Quadrinhos além das páginas – Debate e entrevista em dois tempos: Hoje, Fábio Zimbres, amanhã, Rafael Coutinho.

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Expoentes do quadrinho nacional, conhecidos pela expressividade e visão de seus trabalhos, os também editores Fábio Zimbres e Rafael Coutinho embrenharam-se num debate sobre os múltiplos caminhos da nona arte na última quarta-feira (5/9).

“Quadrinhos alternativos nacionais”. Esta poderia ser a assinatura no cartão de visitas de Fábio Zimbres e Rafael Coutinho. O primeiro é um experimentador do gênero visto como gênio por seus pares. O segundo, um jovem talento experimentador de narrativas e mídias, que não se acomoda nem fica à sombra do pai famoso, Laerte.

O mediador e também quadrinista André Valente apresentou os caras como os titãs das HQs e das artes plásticas e ainda dedurou o cartunista argentino Liniers, de Macanudo, que teria dito, “se não tivesse conhecido Zimbres ainda estaria na casa dos pais pensando o que fazer da vida”. O homenageado relativizou, afirmando que quando o conheceu, Liniers já era completo.

Editor de arte da inesquecível revista Animal, Zimbres expôs que por vocação, curiosidade ou coincidência, jamais sua carreira de desenhista esteve dissociada da de editor. E que, na faculdade de Arquitetura, já editava um fanzine chamado Brigite. Respondendo ao mediador, disse que não abria espaço para suas HQs na Animal por questões éticas e também porque sempre achou seu trabalho mais apropriado para a MAU (suplemento central da revista, que, tal como um fanzine, reunia tiras, ilustrações, textos, resenhas, cartas e experimentações).

O veterano revelou que não costuma pensar muito no futuro. Não pensa nas tiras que faz como as dos syndicates (entidades norte-americanas que reúnem, representam e distribuem tiras, como as do Popeye), feitas para durar toda uma vida. Ele se entrega à ideia que deseja desenvolver, vendo a HQ como um projeto.

Confessou que mexe com design gráfico por questão de sobrevivência, embora tenha curiosidade. O autor revelou que não assume diferentes personas para cada trabalho que realiza, ainda que pense no cliente quando faz trabalhos comerciais. Disse ainda que nunca pensou em viver de quadrinhos para que sempre tivesse liberdade total, embora ‘Vida Boa’ tenha sido responsável por parte de seu orçamento por um tempo.

Rafael Coutinho questionou a Fábio Zimbres se ele entende que Vida Boa foi publicada dez anos antes do seu tempo, visto que, hoje em dia, estilos tão soltos e nonsenses quanto são aceitos e compreendidos. Zimbres explicou que pretendia que a tira, publicada entre 1999 e 2001 na Folha de São Paulo, e reunida em livro pela Zarabatana Books, fosse algo como Charlie Brown com sitcom. Um leitor chegou a lhe enviar  uma carta dizendo que a tira era um desperdício de Prozac, ele gostou tanto que citou isso na abertura da coletânea.

Zimbres disse que tentou evitar desenvolver séries de piadas nas tiras, que não sabe como Laerte consegue, que não conseguiria fazer uma coleção de piadas como as do Níquel Náusea. O quadrinista achava que a tira Vida Boa seria o mais mainstream que faria. E que ela, meio deprê, meio derrotista, não era muito benquista em São Paulo. Paulistanos não gostam de perder.

Respondendo a Rafael Coutinho, Zimbres confirmou que entrou na Folha através de um concurso, numa época em que apostavam em novos talentos. Uma voz da plateia perguntou porque tiraram Fábio Zimbres e não tiram o maldito Garfield da Folha de São Paulo. Nesse momento diversas teorias se sucederam, comparando a tira do gato gordo, a de Hagar e a do Recruta Zero aos pilares do prestigiado jornal.

Fábio Zimbres disse que não faz HQs há algum tempo e vem sentindo falta. Esclareceu que talvez o tempo longe delas seja um bloqueio e que surgiram coisas novas e interessantes nesse ínterim. Coisas que gostaria de ter feito e não sabe se terá terreno para voltar.

Revelou que, entre os quadrinistas, todos se tratam de desenhistas, pois o desenho é uma linguagem, é como se expressam, e que fica contente de ser conhecido como tal.

Nisso, André Valente disse que vê sua própria geração como mariquinha, por utilizar gráficas para fazer edições mais profissionais, ao invés de se valerem da produção artesanal, como Zimbres fazia. E disse ainda que imprimiu em gráfica uma revista sua no formato das Minitonto (minilivros em formato de bolso que Zimbres editou, de vários autores), temendo levar uma bronca dele pelo preciosismo!

Contudo, Zimbres afirmou que gráficas pequenas são uma boa solução para fazer tais edições. E disse que, se pudesse, as teria usado muitos anos atrás, para editar a Brigite na faculdade. Para ele, o meio não é tão importante, não vê edição xerocada como coisa de macho e edições de gráfica como coisas de mariquinha.

Por um tempo, a ação se concentrou numa tela que projetava trechos de obras de Zimbres armazenados num lustroso notebook, o que permitiu aos palestrantes comentar sobre uma HQ que fez parte de um processo criativo envolvendo música dos Mechanics e ilustrações de Zimbres. Não conhecia a obra e tampouco consegui entender o nome esquisito que foi rapidamente pronunciado algumas vezes.

Finalmente descobri que se trata de uma peça chamada ‘Música para Antropomorfos’, simplesmente um crossover entre quadrinhos e música. Segundo Zimbres, alguns leram o livro de HQ que vem junto com o CD e anunciaram que se casavam perfeitamente.

Outra imagem na tela e Zimbres anunciou que pertencia a uma HQ que fez para um fanzine. Ele havia sido convidado a fazer uma HQ muda, mas como não sabe construir uma historinha sem fala, inventou uns diálogos falsos numa língua estranha para os personagens, para sentir certo conforto. Além disso, segundo ele, os balões compõem mais os quadros.

Daí, o mediador perguntou a Fábio Zimbres se dá trabalho desenhar do jeito que ele desenha. (Como Assim???) Se Rafael Coutinho estivesse usando chapéu, o acessório teria pulado, como nos desenhos animados. Todavia, Zimbres pareceu ter entendido o que quer que André Valente tenha querido dizer e respondeu que a falta de rascunho dificulta seu trabalho, mas que gosta de desenhar como criança, isto é, sentindo que está pronto quando tira a caneta do papel. Sem pré-produção. E finalizou: “É bom desenhar assim, pela surpresa do resultado”.

Leitor destemido! Amanhã acompanhe-nos num breve passeio pela cabeça de Rafael Coutinho, no encerramento desta cobertura especial em que tivemos um singelo desfile de idéias e reflexões sobre as pequenos quadros em sequência acompanhadas de textos e diálogos cercados por quadros, do jeito que os infantes preferem.

Rodrigo Sava

Arqueólogo do Impossível em alguma Terra paralela

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