Os níveis de jogo do BBB (ou, como um programa “fútil” pode ser bem complexo)

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Fala, galera que curte espiar, mas que não chega a ser voyeur! Hoje, trarei para vocês o post da nossa colega Letícia Perani que, diferentemente do restante do mundo, busca analisar o BBB com um pouco mais de propriedade. Caso seja do interesse de vocês, leiam e polemizem por aqui!

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Ano passa, ano entra, e um velho conhecido dos brasileiros volta às telas das nossas TVs: o Big Brother Brasil, adaptação nacional de um reality show criado na Holanda pela produtora Endemol em 1999, com uma premissa simples: colocar desconhecidos dentro de uma casa, que é completamente cercada por câmeras, observando suas reações e interações ao longo de um determinado tempo. As edições do Big Brother são realizadas em todo o mundo por diversas emissoras, respeitando diversidades culturais e religiosas, como no caso do fracassado BB feito para países árabes, que tomava cuidados para não ofender dogmas do Islamismo (separando mulheres e homens em quartos diferentes, por exemplo), mas foi retirado do ar, completando apenas 11 dias de exibição.

Como neste caso do Big Brother árabe, o programa é frequentemente criticado pela sua “futilidade”, se baseando em corpos sarados, brigas e sexo para atrair telespectadores. Escapismo e puro lixo televisivo? As raízes do BB mostram que o buraco é muito mais embaixo: o programa foi baseado em experimentos psicológicos conduzidos há anos por universidades de todo o mundo, e o próprio nome Big Brother traz algo de erudição em si, ao relembrar o clássico livro 1984, de George Orwell; na obra do escritor inglês, que descreve uma sociedade totalitária e repressora, os cidadãos são observados o tempo todo por telas de vigilância, que seriam extensões do Grande Irmão (no original em inglês, o Big Brother), o líder supremo, e a frase mais repetida pelos órgãos de vigilância era Big Brother is watching you – o Grande Irmão está vendo/vigiando/assistindo você. No caso do programa da Endemol, o Grande Irmão é o telespectador, que monitora os acontecimentos da casa, observando e julgando todas as atitudes dos participantes. Ou seja, referir-se aos participantes do BBB como “brothers/sisters” é uma patetice inventada pelos selecionados tupiniquins, e que acabou sendo adotada pela Rede Globo, a detentora dos direitos de exibição do Big Brother no Brasil.

Eu devo admitir que sou uma telespectadora assídua do BBB, que é para mim um guilty pleasure mais do que assumido. Entretanto, mais do que assistir barracos ou esperar resultados de eliminações, o Big Brother me interessa em sua dimensão lúdica – a profundidade do jogo apresentado na televisão. E há profundidade em um reality show? No caso do BB, eu acredito que sim, e posso ver claramente pelo menos quatro níveis de jogo bem definidos dentro do programa:

1) O jogo em si: se o Big Brother é um jogo, a primeira coisa que temos que saber dele são suas regras. Nenhuma atividade competitiva funciona sem regras, é um requisito básico. Desta forma, existem dois conjuntos de regras no jogo BB, as regras gerais e as que eu chamo de “regionais”. As regras gerais são aquelas estabelecidas pela Endemol, e que definem a franquia Big Brother em todo o mundo: o isolamento dos participantes, a retirada de referências de data e hora, a existência de eliminações, as edições contando os acontecimentos do dia/semana. As regras “regionais”seriam aquelas adotadas por cada emissora em seu país, como as exigências contratuais para os participantes, provas, surpresas colocadas para movimentar o jogo (twists), como são feitas as eliminações, entre outras. Por exemplo, as agressões físicas, muitas vezes observadas nos BBs eslavos (é só procurar no YouTube vídeos de edições da Rússia ou da Sérvia), são terminantemente proibidas no Brasil; já em relação ao isolamento dos participantes, o BBB se mostra mais flexível do que em outros países, com as ocasionais saídas dos participantes para provas envolvendo patrocinadores, ou para aproveitar recompensas conquistadas no jogo. As regras do Big Brother dão o amoldamento do jogo e do programa, e estabelecem os limites a serem observados pelos participantes, que devem assim construir suas estratégias para a vitória final: ser o último a permanecer na casa.

2) O jogo social entre os participantes: Uma das premissas do BB é permitir a observação das interações que ocorrem entre os jogadores, sejam elas estratégicas (alianças e combinação de votos), amistosas, conflituosas, românticas ou meramente de atração sexual. No formato de jogo do Big Brother, no qual os participantes votam entre si para definir os possíveis eliminados, ter um bom jogo social é fundamental para o sucesso do jogador. Cada participante escolhe uma forma de se relacionar com os seus pares, sendo mais expansivo ou mais recluso, mais dissimulado ou sincero, e desta forma as alianças de afinidade vão sendo construídas ao decorrer do jogo.

