não haveria livro (não que isso seja uma ideia tão ruim assim).

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Meias palavras

Há aquelas cenas de palmadas, chicotadas e brinquedos eróticos que você provavelmente está esperando, mas há um padrão que se repete: ela goza e, em seguida, ele goza. Não que seja impossível, mas isso acontece exatamente da mesma forma todas as vezes. Mudam alguns detalhes aqui e ali, mas depois é assim que termina.

Outra coisa, Anastasia admite que quer fazer sexo masoquista com esse homem misterioso, mas é incapaz de ser direta quando o assunto é dizer onde está sentindo prazer. Ela fica cheia de meias palavras: “Eu sinto ele tocando… ali”, “Minha parte mais íntima”, “Lá embaixo”… Ou seja, depois de tantos “puta merda” e “foder com força”, ela não consegue falar “vagina” ou “clitóris”. Sendo que nem são termos pejorativos, e sim parte da anatomia feminina.

Lembra daquelas aulas de biologia, em que seus colegas ficavam de risadinhas sempre que ouviam as palavras “pênis” e “vagina”? Então, a sensação é a mesma.

Enfim…

“Cinquenta tons de cinza” tem tudo aquilo que as garotas adoram: uma personagem com que se identificar, um homem lindo, rico, sensual e misterioso, sexo, e até alguns momentos para dar uma risadinha ou deixar o coração apertar. Mulheres são mulheres e não têm como fugir do romance… ainda que torpe.

Contudo, o resultado final é um livro que pretende ser adulto, mas falha ao não conseguir encontrar o tom certo para a história narrada e acaba soando extremamente infantil.

A história é fraca, a escrita é podre, a personagem principal é chata. Tudo muito ruim para ser considerado.

Soraya

Criadora e editora do blog "Contos e Pitacos" - http://contosepitacos.blogspot.com.br/

Este post tem 13 comentários

  1. Felipe Lima Ferreira

    Primeira vez que vi o livro foi numa lista top de um jornal. Então começaram a surgir propagandas do livro( que ajudaram a vender mais ainda) tipo esses dias vi que o felipe neto ( ñ gosto dele) fez um video , imagino eu, criticando negativamente o livro. Eu ñ li e nem quero ler, mas convenhamos que pro livro tá na mídia, é porque tá merecendo, mesmo que seja pra jovens ou adultos. Mas entendi oque vc quis dizer: que é um livro tipo banca de jornal e tal. Acredito em vc Soki mas enredos assim vendem ainda. Eu li um uma vez mil escovas antes de dormir e sinto que deve ser do mesmo nipe. Mas valeu pelo resumo que eu realmente não vou ler esse.

    1. Soki

      Eu não acredito em listas de mais vendidos. Se algum dia fizerem listas honestas, baseadas naquilo que realmente faz um livro vender, talvez eu confie nelas. Afinal, para mim, dizer apenas que está entre os mais vendidos não quer dizer nada.

      Porém, se fizessem além da lista dos mais vendidos, uma lista dos livros mais rejeitados, criticados e – em alguns casos – dos mais odiados do mundo, aí sim teremos alguma coisa relevante com a qual trabalhar.

      O livro tem seus méritos, o romance que surge lá no finalzinho dele é do tipo que quase toda mulher gosta. E no segundo livro tem ainda mais romance. Mulheres gostam de romance e, o que o mundo está descobrindo, é que também gostam de sexo. O livro tem as duas coisas. Só, mais nada.

  2. Jorge Lourenço

    Achei estranho quando comecei a ver o livro na mão de várias pessoas nas ruas, alguns meses atrás. Quando fui ver a história da autora – não é lenda urbana não, realmente é verdade – e me deparei com o livro como fanfiction do Crepúsculo, minha cara foi no chão. O novo best-seller adulto internacional era… um fanfic do Crepúsculo?

    Li os primeiros capítulos e desisti na mesma hora, não dava para levar a sério. A escrita é muito ruim e a história tensa de fraca.

    1. Soki

      Eu ainda não consegui verificar essa informação sobre ele ter nascido como Fanfiction, mas, se eu li a quantidade de fanfics suficientes para reconhecer uma quando a vejo, “Cinquenta tons de cinza” não tá muito longe disso. Mas, como eu disse, eu não li Crepúsculo, não gosto dos filmes, então eu acabei lendo “50 tons” independente disso… e até que a história se segura por si só.

      Se você estiver interessado em sexo e romance e em mais nada além disso, funciona. Vai da cabeça de cada um. Achei o livro ruim, mas quem sou eu para dizer alguma coisa? rs

      No mais, “prazer sem culpa” é uma expressão que cabe muito bem a esse livro.

        1. Soki

          Eita… obrigada, Renata! 🙂

          Que pena, que é verdade. Eu não li Crepúsculo, mas acabei de ler o último livro da série “50 tons”… por mais que minha opinião inicial não tenha mudado muito, desconfio que vou gostar mais deste, do que de Crepúsculo, quando eu ler finalmente…

          Obrigada pelo link, vou dar uma olhada, agora.

