Ken Parker, um western revisionista (e o que vem a ser isso?)

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Criado em 1974, Ken Parker deveria estrear em uma única edição especial. Mas o personagem agradou tanto ao editor Sergio Bonelli que chegou às bancas italianas em junho de 1977, pela Editoriale Cepim (atual Sergio Bonelli Editore), foram 59 episódios até 1984, um grande sucesso editorial”

*extraído da orelha de Ken Parker 1, Tendência Editorial (2000).

Ken Parker é um fumetto, um quadrinho de nacionalidade italiana – tal qual seu conterrâneo , o veterano Tex – velho e renitente frequentador das bancas brasileiras. Por definição de gênero, trata-se de um quadrinho de western, também chamado quadrinhos de “faroeste”; de “bang-bang” ou ainda de “cowboy”. Significa dizer que as histórias de Ken Parker se passam em um período relativamente curto da história dos Estados Unidos da América (século XIX, 1840 a 1890, mais ou menos), porém muito marcante, caracterizado pela expansão colonialista americana da costa do oceano atlântico para a do oceano pacífico.

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Revólver Colt/Walker 1847.
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Aqui, um Colt/Walker 1868. A história do velho oeste, em certa medida, se confunde com a história das armas de mão: sua evolução e disseminação.

A criação do termo “faroeste” (far west), nesse contexto, é comumente creditada a  Horace Greeley, jornalista americano e um dos fundadores do Partido Republicano. Greeley seria o autor da famosa frase “Go West, young man, go West” (Para o Oeste, meu jovem, para o Oeste), que marca simbolicamente o início desse período histórico que muito contribuiu para as fundações políticas, sociais e culturais dos Estados Unidos. Registros de locais, fatos e personagens existem aos montes, mas a maior parte do que a maioria das pessoas realmente conhece sobre o “velho oeste” é baseada nas inúmeras obras de ficção que abordaram o tema ao longo das décadas.

Se a história é contada pelos vencedores, com a ficção não é muito diferente. Não é surpresa que o western, como gênero narrativo, desde os seus primórdios e durante muitos e muitos anos, tenha sido um mero um vislumbre distorcido e muito distante dos fatos. O padrão das histórias se limitava então a repetir uma visão maniqueísta e primária, composta por enredos simples que delimitavam claramente as fronteiras entre o bem e o mal, o certo e o errado, o bandido e o herói, a prostituta e a mocinha. Bandidos (índios e mexicanos, feios, sujos, cruéis e imorais), mocinhos (brancos, bem limpos, indefectíveis e infalíveis) e damas em perigo (exemplos de “virtudes femininas”). Atores como Roy Rogers, Gene Autry e Allan Lane, Don Barry, Tom Mix, entre outros, deram vida a heróis de gerações de garotos que corriam por todo lado fazendo “bang” com o indicador, matando centenas de horríveis “focinhos vermelhos” imaginários.

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Tom Mix

 Colonos em caravanas de carroções buscando ocupar grandes extensões de terra; criação de gado (roubo de gado); confrontos com índios; busca por recursos naturais como ouro, prata e platina; a figura do cowboy, com seu chapéu e esporas; os saloons, bares sempre cheios de jogadores de poker, dançarinas, pianolas e escroques; cadeias, xerifes, cinturões cruzados, coldres repletos de revólveres de seis tiros e rifles a tiracolo. Estradas de ferro; cartazes de procurado; perseguições a cavalo; confrontos em forma de duelo ou tiroteios. Diligências, estalagens e a cavalaria do exército americano sempre chegando para salvar a pátria no último instante. Elementos típicos encontrados em todas as narrativas do gênero western…

Todos os elementos comuns mencionados acima (e outros ainda) são fartamente encontrados em Ken Parker. Todavia, Ken Parker não é um western típico. Embora contenha os mesmos elementos básicos, há uma mudança drástica e fundamental em Ken Parker, uma mudança de perspectiva. Se prestarmos atenção, notaremos como cada época tem sua própria visão do passado e do futuro – visões vulneráveis ao correr do tempo e dos acontecimentos. Nos EUA, a luta pelos direitos civis, o movimento feminista e o surgimento da chamada contra-cultura, conseguiram, a muito custo, questionar “aquela velha opinião formada sobre tudo”. De repente, aquele garoto que matou centenas de índios imaginários começou a se questionar sobre quem eram aquelas pessoas. Não suas projeções na tela do cinema, mas as pessoas reais, que nasceram, viveram e morreram em solo americano.

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Surgido no final dos anos 70, Ken Parker foi grandemente influenciado por uma torrente obras revisionistas que escavaram esse solo encharcado de sangue para redescobrir, desvendar, esclarecer e criticar largamente a história do oeste americano . Obras como o clássico livro “Enterrem meu coração na curva do rio”, de Dee Brown (retornaremos a ele em outras oportunidades ) e filmes como “Grande pequeno homem”, ambos de 1970.

