Nerdtalgia: Yamato – Patrulha Estelar

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Ser nerd nos idos da década de 1980 não era molinho. Além da falta total de glamour (hoje em dia ser nerd tá na moda), não havia uma terminologia específica: se o nerd também fosse estudioso, era chamado de CDF – o que praticamente justificava todas as esquisitices adicionais. Mas, se o nerd fosse medíocre – como eu era, na maioria das vezes – ele simplesmente era olhado como alguém estranho, a quem os outros garotos tinham uma obrigação moral – e quase espiritual – de sacanear de todas as formas possíveis. Além disso, havia as dificuldades normais – e completamente inimagináveis, nos dias de hoje – de um mundo sem internet, da dificuldade de se encontrar outros amigos que tivessem os mesmos gostos que você, de achar informações decentes sobre as suas paixões nerds: cada informação devia ser garimpada à custa de muitas idas a bancas de jornais, bibliotecas e livrarias. Se por um lado havia a dificuldade física, quase logística, de se manter como nerd, por outro, de vez em quando a TV aberta nos brindava com preciosidades inesperadas, como a série Yamato.

SBY-resurrection

Originalmente chamada de Space Battleship Yamato, a série teve três temporadas, produzidas no Japão de 1974 a 1981. Miraculosamente, foi exibida pela TV Manchete, logo na sua inauguração, como parte da programação inicial da Emissora. A princípio, passava durante a tarde, sendo posteriormente incorporada ao acervo de desenhos a serem exibidos no programa Clube da Criança, apresentado pela estreante Xuxa, e no Circo Alegre, apresentado pelo saudoso Carequinha. Minha paixão pelo desenho foi imediata: não conseguia compreender muito os diálogos – muito complexos pra um garoto de 8 anos entender de maneira realmente decente – mas a música de abertura – uma marcha militar que tem um tom melancólico de despedida – os designs das naves, e o inusitado de ver um navio convertido em nave espacial me cativaram.

SBY-Cruzader

SBY-Gamelanfleet

Aliás, não só eu como o mundo inteiro foi simplesmente arrebatado por esta série, que é considerada uma das melhores de todos os tempos. Sua influência foi tão grande que ela seria reverenciada como uma das principais influências na criação de inúmeros mangás e animes posteriores, como Mobile Suit Gundan e Neon Genesis Evangelion. Sua influência na Ficção Científica é tão grande que referências a ela são encontradas em mídias diversas, desde videogames até citações na série Star Trek. Aliás, o sucesso da série foi tamanho que o lançamento de seu longa-metragem sufocou o lançamento japonês de Guerra Nas Estrelas – Uma Nova Esperança.

Mas por que ela é uma série tão importante e influente?

Primeiro de tudo, Yamato é uma série de resgate. O anime trata não só do resgate do planeta Terra – motivo principal da primeira temporada – como, nas entrelinhas, resgata valores como honra e dignidade, além de tentar resgatar a autoestima japonesa, através da exaltação dos valores da cultura deste país, ainda abalado pelos efeitos colaterais da Segunda Guerra Mundial.

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A primeira temporada, A Busca de Iscandar, nos apresenta o planeta Terra como uma massa sem vida, ressecada pelos meteoros radioativos lançados pelos Gamilons, uma raça alienígena liderada pelo Comandante Desslar. Completamente abandonada à própria sorte, e com seus recursos naturais à beira do colapso, o restante da população terráquea se refugia em cidadelas subterrâneas, esforçando-se para sobreviver, enquanto a radiação lentamente consome o planeta e se aprofunda cada vez mais através da ressequida crosta terrestre, ameaçando por fim ao que resta da humanidade.

