Nerdtalgia: Konami e seu Sarcófago Inteligente

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A partir desse post, pra não ficar no “samba-de-uma-nota-só” de ficar falando só da SNK, seus jogos e spinoffs em outros sistemas, interromperei por algum tempo a série de artigos sobre essa empresa porradeira, e começarei a falar de outra das minhas paixões: Konami, jogos e afins.

O jogo da vez chama-se King’s Valley, lançado pela Konami, em 1985, pra primeira incursão da empresa de Bill Gates em hardware multimídia, o computador MSX. Aliás, devido à notável performance do computador – tanto em gráficos quanto em sons (que rivalizava com o famoso Commodore 64) -, e também à facilidade com que se podia programar em seu sistema operacional, a Konami escolheu a plataforma MSX como base preferencial pra lançar vários títulos que, décadas depois, virariam lugar-comum em praticamente todas as gerações de consoles, como Metal Gear, Castlevania (no MSX o jogo se chamava Vampire Killer, sendo depois rebatizado ao ser lançado pra Nintendinho), Gradius (no MSX, seu nome era Nemesis), Contra, entre outros.

FinalFantasyMSX
Tá aí, Sr. Delarue, pra você que é fã da série: o início de uma lenda. O MSX foi uma das primeiras plataformas (senão a primeira) em que esta franquia lendária foi lançada. Pode começar a construir um altar MSX. Eu deixo.

Ambientado nas pirâmides do Vale dos Reis, no Egito, o jogador assume o papel de um intrépido explorador que invade os túmulos dos faraós pra roubar as joias de cada pirâmide-fase.  Ao roubar a última joia da pirâmide-fase da vez, abre-se um portal que permite o acesso à pirâmide-fase seguinte. A princípio, a tarefa é bem simples. Basta explorar a pirâmide usando as setas direcionais do cursor. Além disso, só há um botão, a barra de espaço, que serve como botão de pulo quando o seu personagem não está equipado, ou botão de ação que permite que o explorador use o equipamento da vez. Ao entrar na pirâmide, logo na primeira fase, você dá de cara com as múmias que, conforme verá, serão suas inimigas constantes até o final do jogo. A primeira fase, por sinal, é um exemplo simples e perfeito de como apresentar toda a dinâmica de um jogo em uma única tela: no centro, bem no ângulo focal central de visão do jogador, aparece aquele que será uma de suas grandes proteções, o punhal, enterrado no chão. Nos cantos, brilhantes, quatro joias fáceis de serem roubadas, a cada lado, as múmias.

1level-kingsvalley

Ao contrário dos jogos atuais em que os personagens são multifuncionais, podendo matar, atirar, correr, vomitar e cagar, tudo ao mesmo tempo, os personagens de jogos antigos tinham várias limitações, como descobrimos ao jogar logo a primeira fase desse jogo. Nosso explorador simplesmente não consegue atirar o punhal e pular ao mesmo tempo. Pra pular, você deverá atirar o punhal, ou na múmia à sua frente, ou no lugar mais seguro possível, que te permita, após o pulo, voltar a pegá-lo pra se proteger das demais ameaças. Outra dificuldade é a de que você não mata as múmias – isso, inclusive, é bem óbvio. Afinal de contas, múmias já são defuntas, não é mesmo? Ao atirar o punhal nas safadinhas, elas simplesmente saem de cena por aproximadamente 10 segundos, tempo suficiente pra sair do perigo e pensar nos próximos passos.

Da segunda fase em diante, você perceberá que o buraco é mais embaixo. A pirâmide agora é composta de duas telas, e você também notará novas múmias: a amarela, bem mais inteligente, e a vermelha, a verdadeira Supermúmia, pois praticamente desliza pelas escadas.

Mumias
1) Múmia Branca – Burra feito uma porta. Míope e idiota, é capaz de estar em pé na sua frente e correr pro lado contrário.
2) Múmia Azul – Perigosa. Rápida e capaz de pular, ela faz o estilo perseguidora.
3) Múmia Amarela – Inteligente. Tenta antecipar seus movimentos e ficar nas passarelas pelas quais você mais passa
Mumias2
4) Múmia Vermelha – Razoavelmente inteligente. O diferencial dela é que a diaba sobe escadas com uma rapidez sem igual, é praticamente o Flash. Evite subir escadas com ela por perto. Ou esfaqueie ela antes de subir a escada.

Além disso, mais um acessório aparece: a picareta. Com ela, é possível cavar um buraco vertical de até quatro fileiras de tijolos, podendo ter acesso a joias enterradas. E, como foi dito, sem pegar todas as joias, não se consegue passar de fase. Nas fases seguintes, quando você já tiver entendido a dinâmica da picareta, descobrirá a pá, equipamento que permite cavar na diagonal. Cara, esses acessórios serão muito necessários…

Outra mostra da incrível esperteza dos programadores da Konami: o uso de deficiências como parte do desafio. Jogos desta época, devido às limitações de gráfico e memória, tornavam extremamente difícil a programação de personagens multifuncionais.