          1. Renata

            Se você não gostou de 50 Tons de Cinza, provavelmente não vai gostar de Crepúsculo (e aqui falo só por suposição mesmo, já que não li 50 Tons). Não tem como negar que as duas séries estão lá pro público feminino, mas Crepúsculo é só água-com-açúcar mesmo, um romance que se baseia em olhares e suspiros apaixonados. É só isso.
            E o maior erro das pessoas que amam criticar Crepúsculo é insistirem em ver a história como uma distorção da mitologia dos vampiros, quando na verdade nada mais é que um romance. (Tá, fazer vampiro brilhar foi uma cagada mesmo, mas não é isso o principal. :P)

            Ah, não sou uma “crepusculete” nem nada do tipo. É que de vez em quando gosto de dar opiniões em assuntos “polêmicos”. 😛

          2. Soki

            Eu já tenho os quatro livros de Crepúsculo no meu computador para ler, deve ter mais de um ano já. Meu problema é que, por causa dos filmes – que são muito ruins -, eu já tenho preconceito com a história… e com os personagens. Então não sei se seria justo ler com isso em mente…

            Por outro lado, também não acho justo julgar sem ler, e estou indo mais para esse lado.

            Sobre os vampiros, nunca fui fã da lenda, embora tenha ficado apaixonada por “Entrevista com o vampiro” da Anne Rice. O problema de Crepúsculo não é propriamente ter mexido com a lenda dos vampiros… é esquecer que primordialmente vampiros são humanos que morreram… entende? Se ele está essencialmente morto, como ele pode engravidar uma humana? Ou amá-la?

            Tá, eu entendo, é uma história de amor… mas Bella colocar toda sua vida e seu futuro nas mãos de um cara que ela mal conhece, por quem tem uma paixão avassaladora, e afirmar, e reafirmar que não pode viver sem ele é amor? Bella tem dezessete anos é o primeiro “amor” dela! Isso é saudável?

            Enfim, tenho cada vez mais certeza de que preciso ler Crepúsculo, mas eu não estou com pressa para enfrentar mais romances açucarados.

          3. Renata

            Desculpa, Soki. Pensei que você fosse homem por causa do seu avatar…

            Mas então, sobre o que estávamos falando… Eu já me peguei pensando nisso também. Na verdade, abandonei o quarto livro justamente porque ela engravida. Lembro que pensei “não, engravidar de um morto também já é demais”, fechei o livro e fim de papo. Mas depois pensei melhor. Um morto também não caminha, fala ou pensa. Bom, se já saímos da realidade da coisa e fizemos um morto se mexer sem uma explicação plausível, então por que não fazê-lo produzir sêmen? Biologicamente, uma coisa é quase tão impossível quanto a outra.

            No fundo, eu acho que o motivo da autora ser tão hostilizada é ela ter pegado uma lenda antiga que se baseia essencialmente no terror e enfiar dentro de um romance. As pessoas ficam indignadas porque “ela mudou a imagem do vampiro clássico”, mas vampiros vêm sendo mudados ao longo da história. Pra mim, Drácula, Nosferatu e Lestat são coisas diferentes entre si, e desses, não faço idéia de quem é o tal vampiro de verdade que os fãs insistem em defender.

            Mas se formos analisar a “história de amor”, sim, eu também vejo isso mais como uma obsessão do que como um amor. Mas a autora é muito da esperta, na minha opinião. Ela sacou a carência da juventude de hoje. Quando as pré-adolescentes são bombardeadas com a idéia de que a mulher moderna é independente, segura de si e livre pra explorar a sua sexualidade, nada melhor do que jogar uma pitada de abstinência e voltar à antiga fórmula do Príncipe Encantado protegendo a menina apaixonada. Ainda mais quando a menina em questão é estabanada, sem graça e insegura, e quando o príncipe é bonito, inteligente, cavalheiro, rico e principalmente PODEROSO – no caso, uma figura mitológica, embora brilhante. 😛

            Massss isso são só argumentos que eu tentei formar quando comecei a pensar nos porquês dessa coisa toda ser tão amada e odiada ao mesmo tempo. No fundo, ainda acho meio imbecil alguém engravidar de um cadáver. G_G

  3. Muito boa resenha!!!! Assino mesmo. É claro que o fenômeno comercial se deu mais pela narrativa que o marketing criou para o livro. Mesmo na Europa e nos EUA, fizeram uma verdadeira manobra narrativa.

    1. Soki

      “50 tons” está seguindo a fórmula usada por Crepúsculo, um tipo de marketing que já era velho, mas nunca caiu: “Fale bem, ou fale mal, mas fale de mim”. Funcionou com Crepúsculo, está funcionando com “50 tons” e vai gerar outros livros realmente, realmente, realmente muito ruins.

      Quero dizer, depois de Crepúsculo quantos livros na mesma linha surgiram? Até “50 tons”, se ele for mesmo uma fanfic do supracitado e mal enterrado Crepúsculo…

      Tenho medo, muito mesmo, das fanfics que surgirão a partir de “50 tons”… O.o

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