Iluminamos: Preacher – A Caminho do Texas

Você está visualizando atualmente Iluminamos: Preacher – A Caminho do Texas

Quando comecei a ler The Boys fiquei muito tentado a declarar aquela série a obra-prima de Garth Ennis. De vez em quando me empolgo muito com alguma coisa – normalmente por méritos totais do objeto – e cometo este tipo de heresia. Certa vez, cheguei a considerar A Liga Extraordinária superior a Watchmen, mas, em minha defesa, devo acrescentar que tal opinião durou uns dois minutos – tempo que levei pra me lembrar de cinco ou seis momentos extremamente marcantes de Watchmen – e que já conheci gente que considera (veja bem: considera) que o cargo de melhor coisa já produzida pelo inglês cabeludo é de Promethea.

Garth Ennis, roteirista por trás de Preacher, A Pro, The Boys e algumas das melhores histórias do Justiceiro e Hellblazer.
Garth Ennis, roteirista por trás de Preacher, A Pro, The Boys e algumas das melhores histórias do Justiceiro e Hellblazer.

O mesmo ocorreu com The Boys: poucos minutos depois comecei a lembrar de Preacher e esta, rapidamente, voltou a ocupar seu posto de obra máxima do polêmico roteirista. Ora, se na primeira série Ennis esculhamba os heróis – uma forma de criticar a indústria de quadrinhos –, na segunda ele  critica veementemente o mundo real (religião, preconceitos, relações familiares doentias, taras escrotas, etc.). Além disso, Preacher é instigante, perfeita, com intermezzos extraordinários, personagens incríveis e situações bizarras capazes de fazer o Besouro Suco vomitar.

"Então, talvez eu deva procurar um bar... Porque uma coisa eu tenho certeza: na igreja ele (Deus) não está." - Jesse Custer -
“Então, talvez eu deva procurar um bar… Porque uma coisa eu tenho certeza: na igreja ele (Deus) não está.” – Jesse Custer –

Ah, e Preacher tem Steve Dillon!

Dillon, além de Preacher, desenhou Justiceiro, Hellblazer e Wolverine.
Dillon, além de Preacher, desenhou Justiceiro, Hellblazer e Wolverine.

Sou fã de Darick Robertson, mas Steve Dillon era o desenhista quando fui apresentado ao texto de Ennis (claro que foi em Justiceiro) e foi este o motivo que me fez comprar este encadernado quando o vi na banca: era a mesma dupla que estava fazendo as histórias mais hilárias e politicamente incorretas que eu já tinha lido com o anti-herói da Marvel. Eu precisava saber o que estes sujeitos aprontavam atuando em um universo próprio.

"A última coisa que eu esperava era isso. Bebida, sim. Drogas, também. Aquela puta magrela com um eco entre as pernas, tudo bem. Mas um pastor?" - Tulipa O'Hare -
“A última coisa que eu esperava era isso. Bebida, sim. Drogas, também. Aquela puta magrela com um eco entre as pernas, tudo bem. Mas um pastor?” – Tulipa O’Hare –

Considero Preacher um “exemplo de número 1”. Na primeira página já encontramos os três principais personagens da saga, o texano fã de John Wayne, Jesse Custer, a loira desgrenhada. Tulipa. e o irlandês vampiro e beberrão (bom, já disse que ele era irlandês) Cassidy. Em poucas páginas já temos delineada a personalidade de cada um deles. Ao mesmo tempo, o roteiro instiga o leitor, apontando que todos têm histórias ocultas e segredos. Os autores também introduzem (eita!) a trama de forma bem executada, usando o artifício de colocar os três protagonistas narrando o encontro, um bate-papo na mesa de uma lanchonete, alternadamente. Ennis ousa e vai preenchendo (eita!²) as pequenas lacunas, antecipando para o leitor aquilo que os três principais ainda não sabem.

“Tu viu o que ele fez com os tiras, não viu? Se isso é o mais simples que ele faz, o céu é a porra do limite. Imagine: ‘Srta. Crawford, Srta. Schiffer, prometam ao meu amigo irlandês muito conforto e o lambam inteirinho. Sr. Jagger, põe a coca do Keith num 747. Depois assina o cheque.’” – Cassidy -
“Tu viu o que ele fez com os tiras, não viu? Se isso é o mais simples que ele faz, o céu é a porra do limite. Imagine: ‘Srta. Crawford, Srta. Schiffer, prometam ao meu amigo irlandês muito conforto e o lambam inteirinho. Sr. Jagger, põe a coca do Keith num 747. Depois assina o cheque.’” – Cassidy –

Neste primeiro encadernado ficamos sabendo como o relutante pastor de Annville, Jesse Custer, é surrado quando, bêbado, começa a “entregar” alguns pecados confessados a ele por cidadãos da cidade. No dia seguinte, com a igreja compreensivelmente lotada, ele é atingido por uma entidade que “funde” sua alma com a dela, matando todas as pessoas presentes em uma explosão.  Custer é resgatado dos escombros por Tulipa, uma ex-namorada que passava coincidentemente por perto da cidade com Cassidy, que lhe deu fuga após uma frustrada tentativa de assassinato. Cercados pela polícia, eles fogem quando Jesse descobre que pode dar a sua voz uma entonação que impede que qualquer ser o desobedeça.

