Iluminamos: Looking (HBO) – Em defesa da família brasileira

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looking-hboAcredito que já tenha comentado antes em outras críticas, mas cabe novamente o aviso para alertar os leitores sobre meus escritos. Embora eu seja um homem negro, de vinte e poucos anos, criado no gueto, em termos de consumo de entretenimento tenho o mesmo gosto de uma mulher branca, solteirona, na faixa dos quarenta; motivo pelo qual assim que ouvi o anúncio da nova série da HBO, sobre a vida de três amigos gays morando em São Francisco, decidi que tinha que assisti-la e fazer um breve comentário aqui pro Iluminerds.

Para os menos “antenados”, a cidade de São Francisco, no estado da Califórnia, no Oeste estadunidense, é conhecida mundialmente como a Meca da comunidade LGBT. Não só em termos de concentração demográfica, mas também por seu histórico de luta por direitos civis (como pode ser visto no ótimo Milk estrelado por Sean Penn). Longe de ter uma “pegada” estereotipada, como veríamos numa sitcom de uma grande emissora (ou numa novela daqui), ou mesmo uma visão “honesta, mas fofinha”, como o casal de Modern Family, a premissa de Looking é justamente a oposta, mostrar o cotidiano de homens solteiros numa cidade grande que podem exercer livre e abertamente sua sexualidade sem serem assediados, julgados e ameaçados, ou seja, uma versão ideal de como o mundo todo deveria ser, mas infelizmente não é.

Além da proposta, digamos, mais ousada, uma vez que a série lida com questões como fidelidade, consumo de drogas, insegurança e intimidade masculina (ou melhor dizendo, a notória dificuldade masculina, de qualquer orientação sexual, em se aproximar numa relação), nunca é demais ressaltar que a liberdade criativa dos programas da HBO também influencia na condução artística dos episódios. Nesse sentido, nota-se uma preocupação dos produtores e do diretor Andrew Haigh em mantê-los o menos “clean” possível, sem medo de apresentar cenas quentes, discussões de preferências e posições sexuais, enfim, uma abertura total e irrestrita da temática LGBT (mesmo que exclusivamente do ponto de vista masculino).

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A intenção aqui claramente não é suavizar o teor da trama para conseguir atrair mais audiência/agradar o espectador-médio. Deste modo, Looking te desafia, enquanto produto cultural, a rever suas concepções pré-estabelecidas, idiossincrasias e os próprios preconceitos velados ou explícitos. Na minha humildade opinião, é o show perfeito para combater aquele discurso heteronormativo disfarçado de politicamente correto, “respeito/não tenho nada contra os gays, eles só não podem se beijar na minha frente/encostar em mim/ficar dando pinta”.

Sobre o enredo, a série narra as desventuras, sobretudo amorosas, mas também profissionais e pessoais, de três amigos já mencionados: o protagonista, um nerd inseguro chamado Patrick (Jonathan Groff), que trabalha como designer de videogames, o artista (pseudointelectual) e mimado Agustín (Frankie Álvarez), e o garçom quarentão Dom, interpretado pelo australiano Murray Bartlett, que mesmo sendo o mais velho do grupo ainda busca um rumo na vida. Como pode ser visto pela descrição nada lisonjeira da personalidade de cada um dos personagens, Looking tenta nos apresentar seres humanos reais, incrivelmente falhos e complicados, ao invés de ser apenas “mais um seriado gay”.

https://youtu.be/OQTbzgl1fA

Para o público do Iluminerds em especial, a série possui o atrativo de ser, se não me engano, um dos primeiros/poucos casos de representação do “nerd gay” no entretenimento – pelo menos como protagonista – desde a recente “invasão/modinha nerd” que tomou conta dos produtos culturais ocidentais. Saindo um pouco da constante do nerd frustrado romântica e sexualmente, carente, e sempre em busca de um relacionamento ideal com uma figura também idealizada, mas sempre heterossexual, em Looking Patrick pelo menos consegue transar, porém continua inseguro, meio imaturo, introvertido e com problemas de intimidade, o que torna o personagem ainda mais interessante de assistir e criar empatia (mesmo que ele te irrite vez ou outra).