Eis porque dissemos que Ken Parker é, na verdade, um western revisionista. Uma obra que passa ao largo dos estereótipos e clichês do gênero (que não morreram de todo, pois são também renovados de geração para geração), surpreende e instiga, conduzindo o leitor por um caminho repleto de questionamentos e reflexões.  Humor, horror, drama, aventura, amor, injustiças, toda sorte de sentimentos e atribulações humanas podem ser encontradas nas suas páginas.

A par disso, meu objetivo nesta coluna é resenhar todos os episódios de Ken Parker, na ordem de publicação, partindo dos 59 volumes publicados no Brasil pela Editora Tendência (em outra oportunidade mencionarei todo o histórico de publicação da obra no Brasil). Durante essa caminhada, tentarei, como um bom guia, encontrar os melhores atalhos e sinais para mostrar a você, caro leitor, toda a riqueza e beleza da série Ken Parker, esta que considero uma das grandes obras em quadrinhos de todos os tempos. Espero assim contribuir de algum modo com o espírito da obra e, quem sabe, motivar novos leitores, sem descuidar dos antigos apreciadores.

Eis o primeiro passo de uma longa jornada, começando nas montanhas do estado americano de Montana, 29 de dezembro de 1868.

Episódio 1: Rifle Comprido.

Sinopse: Seguindo os rastros dos assassinos de seu irmão mais novo, Bill, Ken Parker chega a Fort Smith, um posto do exercito americano vizinho a um acampamento Cheyenne, onde, ao tentar socorrer uma squaw (mulher), se depara com a situação de extremo desamparo dos indígenas, atormentados por todo tipo de privações.  Os índios se rebelam e são perseguidos pelos soldados, dando lugar a um confronto cheio de reviravoltas. Em meio a tudo isso, Ken Parker precisa sobreviver para consumar sua busca por vingança.

Diferente de outros protagonistas de histórias de Western, Ken Parker não é um cowboy (vaqueiro), xerife, fora-da-lei ou pistoleiro.

O “Rifle Comprido”, como é chamado pelos índios, é um caçador, rastreador e scout (guia), grande conhecedor dos territórios selvagens e hábil com a arma que lhe empresta a alcunha, uma carabina Kentucky de pederneira (arma que devia ser recarregada pela boca do cano depois de cada disparo).

No começo do episódio, encontramos Ken e seu irmão mais novo Bill retornando de um longo período de caça nas montanhas, prestes a venderem suas peles em um posto de troca. Infelizmente, a vida de Bill Parker é encerrada de maneira abrupta e cruel, quando são atacados sorrateiramente por bandidos misteriosos que levam todo o dinheiro e deixam para trás seu cadáver escalpelado. Ken, apenas ferido, parte em busca dos assassinos de seu irmão.

A saga de Ken Parker tem início com um recurso bem conhecido pelos grandes escritores de romances policiais, uma combinação de homicídio misterioso e desejo de vingança. Um evento dramático seguido de atribulações que fatalmente conduzem a desfecho igualmente dramático, o qual se torna imediatamente o norte do leitor: conseguirá Ken encontrar os assassinos do seu irmão?

De certa forma, Rifle Comprido é um episódio sobre vingança, mas serve principalmente como apresentação do caráter do protagonista da série. Ken Parker é um homem que não faz distinções entre os homens pela cor da pele, vivendo em um mundo regido por um sistema segregacionista.

“…branco, vermelho ou amarelo, o homem sempre é o mais feroz dos animais!”

Sabendo apenas que os assassinos de seu irmão são homens brancos, seu método para revelá-los consiste em instigar os suspeitos e observar seus movimentos. Confiar que o caráter de um homem transpareça em suas ações. Entretanto, as ações humanas nem sempre são guiadas pela vontade. A necessidade e o senso do dever podem provocar uma ruptura entre os princípios de um homem e suas ações. Assim, a frase “eu caço animais, não homens” é dita apenas para marcar a contradição.

Da mesma fora, mesmo compadecido com a penúria dos índios, Ken se vê obrigado a lutar e matar para garantir a própria sobrevivência e a de seus companheiros. Matar por vingança e matar para sobreviver. Matar por dinheiro, matar seguindo ordens, matar por matar. Num cenário onde todas essas opções se misturam, as vezes a morte pode assumir um aspecto inescrutável.

Assim como Ken Parker não podia se orientar por sinais evidentes, ao leitor também não é oferecida uma separação clara entre o bem e o mal. Os personagens não ocupam posições marcadas e suas atitudes revelam as ingerências da dura realidade que os cerca.

Colaborador

Colaborador não é uma pessoa, mas uma ideia. Expandindo essa ideia, expandimos o domínio nerd por todo o cosmos. O Colaborador é a figura máxima dos Iluminerds - é o novo membro (ui) que poderá se juntar nalgum dia... Ou quando os aliens pararem com essa zoeira de decorar plantações ou quando o Obama soltar o vírus zumbi no mundo...

Este post tem 4 comentários

    1. Vilipendiador Unperucked

      ou a mãe de quem postou sem nome?

  1. Lucas Pimenta

    Desistiram da proposta de resenhar todos os episódios? E quem escreveu essa matéria?

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