"(Matei aquelas pessoas porque) Mantive uma promessa que fiz prum sujeito lá fora. Também imaginei que isso não arranharia a minha reputação. Santo dos Assassinos é como me chamam."
“(Matei aquelas pessoas porque) Mantive uma promessa que fiz prum sujeito lá fora. Também imaginei que isso não arranharia a minha reputação. Santo dos Assassinos é como me chamam.”

Ao mesmo tempo, descobrimos  a origem de Gênesis, a tal entidade, que fugiu do “Paraíso”, onde estava aprisionada. Seus guardiões então convocam o Santo dos Assassinos – a nova encarnação do Anjo da Morte – pra encontrar Gênesis e a pessoa com quem ela está fundida e matá-los.

“Fofê fá fafanfo fofifo! Feu Fai fá fafanfo fofifo!” – Cara de Cu –
“Fofê fá fafanfo fofifo! Feu Fai fá fafanfo fofifo!” – Cara de Cu –

Perseguido pelo Santos dos Assassinos e pelos policiais do racista e ignorante Xerife Root, Custer usa seu poder para, interrogando um anjo, descobrir que Deus havia abandonado o paraíso e todos aqueles que confiavam nele, e se escondido na terra. Enfurecido pelo que considerou um descaso divino, Jesse, com seus amigos, resolve sair em busca de Deus para forçá-lo a se explicar. No processo, acabam adquirindo um novo perseguidor, o Cara-de-Cu, filho do Xerife Root.

"Eu não bati no filho da puta para roubar a cerveja dele. Eu bati nele porque ele me chamou de caipira filho de uma puta. Deve haver um modo mais polido de perguntar se podemos beber na hora de fechar, não acha?"
“Eu não bati no filho da puta para roubar a cerveja dele. Eu bati nele porque ele me chamou de caipira filho de uma puta. Deve haver um modo mais polido de perguntar se podemos beber na hora de fechar, não acha?”

No segundo arco, também presente neste encadernado, vemos o início da busca, quando Cassidy os leva até New York para encontrar um amigo que é jornalista de bizarrices. Eles acabam sendo envolvidos numa situação com um novo serial killer, o Açougueiro-Carniceiro, e os policiais que o perseguem, o herói durão Paulie Bridges e o pobre John Tool, um cara tão azarado que poderia disputar com Soap – o líder da “Força Tarefa” do Justiceiro criado pela mesma dupla de autores – o título de criatura mais vergonha alheia do universo.

"Ele disse alguma coisa sobre o Papa, então mijei na Harley dele. Sempre fico católico com heroína."
“Ele disse alguma coisa sobre o Papa, então mijei na Harley dele. Sempre fico católico com heroína.” – Cassidy –

Escatologia, personagens inesquecíveis (ainda que nem todos sejam aquilo que podemos chamar de “cativantes”), diálogos altamente ofensivos e fudidamente engraçados, um ritmo perfeito…  Ler Preacher é um prazer renovado, mas que deve ser feito por pessoas que sabem diferenciar uma obra de uma crença religiosa. Sim, porque se você se ofende com observações pouco elogiosas sobre Deus e religião… Bom, passe bem longe disso. Da mesma forma, se você for um desses que acha a América um paraíso e qualquer crítica ao american way of life um pecado grave.

"Eu estou procurando Deus porque acho que ele abandonou a Sua criação. Quero enquadrar ele nas regras por essa pequena transgressão: confrontar ele e ouvir a resposta dele para essa acusação. Ele tem a obrigação de fazer o certo para com o mundo que Ele criou e para com as pessoas que estão nele. Ele desiste e foge, ele não está arcando com as suas responsabilidades."
“Eu estou procurando Deus porque acho que ele abandonou a Sua criação. Quero enquadrar ele nas regras por essa pequena transgressão: confrontar ele e ouvir a resposta dele para essa acusação. Ele tem a obrigação de fazer o certo para com o mundo que Ele criou e para com as pessoas que estão nele. Ele desiste e foge, ele não está arcando com as suas responsabilidades.”

Livre-se de preconceitos e venha ser apresentado ao mundo de Preacher. Talvez não mude sua forma de ver algumas coisas – eu duvido! – mas, com certeza, será uma viagem extremamente divertida.

