Doze Anos de Escravidão e a história do jovem enforcado pela trava de segurança – Parte 2/2

Você está visualizando atualmente Doze Anos de Escravidão e a história do jovem enforcado pela trava de segurança – Parte 2/2

Dando sequência a reflexão sobre o ato ocorrido no 31/01/2014 e seus desdobramentos em debates calorosos na web, eis a segunda parte desta ótima discussão!

“O crescimento de roubos no bairro do Flamengo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, preocupa moradores, mostrou o RJTV desta quarta-feira (5). Segundo a polícia, de outubro de 2012 para a mesma época de 2013, o número de assalto a pedestres mais que dobrou: aumentou de 82 para 186 casos na região. O Aterro do Flamengo é um dos locais mais visados por criminosos.”

1656021_717401981626088_1529715682_n

E assim disse o G1, no dia 05/02/2014. Um fato certamente real, e que não expressa talvez metade de realidade, uma vez que, após ter trabalhado na própria polícia civil daquela área, digo-lhes com convicção que é muito comum o denunciante sequer fazer o registro ou desistir do mesmo devido a morosidade do Estado face a falta de funcionários ou a falta de boa vontade daqueles que estão ali para lavrar tal tipo de problema. Deste modo, como nossa querida âncora do SBT fez questão de dizer: Num país onde a atitude dos vingadores é até compreensível. O estado é omisso, a polícia desmoralizada, a justiça falha. O que resta ao cidadão de bem que, ainda por cima, foi desarmado? Se defender.” – Várias outros cidadãos, despertos por esta sensação de impunidade também resolveram se manifestar.

Black-Boy-Chained

“Torturar é errado, mas levar o jovem a delegacia teria alguma consequência? O que fazer enquanto as ótimas políticas públicas de educação e segurança não fazem efeito? Deixo de jogar meu basquete no Aterro? Não ando mais pelo bairro do Flamengo? Só saio com o dinheiro da passagem e roupas velhas para não atrair marginal? Cidadão também é humano. Onde estavam os protetores da humanidade quando um jovem desse ameaçou minha mulher com um caco de vidro e saiu andando enquanto ela chorava assustada?”

dh

Esta foi a indagação de um amigo que tão perdido quanto eu nesta miscelânea de merda e falsas intenções, também não sabe ao certo a quem recorrer. E não demorou para que dezenas de curtidas entupissem seu comentário! No entanto, uma questão não anula a outra. Nós temos a péssima impressão de achar que os DH só beneficiam bandidos, uma vez que as manchetes apenas direcionam seu material para este tipo de mito urbano (vide a tentativa de criminalização do próprio Marcelo Freixo, num golpe covarde da patética Rede Globo).

Freixo

As situações são várias, os atores alternados, então ora vestiremos o capuz do opressor, ora seremos os oprimidos. Contudo, para aqueles que vomitam a ideia de que os DH só servem para quem não serve, gostaria de ressaltar que o mesmo é um dos nossos poucos mecanismos de defesa contra a truculência das autoridades que deveriam exercer tal função. Quando disse anteriormente que ser humano algum pode decretar a seu semelhante tamanho grau de perversão, tal regra serve para qualquer nível social – da abastada até aquela em miséria absoluta -, fato este que não exime de culpa nem o infrator, quanto o sistema que nada faz para reinseri-lo socialmente. Talvez por este tipo de vácuo e sensação de impunidade que tais crimes ocorrem, desde o furto com cacos de vidro ao espancamento. No mais, mesmo sendo paradoxal ao que foi escrito acima, não sinto dó, pena ou piedade alguma, visto que a banalização da violência e a omissão do Estado são uma via de mão dupla, embora compreenda a desigualdade social e a corrupção do Estado como as principais razões que levam boa parte de nossa população a esta vida miserável. Mesmo que muitos escondam sob o tapete da oitava economia mundial ou  não queiram aceitar, em metrópoles como o Rio de Janeiro já estamos passando da terceira geração de moradores de rua, e até hoje nada foi feito além de maquiagem urbana. Desta forma, meu caro, que perspectiva  devemos exigir de pessoas em  situação de extrema vulnerabilidade social? Como iremos acabar com a síndrome da mendicância ou a lei de Gérson se em momento algum reforçamos a valorização do ser humano?

direitos_humanos

Como podemos pedir mais violência se somos nós aqueles que convivem com o exercício da prática policialesca? Talvez pareça estúpido, no entanto, em que mundo vamos legitimar ações violentas de um grupo de não sei quantos homens, os quais sequer conhecemos a identidade? E pior, como podemos deixar para eles o direito de escolher quem deve ou não ser espancado e humilhado em praça pública?

