O Final de Fringe

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Primeiro, um aviso: este texto é um spoiler. Se você não viu o último episódio, e ainda vai ver, não leia este texto (mas volte depois para lê-lo, por favor…).

1200Não gostei do final de Fringe. Eles utilizaram uma saída que sempre me irritou, pois praticamente desfez tudo o que aconteceu na última temporada. É como assistir a um filme que, no final, descobrimos ser apenas um sonho de um personagem. Ou seja, nada aconteceu.

Antes de continuar, é importante explicar a posição “filosófica” que uso como lógica neste assunto.

O que nos torna quem somos? O que faz com que sejamos definidos enquanto indivíduos? Como podemos delinear uma pessoa? O que nos diferencia, além dos aspectos físicos?

Experiência adquirida através de ações. Acredito que o que nos molda como indivíduos venha do nosso comportamento, de ações executadas e guardadas na memória. Externamente, você é o que você faz; internamente, você é o que você fez.

A importância da ação não é nova. Na cultura oral, por exemplo, as narrativas eram puramente contadas em torno de ações. Os heróis não eram fortes ou corajosos, eles realizavam atos que permitiam ao ouvinte interpretar desta maneira (um professor meu dizia que, para os gregos pré-letrados, uma folha não era verde – pois o verbo ser não existia – ela “esverdeava”…).

Da mesma forma, Aristóteles, em sua Poética, dá extremo valor às ações (fábulas) sobre as características. Este argumento é bastante utilizado pelos screenwriters da era moderna: a descrição de um personagem ou situação deve ser feita através de ações. Um bom roteiro é composto de ações concretas, não descrições abstratas. Para definir que um personagem é mau, criamos uma cena onde esta maldade pode ser percebida (infelizmente, roteiros de novela estão fora desta lógica secular…)

oliasVamos, agora, pensar em universos paralelos. No Universo 1, eu sofro um acidente de carro e fico paraplégico, isso direciona a minha vida em um sentido. No Universo 2, ganho na Mega Sena. Neste caso, Gustavo 1 e Gustavo 2 serão pessoas completamente diferentes. Como ocorre em Fringe: Olivia Dunham dos dois universos são pessoas completamente diferentes, com individualidades bem definidas.

Desta forma, você é o conjunto de experiências que assimilou. É o que fazemos e o que guardamos na memória que define quem somos. E é a consciência da própria experiência que molda o indivíduo. Se perdermos isso, alteramos nossa individualidade.

Peço desculpas aos filósofos (pois simplifico demais suas ideias), mas para visualizar melhor, tracei uma relação entre níveis de informação e os níveis do conhecimento de Aristóteles. No primeiro, um Dado assimilado vira Informação; esta, se transforma em Conhecimento ao ser armazenada na memória; por sua vez, uma “maestria” na utilização do conhecimento leva à Sabedoria. No segundo, o conhecimento passa por cinco fases: sensação > memória > experiência  > técnica  > ciência.

O Dado pode ser uma leitura, uma imagem, uma cena, uma ação. Para ele se transformar em Informação, deve passar por um dos Sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato). Se assimilado, virará informação na Memória. Ao acessarmos nossa memória, produzimos experiências que nos possibilita repetirmos algo (é uma espécie de aprendizado) – neste ponto, já podemos dizer que temos Conhecimento sobre uma determinada coisa ou situação. Os próximos níveis do conhecimento de Aristóteles são mais específicos, podendo ser alcançados por pessoas que queiram um grau mais elevado de “profissionalização”: técnica é a produção para fins práticos (como um professor) e ciência (a filosofia) não tem fim prático, pois seu objetivo é puramente o conhecimento da existência.

O que ocorreu no final de Fringe excluiu dos personagens envolvidos todos os níveis de conhecimento, desde a sensação até a ciência. Com isso, o Peter Bishop que viveu a invasão dos Observadores, não é o mesmo de um mundo onde esta invasão não ocorreu. Da mesma forma que a Etta que eles conheceram não existiu.Efeit08

Para ilustrar com um exemplo onde isso não acontece, temos o filme Efeito Borboleta (2004). Nele, quando Evan altera o passado, ele recebe todas as memórias do novo curso do tempo. Desta forma, o “novo” Evan é o antigo mais as novas experiências – ele não é apagado na linha de tempo alterada.