Além disso, Looking também traz alguns nomes conhecidos do público nerd de diferentes áreas. O protagonista, Jonathan Groff, recentemente fez a voz original de Kristoff na animação premiada Frozen, e é também conhecido como ex-namorado do (já não tão) novo Sr. Spock, Zachary Quinto. Como personagens recorrentes no seriado, Scott Bakula e Russell Tovey, interpretam, respectivamente, o florista Lynn, um suposto interesse romântico de Dom, e o chefe de Patrick, Kevin, por quem o mesmo nutre uma atração/queda. Scott é conhecido como o pai de Chuck, Stephen Bartowski, da série homônima e também como o Capitão Jonathan Archer, do spin-off de Jornada nas Estrelas, Enterprise, de 2001. Já Tovey, um ator britânico, é o lobisomem da versão original de Being Human e possui participações em Doctor Who e Sherlock. E os fãs de quadrinhos certamente se lembram de Allan Heinberg, criador dos Jovens Vingadores, na Marvel, e roteirista de Liga da Justiça e da Mulher-Maravilha pós-Crise Infinita na DC, que em Looking assina o quarto episódio da temporada.

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Romance da “Terceira Idade”?: Bakula (Lynn) e Bartlett (Dom) caminham por São Francisco

Quem aguentou ler até aqui percebeu que o título desta crítica é mais uma provocação do que propriamente um comentário sobre o seriado. No entanto, a verdade é que enquanto comemoramos (ou polemizamos) por aqui a exibição de um simples beijo entre dois homens, um inocente selinho ainda por cima, no horário nobre, pelo menos em termos artísticos isso nem é uma questão na cultura norte-americana (o que não reflete de forma alguma a realidade social deles ou a aceitação da temática no dia a dia, uma vez que lá também há uma ala/facção político-religioso tentando legislar em causa própria e subverter o laicismo do Estado).

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Tovey, Alvarez e Groff mandam um “beijinho no ombro” pro r3k@1k3 passar longe

Dito isso, não consigo deixar de me alegrar quando vejo uma iniciativa com esta. Sem ser necessariamente militante ou cri-cri, mas ao mesmo tempo não querendo passar uma imagem estereotipada, Looking consegue faz jus a sua premissa e é um alento em nossos tempos de “marcha da família” e Bolsonazis por aí. Alguns, como justiça, vão até perguntar, “mas você gosta de ficar vendo homens pelados se comendo por aí?”. Ao que lhes respondo, “eu gosto de arte”. Ainda mais quando ela me faz pensar, questionar, refletir, caso contrário, para que ela serviria?! Então, posso dizer, sem todas aquelas ressalvas hipócritas, “não tenho nada contra”.

 

 

Zé Messias

Jornalista não praticante, projeto de professor universitário, fraude e nerd em tempo integral cash advance online.

Este post tem 4 comentários

  1. JJota

    Lendo este post me lembrei do que uma amiga minha comentou depois do último capítulo da novela… Ela sempre foi meio homofóbica, mas foi “conquistada” pelo casal da novela… até ver os dois se beijando no último capítulo. Daí, voltou a achar tudo imoral, indecente, desencaminhador…

  2. Vulto

    Olhando assim até parece que os EUA são menos conservadores, o que a gente sabe que não é verdade. Os isteites são tensos no que diz respeito ao “estilo de vida americano” e aos “bons costumes”.
    Então o que explica, eles conseguirem fazer uma série com essa pegada la fora?
    Eles são menos haters? Será que tem a ver com a cultura de controle do conteúdo que seus filhos veem? Quer dizer, negada pira com selinho na novela, por que “isso não pode passar na televisão, meus filhos assistem” mesmo que a novela passe, sei lá 10 horas.
    Eu ACHO que tem a ver com a quantidade de canais e a falta dessa controle Global. As pessoas que reclamam do beijo gay na Globo não conseguem não assistir a novela, é uma piada. Pelo menos até onde eu sei, nos isteites, depois de OZ, a HBO é bloqueada na casa de quem tem quiança. É muita piroca num canal só.

    1. José Messias

      Taí uma info valiosa, tenho que checar (e eu não vejo oz nem pelo caralho alado de zeus). Quando eu era criança/adolescente e meus colegas só falavam disso, eu só queria distância.

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