3) O jogo dos participantes voltado para o público (“para fora”): cada participante do Big Brother se apresenta de uma maneira peculiar para os telespectadores, buscando conquistar uma torcida que garanta sua permanência no jogo, ou o seu sucesso artístico/financeiro após o termino do programa. No Brasil, vários personagens construídos pelos participantes no BBB (de forma consciente ou até inconscientemente) conquistaram o público e se tornaram arquétipos sempre repetidos em edições posteriores, como o caipira ingênuo, o galã gentil, a gostosona gente-boa, o LGBT irreverente. Jogar para o público é um nível de jogo que ganha uma importância crucial em BBs que têm como regra votações populares para eliminar participantes, como o BBB, e a estratégia a ser elaborada neste caso é um tanto complexa, pois o jogador também deve estar sempre atento aos resultados das provas e eliminações, combinando-as com o jogo social dentro da casa – a percepção dos pares em relação ao jogo de um participante pode ser completamente diferente à percepção do público, o que influencia de forma direta o sucesso ou fracasso das táticas estabelecidas.

4) Os jogos sociais entre os telespectadores: procure BBB no Google e imediatamente aparecerão blogs e fóruns dedicados a analisar e discutir todos os aspectos da edição corrente. No Brasil, estes espectadores que participam de discussões online são chamados de “Comunidade BBB”, ou “netbbb”, e se dividem basicamente em dois tipos: os blogueiros e comentaristas de blog mais sérios e analíticos, que tomam torcidas por participantes e os defendem ardorosamente; os blogueiros e comentaristas voltados ao humor, que mesmo ao assumirem torcidas, procuram ver o jogo Big Brother com descontração e mais acidez. Nestes espaços de intenso engajamento, sujeitos a brigas entre os seus colaboradores, guerras entre blogs com opiniões contrárias e até disputas judiciais, as pessoas desenvolvem sua visão sobre o que está acontecendo no programa, fazem associações entre os acontecimentos e buscam desvendar as relações entre os jogos sociais e “para fora” dos participantes. Esta foi a conclusão que o pesquisador Steven Johnson chegou, ao analisar uma comunidade estadunidense de discussão do reality O aprendiz.

Provavelmente, você levaria uma vida inteira para ler todas as reproduções de discussões semelhantes, tanto on-line quanto off-line, que se seguem como resultado desses programas. A ortografia não é perfeita e a gramática deixa a desejar, mas o nível de entrosamento cognitivo, a ânsia de avaliar o programa por meio das lentes da experiência e da sabedoria pessoal, o foco firme nos motivos dos participantes e nas falhas de caráter – tudo isso é incrível (…) Você não viaja defronte a programas como O aprendiz. Você joga junto.

 

É só mudarmos o foco do conteúdo e juntar estes quatro níveis de jogo do Big Brother, e desta forma teremos um programa de complexidade razoável, com um grau de engajamento mental que é raro de ver em programas televisivos. Muito além da futilidade ou do voyeurismo explícito, o BB apela mais para o interesse natural dos seres humanos pelo ato de jogar, e todos os seus desdobramentos. É por isso que vou continuar sempre dando a minha espiadinha…

Link original do texto.

Letícia Peranni

 

Administrador Iluminerd

A mais estranha figura nesse grupo: não posta, não participa de podcast, mas foi ele quem uniu todas as pessoas dessa bagaça...

Este post tem 12 comentários

  1. Don Vittor

    Na minha humilde opinião, essa é a melhor análise que vi sobre o BBB. Anos luz a frente de qualquer outro blog safado rs

        1. Don Vittor

          Também gostei do dela, mas faz parte da minha faceta escrota de quarta a noite rs

      1. Don Vittor

        hahahahahahahahahah Foi apenas uma provocação gratuita e barata AAUAUHAHUAUAUHAUHUAHUAHUAUAH

  2. Simplesmente assino embaixo. E ainda vejo que, no Brasil, o Big Brother tem uma profundidade que revela uma das maiores facetas do que se pode chamar de brasilidade (mas, como sempre, não vou dizer qual é, bwahahahahahaahaha!).

  3. Renver

    Interessante. Bom post.

    Mas ainda prefiro jogar meu DS, ler uma HQ boa, ler um livro ou beber com minha namorada…

    Nunca vi nenhum reality show inteiro!!! e prefiro continuar assim. De convívio social analítico já basta o meu trampo…

  4. Edu Aurrai

    “Muito além da futilidade ou do voyeurismo explícito, o BB apela mais para o interesse natural dos seres humanos pelo ato de jogar, e todos os seus desdobramentos.”

    Pra mim isso tá parecendo um certo colega querendo achar referências histórica/mítica/filosóficas em um certo filme, do qual não vou citar.

  5. Edu Aurrai

    Big Brother Brasil = Escolha um grupo de pessoas insuportáveis, de preferência aquelas “universo no umbigo”, e tranque-os em uma casa. Soquem bebida alcóolica neles e torça para que se peguem (nos gritos, na cama, na porrada, qualquer um desses é lucro). Chame de jogo.
    BB no Brasil é uma evolução das novelas chinfrins. Uma ode a uma das maiores capacidades do brasileiro que é a de “cuidar da vida dos outros”.

  6. JJota

    Assistir BBB é uma temeridade. Prefiro ir no youtube e digitar “melhores momnentos das gatas do BBB na piscina”. Pronto! Tudo o que interessa no programa está lá, editado.

  7. Renver

    Imagina se desse uma pra apocalíptica e só sobra-se esses caras pra recomeçar a humanidade…

    meu deus estaríamos condenados… 2x!!!

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