1 a 1 a a a a pro fascista golpe militar

Alguns colegas também põe a mesa uma certa culpabilização da mídia por não mostrar quando um transeunte qualquer é assaltado e ferido por meninos de rua, sofrendo humilhação tão grande ou maior do que o rapaz amarrado nu ao poste – nas palavras da pessoa – por ser rotineira a violência contra o cidadão ordinário, pelo simples fato de  não gerar mais comoção. E, para ser franco, em certos pontos até concordo, mas até nesse quesito qual é o nosso nível de culpa? Uma vez que o telespectador e a mídia possuem uma relação de troca onde a demanda expõe o nível de consumo. Então, o que será que nós – como sociedade – pedimos para ver? Será que o sangue que verte por nossos televisores não são uma demanda nossa pelo show de carnificina? Afinal, só bastaria a ojeriza popular para que o IBOPE caísse e a programação mudasse, vide as lésbicas mortas na explosão de um shopping na novela Torre de Babel…

1800477_10152202315979182_911945894_n

Quanto a mídia e a sua gana por espetáculo e comoção, isso não se discute, e, em certos pontos, até concordo que estes pequenos delitos não são expostos, pois hoje em dia o que gera audiência é a violência escrachada, principalmente quando seguida da morte escancarada. Porém, em hipótese alguma devemos comparar situações completamente distintas, ou tentar mensurar níveis de humilhação, uma vez que se for para dar uma pincelada e generalizar o preconceito incutido em nossa sociedade contra aqueles excluídos socialmente – por isso potenciais autores de delitos -, é capaz da minha página ficar lotada de insultos e “ameaças”, pois se alguém é humilhado neste país diariamente, este é o cidadão pobre, negro e, principalmente, se for morador de rua.

1546299_10152221541109870_1676426657_n

Se a tua humilhação advém da impunidade a qual estamos cercados, meu caro, por favor, não se esqueça que o estado é omisso, a polícia desmoralizada e a justiça é falha para ambas as partes, pois todos fazem parte do mesmo Estado.  Inteligentemente questionado pelo parceiro Ivan Mussa:

 – Agora, me pergunto: o sujeito que foi preso ao poste não mora, também, num país com estado omisso, polícia desmoralizada e justiça falha? Ou ele vive numa outra dimensão e passa por uma membrana quântica toda vez que quer assustar os cidadãos de bem?

shere

Quem no Rio de Janeiro nunca foi assaltado? Ou colocaram uma arma em sua cara, enquanto proferiram dezenas de ameaças repletas de escárnio mediante ao seu terror? Então, talvez o problema não seja simplesmente a bandidagem. E a solução? Uma espécie de limpeza social a la Pereira Passos ou nos moldes atuais do Dudu Paes. Deste modo, fica evidente um outro problema neste debate, que é a radicalização de ambas as partes. Não é por discordar da maneira como estes sujeitos agiram que nós estamos canonizando a vítima, e muito menos o contrário. O que dá pra perceber são pessoas acuadas pelo reflexo mais comum da desigualdade social, em especial, aquelas que, da janela de suas casas, felizmente não desfrutam do caos que vivemos em função dos diversos tipos de impunidade. Fato este que incita a discussão sobre conceitos fenomenológicos e seu viés positivista na culpabilização do indivíduo, tanto aquele que assalta, como aquele que é acusado de fascista ou “reaça” por implorar mais violência do Estado. 

Entretanto, este discurso não provém de mero preconceito de bairrismo ou por achar que a pobreza enobrece alguém ao ponto de permitir que este possa julgar aqueles com maior poder aquisitivo, mas sim, por entender que certas experiências negativas só pertencem a certos grupos sociais como, por exemplo, o racismo e a homofobia, visto que, mesmo sendo empático e ferrenho defensor dos direitos humanos, jamais poderei compreender o reflexo de tais questões em absoluto. 

dfewhgecvewh

Como podemos ver, é uma discussão que ainda dará muito pano pra manga, porém, colhendo as vantagens de sermos interlocutores,é neste belo processo de democracia e civilidade que, ao expormos diferentes pontos de vistas, conseguimos atingir um patamar mais alto de conhecimento e consequentemente consciência crítica dos fatos que nos cercam.

Por fim,  faço-lhes uma charada: Sobre a falta de ética e o viés reacionário, dentre Sheherazade, Leilane Neubarth e a ex-humorista do CQC, quem é o roto para falar do esfarrapado?

midia_burguesa

Don Vitto

Escritor, acadêmico e mafioso nas horas vagas... Nascido no Rio de Janeiro, desde novo tivera contato com a realidade das grandes metrópoles brasileiras, e pelo mesmo motivo, embrenhado no submundo carioca dedica boa parte de seu tempo a explanar tudo que acontece por debaixo dos panos.

Este post tem 4 comentários

  1. Gustavo Audi

    “Agora, me pergunto: o sujeito que foi preso ao poste não mora, também, num país com estado omisso, polícia desmoralizada e justiça falha? Ou ele vive numa outra dimensão e passa por uma membrana quântica toda vez que quer assustar os cidadãos de bem?”

