Pornografia e o Festival do Rio 2014

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Um dia estranho. O de hoje. O de amanhã. E por que não o de ontem? Contudo, cronologicamente não faz mais sentido. Agora é apenas uma crônica censurável que vai e volta no tempo. Perambula pelos dias 27, 28 e 29 de setembro de dois mil e catorze.

Na verdade, tudo retorna para 2012, quando resenhei para o Iluminerds outro exemplar da cinessérie Fucking Different (que pode ser traduzido como ‘diferente pra carvalho’ ou ‘transando diferente’), e meio que me decepcionei, resumindo o sentimento: “Prometendo derrubar clichês eróticos e retratar o sexo de maneira explícita e com humor, o filme derrapa na própria proposta e apresenta mais do mesmo. Quero dizer: Apresenta um pornozinho safado (no sentido de cretino), e só”.

Corta para 28/09/2014. Domingo estranho, conforme vocês saberão amanhã *. Ficou ainda mais quando soou meia-noite. Passava Fucking Different XXY, e não era reprise, era outro filme. O guia oficial do Festival do Rio anotava que o idealizador e produtor da série, Kristian Petersen, convocou “cineastas transgêneros de diferentes partes do mundo para realizar curtas-metragens sobre aspectos da sexualidade que fossem alheios às suas próprias concepções de gênero”.

O Estação Botafogo 1 já havia abrigado uma sessão acalorada do novo filme de Larry Clark na madrugada anterior, com direito a corpos nus suados em movimentos frenéticos.

Larry Clark conquistou o mundo com sua visão da adolescência em Kids, no anos 90. Sua arte, o encontro entre o cinema e a fotografia, trata dessa fase repleta de hormônios e sexualidade e impulsividade.

Dez anos atrás, pessoas também se levantavam e deixavam uma das salas do Festival durante a sessão de um de seus filmes. Era Ken Park e suas cenas de masturbação explícitas. Agora, O Cheiro da Gente e seus jovenzinhos franceses exibicionistas, vivendo a era da informação. People gone. People goes by.

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Volta pro domingo. Notável a liga entre minidocumentários, depoimentos biográficos e segmentos pornossurrealistas. Uma aparente senhora revivendo a loucura de seus passos. A lembrança de um clube privativo para lésbicas numa Nova York pré-higenização-Rudoplh-Giulianni, cujo aroma sustentado no ar de seu interior recende em suas narinas até hoje, reacendendo velhas sensações há muito amenizadas, e: um ensaio foto-pornográfico repleto de elementos simbólicos distribuídos entre figurinos, objetos de cena e o próprio corpo dos atores/modelos de gêneros múltiplos, acompanhados de montagem clipada e ritmada e trilha eletrônica hipnótica.

A segunda-feira, dia 29, foi igualmente sui generis. Pelo fato de haver pessoas saindo cedo do trabalho para lotar a pequena sala do Estação Botafogo 3, que passou, às 17:45, Qual é seu trabalho, papai?.

Simplesmente um documentário sobre um diretor de pornôs que resolve registrar sua rotina de trabalho e questionamentos, sendo o principal deles se deve continuar ou não a fazer esse tipo de filmes, uma vez que seus filhos estão crescendo e logo perguntarão o que ele faz da vida.

Qual é o seu trabalho, papai? é um filme ágil, que consegue ser leve e divertido mesmo sugerindo cenas pesadas e mostrando algumas partes pudendas. O diretor, HPG, já na casa dos “enta”, revela toda sua ambiguidade, desde as dúvidas sobre a fidelidade no casamento, até o “machismo” revelado quando sua esposa resolve “atuar” de surpresa em um de seus filmes.

Mas ainda estamos no domingo. Aquele domingo estranho em que passou Fucking Different XXY. Parecia que eastavam revivendo os últimos dias do Bruni-Méier e Cine Íris, em sua fase, digamos, explícita.

get.doO que dizer de velhinhos levantando-se e dando a volta na sala para sentar na mesma fileira, do lado oposto? E de seguranças observando a movimentação na sala? Quem sabe, esperando um “movimento” mais ousado de uma parcela do público, antecipando um entusiasmo que (ainda bem!) não vi perto de mim.

Os funcionários do cinema alertavam, do lado de fora da sala, com alentado sarcasmo, uns para os outros, para não se aproximarem da sala (durante a exibição do filme), como se uma floresta exótica repleta de animais selvagens no cio estivesse a poucos passos dali.

*Nada de spoilers, garotada. Voltem amanhã e saberão o que tornou o domingo estranho.

Rodrigo Sava

Arqueólogo do Impossível em alguma Terra paralela

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