Nesse contexto, surge uma última chance: Susumo Kodai e Daisuke Shima, dois inseparáveis amigos, encontram na superfície de marte uma moça desfalecida, ao lado de uma nave destruída, com um estranho equipamento na mão, que descobrem ser um tipo de aparelho comunicador. A mensagem nesse comunicador é clara: a soberana do planeta Iscandar, Star-Sha, possui a tecnologia do Space Cleaner D, um descontaminador que poderá limpar toda a radiação da Terra. Mas é necessário que os terráqueos consigam ir até o planeta Iscandar, resgatar o tal aparelho, e leva-lo de volta. O problema é que Iscandar está a 148.000 anos luz de distância da Terra. Para piorar as coisas, cientistas descobrem que os níveis de radiação estão críticos, e a Terra só tem mais 1 ano de vida.

SBY-Earth

Junto com a mensagem, Star-Sha envia as plantas e informações necessárias para que os terráqueos possam construir um artefato tecnológico inédito: o Reator de Ondas. Um motor capaz de fazer qualquer nave percorrer o universo a velocidades superiores à da luz.

Assim começam os resgates empreendidos pelo Anime. O resgate propriamente dito do aparelho que limpará o planeta da radiação; e o resgate da autoestima japonesa. O Reator de Ondas é acoplado a um encouraçado de guerra usado pelo Japão, durante a Segunda Guerra Mundial, o Yamato. Este navio, que foi o último suspiro da resistência japonesa contra a irresistível força armada dos Estados Unidos, agora é o último recurso à disposição da salvação do Planeta Terra. Assim como o Yamato original, este Yamato também parte para uma viagem redentora, em prol da dignidade de um povo que quer sua própria expiação pelos pecados da guerra.

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Único em seu gênero, o anime passa poucos minutos valiosos fazendo uma retrospectiva histórica do verdadeiro Yamato. Em breves imagens, mostra como o maior encouraçado japonês encontrou seu destino sob um intenso bombardeio aliado. É mostrado o capitão se amarrando ao navio, para morrer com a honra que um homem tem a obrigação de manter para além da vida, e narra que a embarcação afundou com 3000 fieis soldados. Um outro ponto peculiar deste anime se dá num certo tom de vitalização que os japoneses tendem a dar a objetos, atribuindo a eles qualidades de seres vivos, ou revestindo-os com uma aura mágica protetora. Assim como os samurais imbuíam suas Katanas de certa aura mística e viva, o Yamato é apresentado quase como um ser vivente. As referências à nave são sempre como a exortação: “Levante-se, Yamato!”

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Outro fator que justifica a posição de Space Battleship Yamato como um grande anime é o amplo espectro de emoções. Temos personagens com feridas de guerra, com filosofias definidas e modos de ver o mundo bem consistentes. Capitão Okita é alguém que, apesar de baqueado pela vida e pelas guerras, ainda acredita que toda humilhação é suportável, se for em prol de um bem maior. Kodai, o protagonista, perdeu seu irmão mais velho – então sob comando do Capitão Okita – na guerra contra os Gamilons e culpa o velho Capitão, agora seu superior na nave Yamato, pelo acontecido.

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Idealista, Capitão Okita acredita na ideia de sacrificar-se por algo maior que a própria vida em si.

O rapaz, por outro lado, aceita o comando do capitão Okita, mas por puro dever, pois sabe que, como capitão, Okita também foi responsável por muitas mortes sob seu comando. Ele tenta ser realista, pois entende que a guerra é, acima de tudo, uma destruidora de sonhos e esperanças. Além disso, temos alívios cômicos marcantes, como Analyser, o robô-enfermeiro tarado e desaforado; e o Dr. Sado, o médico bêbado que não salva nem porcos, que dirá pessoas…

SBY-Dr. Sado
Dr. Sado
SBY-Analyser
A imagem fala por si só…

Outro elemento da cultura perpetuado pelo desenho é o respeito aos mais velhos. Enquanto Kodai duvida do comando e do caráter do velho Capitão, é obrigado a ouvir um sermão de Tokugawa, chefe da Casa das Máquinas, que lhe diz que o Capitão é um verdadeiro homem, pois sabe da responsabilidade que é levar entes queridos à batalha. E, por ser um verdadeiro homem, ele age com calma. Ou seja, a maturidade leva à paciência e ao comedimento nos atos.