    Vamos desenhar a cadeia de eventos: Estado omisso > indivíduo rouba cidadão > indivíduo pune cidadão. Se o culpado é o Estado, o certo seria o indivíduo atacar o Estado e não outro cidadão. A diferença entre eles é que a reação de punir veio depois da ação de roubar. Por isso, mesmo não concordando com os justiceiros, não posso diminuir a culpa do jovem – teoricamente, o justiceiro reagiu contra quem o atacou, enquanto o jovem não.

    Por outro lado, é sempre muito fácil culpar o Estado, como ente onipresente, para qualquer tipo de problema. Tanto o garoto preso ao poste quanto os justiceiros são indivíduos e eles fizeram suas escolhas. Não é certo minimizar suas ações culpando-se a incompetência do Estado, pois isso diminuiria toda uma galera que opta por não roubar, furtar, torturar etc. Todos estão errados.

    1. José Messias

      Sua lógica é falha, jovem padawan, se o justiceiro tivesse reagido contra uma ação do jovem meliante contra ele, ai ele não seria mais justiceiro, seria “legitima” defesa (embora não seja legitimo o que ele fez). Ele é justiceiro justamente porque agiu (se meteu) numa situação que envolvia outrem.
      O problema é o grau da violência contra meliante (sendo ele menor ou não, embora o fato dele ser menor só piore as coisas), por isso mesmo que tivesse sido dos tais justiceiros que o menor tivesse roubado ou ameaçado, ainda assim não seria uma defesa porque eles agiram excessivamente (na minha opinião.
      Digamos, por exemplo, que os justiceiros tivessem intervido, mas ao invés de espancar e humilhar o cara, tivessem levado pra delegacia ou imobilizado de alguma outra forma (eu sei que vc vai dizer, como já me disse pessoalmente, que não adianta levar na delegacia), o caso nem teria essa repercussão.
      Independente de “adiantar” ou não, existe um devido processamento que deve ser respeitado e se tornando um criminoso, pq o justiceiros se tornaram eles mesmos criminosos quando decidiram espancar e humilhar o garoto, os justiceiros, cidadãos de bem, não vai resolver os problemas do país, da cidade e muito menos os do garoto (que voltou a roubar logo depois aparentemente). A gente já tem muitos problemas com a polícia já agindo arbitrariamente e ela mesmo espancando e humilhando supostos criminosos pra as pessoas quererem sair fazendo isso também.
      Agora, sobre quem tem culpa. Não tem nada a ver com culpa. Ninguém (eu, pelo menos) não estou diminuindo a culpa (responsabilidade) de quem comete crimes, mas eu particularmente não vejo as coisas em termos de culpa, certo ou errado, esses julgamentos morais. O criminoso deve ser responsabilizado pelo que ele faz, mas há sim circunstâncias sociais, educativas, culturais que são atenuantes (mas que também podem ser agravantes num outro contexto).
      Sim, por isso que fico mais “revoltado”/”indignado” – pra usar um termo em voga – com os justiceiros que espancam menores de idade do que os jovens criminosos em si. Não porque eu ache que um seja mais ou menos culpado do que o outro, apenas que existem fatores subjetivos que definem graus de responsabilidades que não podem ser esquecidos ou ignorados pela conveniência do debatedor (e não estou dizendo que é o seu caso).

      1. Gustavo Audi

        Para deixar claro: não adiantar levar a delegacia, não significa que eu não levaria…

        Nas minhas argumentações, nunca defendi um lado, apenas tentei deixar claro que ambos, menino e justiceiros, não são boas pessoas.

        O que me incomoda é o uso do “atenuante sociopolítico” pelos intelectuais para defender um bandido e pelos revoltados para justificar uma atrocidade.

        Vc mesmo me disse uma vez: não existe mulher um pouco grávida. Neste caso, são todos criminosos e, justamente por isso, qualquer argumento com o propósito de defender qualquer um deles não faz sentido. “O garoto sofreu mais na vida” é tão fraco quanto “eles estão se defendendo contra a omissão do estado” ou “o garoto também é resultado deste contexto social desfavorável”.

        Quem somos nós para definir qual “atenuante” é o melhor ou mais correto? Eu não sou capaz disso e, pelo que estou acompanhando, ninguém ainda se mostrou ser.

        Sofrer nas mãos do Estado e/ou sociedade civil não dá o direito de fazer o que eles fizeram/fazem. Mas também, não sofrer nas mesmas mãos não tira o direito de ter uma opinião diferente ou a desvalorizar.

        1. Don Vittor

          A verdade é que existe o princípio da ação e reação. Desde sempre o pequeno meliante sabe que pode sofrer sanções por sua conduta indevida, em certas ocasiões, até em força desproporcional. No entanto, não posso defender tais justiceiros, pois seria legitimar uma ação impensada que pode ser revertida contra qualquer um de nós. Infelizmente a nossa política educacional, carcerária e o próprio poder legislativo são uma bela merda! Então, nada mais comum que o surgimento de aberrações tal qual essa imensa disparidade social e cultural.

Deixe um comentário