Para dar maior credibilidade, vamos provar matematicamente (se os teóricos de comunicação fizeram isso em meados do século XX, por que eu não?).

Olivia Dunhan = D; Observadores = O; Experiência total = E1 + E2 +…+ En = Et; Experiência paralela = Ea + Eb + … + En = Ep

Se D = f(Et); D + O = f(Ep); e D = f(Ep) – O

Então, f(Et) ≠ f(Ep)

Logo, D ≠ D + O

E isso se aplica a qualquer um. Outro exemplo é o filme (bobo) O Céu pode Esperar (2001), com Chris Rock. Lance é um comediante que morre antes da hora e volta como o milionário Charles Wellington III. Blablablá e ele se apaixona por uma mulher, mas terá de abandonar o corpo do ricaço. No fim, ele volta para o corpo de outro comediante, mas desta vez sem sua memória de Lance, apenas com a personalidade antiga. Ou seja, LANCE MORREU!! Não é um final feliz. Pelo menos na minha opinião…

Fringe cometeu este mesmo erro ao inutilizar toda uma temporada quando alterou o passado. Tudo o que os personagens passaram depois da invasão dos Observadores não existiu e, sendo assim, Olívia Dunham, Peter Bishop, Walter Bishop, Phillip Broyles, Astrid Farnsworth e Nina Sharp que assistimos na quinta temporada simplesmente desapareceram.

frie1Não ter consciência da vitória torna-a nula para os vencedores. De fato, ela só existiu para nós, os espectadores (e para a o garoto careca e Walter Bishop). Ou seja, o Peter feliz da cena final nunca terá noção da grandiosidade de suas ações. O que, para mim, seria fundamental.

Claro que esta análise só é útil àqueles que imergem de verdade no mundo ficcional, àqueles que aceitam a simulação, enquanto a assistem, como uma realidade possível. Caso contrário, não passará de mimimi de fã boladinho.

Gustavo Audi

Se fosse uma entrevista de emprego, diria: inteligente, esforçado e cujo maior defeito é cobrar demais de si mesmo... Como não é, digo apenas que sou apaixonado por jogos, histórias e cultura nerd.

Este post tem 5 comentários

    1. Gustavo Audi

      Claro que o fim da quinta temporada não estragou a série toda, mas eu esperava um final mais interessante (apesar deles terem cavado esta sepultura desde a quarta temporada).

  1. Aviso prévio

    Ficou boladinho!!
    E a toa, pra piorar.
    Isso já tinha acontecido com o próprio Peter qnd foi “apagado da existência” pela máquina do fim do mundo.
    A própria história da máquina do fim do mundo, de como o Dr Bishop joga suas peças em um vortex temporal para proteger a tal tecnologia de nem lembro o quê.
    Todas essas histórias junto com o final da série me fizeram ver que eles simplesmente curtiram o lance da viagem no tempo como recurso salvador dos seus roteiros. É um problema? Talvez. Mas é pra todos os roteiristas que têm que lidar com esse tipo de história.
    Na minha opinião de merda, acho que não prejudicou em nada a série, já que era um elemento presente nos roteiros das temporadas anteriores.
    Só uma coisa me perturbou um pouco. Pq a choradeira com a ida do Dr bishop na missão com o garoto?! Se a missão desse certo ele resetaria toda a história, eles teria a filhinha deles e o Dr Bishop da época estaria lá com eles tb!!! Só isso pra mim soou estranho.

  2. Fernando Reis

    Sei que este post é antigo. Mas não pude deixar de logar e comentar sobre o post.
    A sua explicação é bem próxima da que cheguei em relação a consciência dos personagens após a linha de tempo ser apagada. Mas a forma que vc explicou o quão importante é isso, usando inclusive equações foi magnifica.

    Parabens pela analise, acompanharei o blog daqui em diante.

    1. Gustavo Audi

      Obrigado, Fernando.
      Espero que goste dos outros posts também!

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