O Rebu e a renovação da linguagem televisiva

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De quantos capítulos é feita uma telenovela?

No últimos anos, a Tv Globo vem reduzindo a quantidade de capítulos das novelas do horário nobre, de 200 para cerca de 180. 150, em alguns casos. Ao mesmo tempo, ampliou a oferta de programas mais enxutos, de reality shows como Superstar a programas de auditório como Esquenta. E, é claro, as séries originais. Acostumando a audiência ao regime de temporadas, comuns a seriados estrangeiros, a emissora tem programado quantidades varíaveis de atrações populares como A Grande Família, e Tapas e Beijos.

Tratadas nas últimas décadas como biscoitos finos da emissora, as minisséries originais tinham capítulos diários, com exceção das segundas e finais de semana, e entravam no ar após a primeira ou segunda linha de shows, durando cerca de dois meses.Distinguiam-se das novelas diárias pela maior objetividade da trama, teor mais adulto em razão do horário e maior requinte de som e imagem. Podemos usar da mesma distinção para falar das novelas atualmente exibidas às 23h.

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Embora se inclua entre elas, O Rebu tenta consolidar a imagem de produto bem acabado, de novidade, de algo além. A própria Tv Globo tratou seu capítulo de estréia como episódio, numa tentativa de distinguir e qualificar o programa. O Rebu, como as mais recentes novelas exibidas nessa faixa de horário, apropria-se do título e da ideia principal de um antigo sucesso da emissora, na tentativa de criar uma rápida identificação com um público saudosista em potencial. E, assim como as demais novelas das 23h dessa nova fase, apenas usam a novela anterior como base para elaborar um produto totalmente novo, acrescentando temais atuais e polêmicos, e experimentando bastante na fotografia, trilha sonora, figurinose direção de arte.

Com poucos capítulos ou episódios exibidos até o momento, há pouco o que dizer da obra como um todo. Porém, analisando a estréia, incluindo abertura e gancho final, posso dizer que alcançaram o que se propuseram: causar uma rara sensação de estranheza, o que é louvável. A narrativa, belíssima e corajosa, é fragmentada. A trama toda se passa durante uma grande e privativa festa na casa de uma milionária, na qual ocorre uma misteriosa morte. Flashbacks vêm e vão, a fim de encaixar as peças do quebra-cabeças.

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Os tempos e os climas se misturam, a ambiguidade é a tônica. Numa cena, a chuva cai pesada e triste, e os personagens parecem refletir isso. Todos são suspeitos, e cada um esconde algo, aparentam uma cara para uns, outras mil faces para outros. Há muito ódio e desespero, mesmo no que parece ser a parte romântica da história. Atores consagrados, como Camila Morgado, se misturam a promessas vindas do cinema,  como Jesuíta Barbosa. Ela veste um brilhante vestido e, entorpecida, alterada, sonha acordada com um misterioso rapaz, que, vestindo preto, afasta-se da festa tão misteriosamente quanto a adentrou. Sophie Charlotte, filha da anfitriã, canta ao microfone seu amor, com lágrimas escorrendo pelo rosto. Tudo é névoa a seu lado. Cássia Kiss Magro range os dentes para a anfitriã, Patrícia Pillar.

O meu amorzinho aqui do meu lado lembrou de Twin Peaks, a série de David Lynch que perguntava quem havia matado Laura Palmer na cidade homônima, mas, na verdade, voltava-se para o âmago de cada um de seus habitantes, envoltos em infinitas estranhezas.A fotografia ora esmaecida, ora brilhante, em elegantes tons de preto e azul, me transportaram à velha prática de revistas em quadrinhos com teor adulto de violência e temática (leia-se selo Vertigo, da DC Comics), de colorir a pele dos personagens com cinzas de toda ordem, a fim de aproximá-los da nossa realidade, em que as certezas e as dúvidas seguem misturadas.

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A trilha sonora é recheada de sucessos dos anos 80 e 90, e a síntese da excelência audiovisual do programa é a perfeitamente editada e produzida cena em que, através de sucessivas postagens e curtidas em redes sociais, os convidados registram a grandiosidade da festa e a miríade de sensações experimentadas nela.

Continuando o suspense, a lente de uma luneta, provavelmente, do visor acoplado ao cano de uma arma, acompanha a anfitriã vagarosa e silenciosamente. Da aflição que sentimos brota um tiro, que atravessa o vidro da janela, estilhaçando-a na bela manhã após a festa.

E isto encerra o capítulo, episódio mais recente da renovação da linguagem da televisão brasileira, em novelas, minisséries e seriados.

Rodrigo Sava

Arqueólogo do Impossível em alguma Terra paralela

Este post tem um comentário

  1. JJota

    Não vi nada disso aí, mas Gabriela foi ruim de doer. Lixo total, desde o texto – adaptando muito mal uma das histórias mais “leves” de Jorge Amado – até a escolha equivocadíssima da maior parte do elenco.

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