Mario Bros_NES
Lembrem-se do nosso velho amigo Mario, que tinha uma única função: pular. E já ia de mãozinha pro alto, pra economizar linhas de programação e já aproveitar e ir socando os tijolinhos….

Como disse antes, você só pode fazer uma função por vez; se está com o punhal, deve se livrar dele pra pular, e depois pegá-lo novamente. Já com as picaretas, a coisa fica mais difícil, pois elas são contadas. Aparecem penduradas nas paredes da pirâmide, e, uma vez usadas, não podem ser repostas. Não é possível simplesmente “se livrar” da picareta. Ao acionar a barra de espaços, o seu explorador vai simplesmente cavar um buraco no exato lugar onde está. Com isso, gasta-se a picareta, e perde-se a oportunidade de usá-la onde realmente será necessário. Portanto, graças a esta dificuldade, você é obrigado a criar um roteiro mental do que fazer, priorizando atividades e criando percursos na fase, de modo que possa chegar no local correto pra escavar as joias, carregando a picareta, sem usá-la, sem precisar pular, e, ao mesmo tempo, enganar as múmias (já que não pode matá-las, pois não dá pra pegar o punhal enquanto se está com a picareta). À medida em que as fases vão passando, você perceberá que a dificuldade vai aumentando de maneira constante, mas sem ser impossível, fazendo com que esse jogo, aparentemente simples, torne-se um passatempo viciante.

Os gráficos desse game são alguns dos melhores exemplos de como se esquivar das deficiências técnicas e mesmo assim criar cenários funcionais, simples e bonitos. Assim como a maioria esmagadora de jogos da Konami pra MSX, eles se passavam sobre um fundo preto. Sabem por quê? Era um estratagema simples pra se esquivar de uma deficiência da sua placa gráfica: o MSX não possuía a cor preta. Seu “preto”, na verdade, era transparente. Além disso, as limitações da engine gráfica do MSX impediam a inclusão de pixels simultâneos da mesma cor. Por isso, se, por exemplo, um objeto azul passasse por cima de um fundo amarelo, as partes azuis desse objeto “estourariam” e “borrariam” as redondezas, transformando o fundo amarelo em um mosaico de amarelo e azul. Ficava um troço bem feio. Portanto, o fundo “preto” na verdade permitia a sobreposição de objetos coloridos, sem haver essas “borradas”, tornando o jogo mais dinâmico e menos confuso.

Notem como em volta da faca fica um contorno "preto", borrando e apagando o pedaço inferior direito do portal da pirâmide...
Notem como em volta da faca fica um contorno “preto”, borrando e apagando o pedaço inferior direito do portal verde da pirâmide. A incapacidade do processador de lidar com a sobreposição de objetos criava esse tipo de erro, muito bem burlado pelos programadores da Konami…

A trilha sonora é simples e marcante. Mesmo com apenas 2 canais de som, e dispondo de uma linha melódica principal e uma de acompanhamento, a música repete seu tema central o tempo inteiro sem ser chata.

Portanto, pra terminar, devo dizer que esse é um jogo que me encanta até os dias de hoje. Pra escrever essa matéria, voltei a jogá-lo em meu emulador de MSX. O que era pra ser uma simples “jogada recordatória” acabou virando um desespero pra zerar um jogo que já havia zerado inúmeras vezes há quase 30 anos… Aliás, esse era um dos raros jogos da época que tinham realmente uma sequência de começo, meio e fim, e com um “final”, podendo ser zerado….

Colossus de Cyttorak

Detentor dos segredos da Mãe-Rússia, fã incondicional de jogos da antiga SNK (antes de virar esse arremedo, chamado SNK Playmore), e da Konami, Piotr Nikolaievitch Rasputin Campello parte em busca daquilo que nenhum membro da antiga URSS poderia ter - conhecimento do mundo ocidental. Nessa nova vida, que já conta com três décadas de aventuras, Colossus de Cyttorak já aprendeu uma coisa - não se deve misturar Sucrilhos com vodka, nunca!!!!

Este post tem 3 comentários

  1. Anubis_Necromancer

    MXS foi o ápice da tecnologia gamistica da época. Muito superior ao consoles da geração, mas que com a evolução desde (Mega Drive, PC-Engine), perdeu espaço, mas muitos dos seus clássicos perduram até hoje com uma legião de fã pelo Brasil, chegando até mesmo a fazer encontros para joga-lo.

    http://www.youtube.com/watch?v=FQPY6F5KoA4

  2. Rudolf Gutlich

    Detalhe, são 3 canais de som + 1 de ruído, e o MSX possui sim a capacidade de ter mais pixels coloridos, basta usar Sprites. O que existe é a limitação do número de sprites na mesma linha horizontal, o que tornava mais complexo utilizar elementos como a faca, a pá e a picareta usando estes recursos, pois poderiam acabar na mesma linha e “desaparecerem” da tela.

    1. Perfeito, Rudolf! Obrigado pela explicação técnica e extremamente pormenorizada! Pelo visto, você também foi um grande fã do sistema MSX! Continue acompanhando nossos textos e grande abraço!

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