Preacher – A Caminho do Texas - Roteiro de Garth Ennis – Arte de Steve Dillon – Publicação nacional pela Panini (também teve edições pela Brainstore – em preto e branco – e pela Devir) – Publicado originalmente no Selo Vertigo da DC Comics – 200 páginas – R$ 67,00
Preacher – A Caminho do Texas – Roteiro de Garth Ennis – Arte de Steve Dillon – Publicação nacional pela Panini (também teve edições pela Brainstore – em preto e branco – e pela Devir) – Publicado originalmente no Selo Vertigo da DC Comics – 200 páginas – R$ 67,00

JJota

Já foi o espírito vivo dos anos 80 e, como tal, quase pereceu nos anos 90. Salvo - graças, principalmente, ao Selo Vertigo -, descobriu nos últimos anos que a única forma de se manter fã de quadrinhos é desenvolvendo uma cronologia própria, sem heróis superiores ou corporações idiotas.

Este post tem 23 comentários

    1. JJota

      Muita gente diz isso. Eu fico com o coração dividido em muitos momentos. Mas acho que fora do universo tradicional de super-heróis, ela fica em primeiro, sim.

  1. Belo Resumo Jjota(vindo de você isso ai foi uma ficha literária).
    Preacher foi a HQ, que me abriu os olhos de uma forma geral.

    Sem contar que o Jesse Custer, é o anti-herói definitivo.

    Mais que qualquer justiceiro, Wolverine e qualquer-outro.
    Onde você encontra um esquizofrênico que desce a lenha em babacas que estão humilhando uma pobre deficiente?

    Ainda acho o arco da fazenda, um dos melhores dos quadrinhos. Eu realmente estava com raiva da familia pirada da mãe dele.

    1. JJota

      Olha, no próximo post sobre Preacher vou falar disso aí. Acho foda ali principalmente a forma como ele colocou Deus na história, mostrando o quanto o sujeito era fdp.

  2. Inacreditavel_Neo

    “Você é o tipo de cara que vai numa boate só pra dar a bunda”.

    Hehehehe.

    É nesse encadernado, essa citação?

    1. JJota

      É. Na briga que se segue tem a cena do Cassidy apresentada acima, com ele mordendo o pescoço do cara, o momento em que descobrem que ele realmente é um vampiro.

  3. Rosinha

    Gosto muito de Preacher. O interessante é que Ennis usa seu olhar exterior para fazer de Preacher também uma análise sobre o Texas, e destrinchar alguns dos elementos que compõem a base cultural do estado. Jesse Custer se encontra numa jornada religiosa, procurando seu Deus, passando do interior do Texas até Nova Iorque.

    Os personagens resolvem tudo no tiro, o que logo remete aos cowboys que texanos marrentos. E Custer tem como mentor espiritual o maior de todos os vaqueiros.

    Acho que o ideal é que Preacher seja lido sem preocupações, sempre almejando a máxima diversão descompromissada e sacana, que deve ter sido o principal objetivo do Ennis e Dillon quando começaram a trabalhar nela.

    Uma curiosidade legal é que o título foi planejado para ter sessenta e seis revistas regulares mais seis edições especiais (formando assim o número 666).

    1. JJota

      E tem sim, Rosinha! São 66 edições mensais, mais cinco edições especiais (A História de Você-Sabe-Quem, O Cavaleiro Altivo, Os Bons Companheiros, Cassidy: Sangue e Whisky e Guerra de Um Homem Só) e uma mini-série (O Santo dos Assassinos). Assim, ao lado das 66 edições principais temos também 6 “projetos paralelos”.

  4. Amaro Junior

    Comprei o encadernado “Preacher-Guerra ao Sol” em um sebo daqui por 5 dinheiros ( e um dos encadernados de Ex-Machina pelo mesmo preço)! E tava no plastico ainda!

    Uma coisa que só acontece uma vez na vida! ou quando o dono do sebo é tão conhecedor de quadrinhos que quer vender Heróis Renascem pelo mesmo preço afirmado ser uma raridade!Merecia apanhar ,o desgraçado…

    1. JJota

      Cara, tem dias que você encontra raridades por preços inesquecíveis. Em compensação, tem um sebo em fortaleza que está vendendo O Filho do Demônio, edição da Abril bem surrada, por R$49,00, mesmo tendo uma edição de luxo capa dura ao lado pela metade do valor. Jênios!

  5. Linik

    Embora essa arte esteja umpouco anos 90,a história parece interessante…bem legal e diferente.

    1. Rosinha

      Anos 90? Não, cara. Não mesmo. O traço do Steve Dillon é limpo e definido, porém detalhado nas cenas de violência ou ação. Na arte do Dillon, há sempre desenhos diretos e destacados da paisagem e dos fundos.

    2. JJota

      Linik, Dillon Anos 90. cara? Quem dera a “arte” dos anos 90 fosse assim…

      1. Linik

        PERDÃO,PERDÃO,PERDÃO…ERREI A TECLA EU QUIZ DIZER ANOS 80….N 90,ERREI NA HORA DE DIGITAR.

    1. JJota

      Isso já passou pela minha cabeça momentaneamente… Mas acho que Watchmen deve ser comparado com The Boys. Minha opinião de merda? Watchmen é melhor, mas The Boys é muuuuuuuuuuito mais divertido.

Deixe um comentário