Outra tônica do seriado é a abnegação. De uma certa forma, o desenho materializa inúmeros sentimentos comuns da cultura japonesa, com o objetivo de exaltá-los. Como exemplo, temos o episódio em que a nave Yamato precisa, finalmente, ser ligada pela primeira vez. Portanto, para que seu Reator de Ondas seja acionado, é necessário extrair toda a energia produzida pelo Japão: exemplo máximo da dedicação de um povo. Numa outra tentativa de construir a empatia com o espectador, o desenho faz com que o Capitão Okita apresente aos futuros tripulantes da nave e aos espectadores do desenho uma planta da nave Yamato, mostrando, com detalhes, o funcionamento interno do imenso encouraçado. O objetivo é evidente: desejam que os espectadores sejam tão tripulantes da nave quanto os personagens, criando maior integração à história. Aliás, no que diz respeito à Yamato, ela nos é apresentada com detalhes. A nave é praticamente autossuficiente. Dentro dela temos uma “Sala de Holografia”, que é basicamente a Sala de Perigo da Escola do Professor Xavier, mas que serve para que os tripulantes relaxem e se lembrem de como era a Terra nos bons tempos. Há também a Usina – comandada por Sanada e seu “Robô Multi-Aplicações” – que é uma linha de montagem capaz de fabricar jatos, equipamentos de locomoção e toda a sorte de peças a serem usadas dentro da Nau. Na Casa de Máquinas, onde fica o Reator de Ondas, temos Tokugawa, o técnico Sênior que é encarregado da manutenção do coração da nave.

SBY-

O Reator de Ondas é um completo exemplo de “Energia Limpa”. Como nos explica Tokugawa, é um equipamento que transforma o vácuo do espaço em energia a uma velocidade mais rápida que a da luz, e usa essa energia como propulsão e alimentação para a nave. Uma ideia genial e à frente do seu tempo, num período em que o Japão, assim como a maioria dos países desenvolvidos, sofriam com a alta do preço do Petróleo promovida pela OPEP, durante a década de 1970, os criadores do anime já pensavam numa fonte de energia alternativa, limpa e livre de qualquer tipo de conflito.

A arma suprema do Yamato é o Canhão de Ondas: uma enorme abertura que fica na frente do casco da embarcação, capaz de arremessar energia pura, direta do Reator de Ondas, à velocidade da luz. Toda vez que o canhão é acionado, o Reator de Ondas é sobrecarregado e a nave simplesmente para de funcionar.

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Nos primeiros episódios, Yamato deve enfrentar problemas mais logísticos: além da dificuldade em levantar voo, a embarcação se depara com um míssil teleguiado, enviado de uma base avançada dos Gamilons. Seu alvo é a ainda dormente Yamato. Os alienígenas vêem na nave um entrave que deve ser destruído a qualquer custo. A poucos momentos do impacto, depois de grande suspense, finalmente a tripulação consegue acionar o Reator de Ondas da Yamato pela primeira vez, disparando a artilharia contra o míssil e eliminando o perigo imediato. Finalmente, a Yamato abre suas asas, atinge velocidade de cruzeiro, e pode partir rumo a seu destino.

Na semana que vem, falarei mais um pouco sobre os personagens e este marcante anime

 

Colossus de Cyttorak

Detentor dos segredos da Mãe-Rússia, fã incondicional de jogos da antiga SNK (antes de virar esse arremedo, chamado SNK Playmore), e da Konami, Piotr Nikolaievitch Rasputin Campello parte em busca daquilo que nenhum membro da antiga URSS poderia ter - conhecimento do mundo ocidental. Nessa nova vida, que já conta com três décadas de aventuras, Colossus de Cyttorak já aprendeu uma coisa - não se deve misturar Sucrilhos com vodka, nunca!!!!

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