Sabe de nada, inocente! – A nova era dos artistas capazes de rir diante do espelho

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Como todo meio de comunicação de massa, a televisão agrega valor. Isso vale para estrelas consagradas, musas em ascensão no carnaval e reis do camarote em toda a sua majestade fake.

 A maior parte da fauna midiática conta com aquela singela entrevista no camarote da cervejaria para divulgar seus novos projetos. Ou com o oportuno convite para conceder uma entrevista madrugada adentro na poltrona de um talk-show badalado, a fim de dialogar diretamente com o seu público, revelando um lado mais simples, que não acorda maquiado de manhã.

 Contudo, a realidade é dura. Nem todos conseguem aparecer e mostrar sua versatilidade saltitando por esse caminho de rosas, e acaba surgindo – às vezes acidentalmente – a necessidade de enveredar pela tortuosa estrada do humor televisivo atual, que imaginam como um verdadeiro campo minado.

 É verdade que os programas de humor tradicionais sempre foram generosos com as celebridades em suas participações televisivas, realçando características que as próprias faziam questão de valorizar (no caso das modelos calipígias, paqueradas em quadros do Zorra Total), ou exacerbando traços fortes e pueris delas em imitações e paródias. Ou vai dizer que não lembra da Maria Bethânia cabeludíssima travestida pelo Didi nOs Trapalhões?teresa_nacama

 A cananga é que de uns tempos pra cá os tais famosos, já sofrendo com certa superexposição na Imprensa e nas redes sociais (muitas vezes auto-provocada), tornaram-se alvo frequente de programas de tevê voltados para o humor.

 Divisor de águas na exploração de personalidades, o Pânico chegava a cercar as celebridades com perguntas capciosas e provocações, em alguns casos resultando em agressões físicas e processos judiciais.

 Porém, aposto que a origem desse desassossego são as participações nos programas de auditório. Quem passaria incólume pela Banheira do Gugu ou por um Telegrama Legal? E não há ídolo dos anos 80, do basquete nacional ou da pornografia artística que não ria, chore ou transcenda com a irreverência e anarquia da atual versão hardcore do homem do baú no programa Silvio Santos.

Luiza-Ambiel-e-Tiririca

 E não preciso lembrar que os queridinhos que sentam no sofá da Luciana Gimenez estão ali para uma espécie de terapia em grupo. Aliás, na prática não é necessário ir até o estúdio para ter sua via devassada pelos convidados. Basta estar na novela das oito ou ter sensualizado num selfie com o Justin Bieber servindo de cenário de fundo, que as revistas eletrônicas se sentirão na obrigação de fazer suas orelhas coçarem.

 É parte do cotidiano das celebridades fazer da suas vidas um livro aberto, mas ouvir comentários e piadas sobre elas não costuma ser muito aceito pela maioria. Não é como nos Estados Unidos, em que uma estrela do cinema e da TV, usuária de drogas e cliente de prostitutas (Mr. Charlie Sheen) aceita ir a um show de TV no qual caras como Mike Tyson, Steve-O, Seth Mcfarlane e William Shatner foram exclusivamente convocados para transformar sua trajetória em anedotas bem na sua frente.

 Não há uma versão nacional do programa Roast, do canal Comedy Central, mas é reconfortante saber que algumas pessoas públicas e famosas estão conseguindo rir de si mesmas, de suas idiossincrasias, fazendo graça até mesmo de preconceitos que pululam de boca em boca por aí.

ng charlie sheen roast 190911Parece que na TV, tal iniciativa partiu dos próprios humoristas, que, influenciados pelo humor judaico e pelo stand-up, iniciaram a auto-paródia em seus próprios programas, vide Marcelo Adnet e outros, no extinto Comédia MTV. Ou encenaram autocríticas no ar, como o pessoal do CQC e do Pânico.

 Embora até mesmo os talk shows tenham contribuído para esse momento (Agora é Tarde incluído), talvez pertença aos reality shows a maior parcela da culpa pela atual onda de desencanação de algumas personalidades. Afinal, o que era a Casa dos Artistas, senão o laboratório disso tudo? Sua sucessora, A Fazenda, também, e tudo deságua em Mulheres Ricas, que, ao retratar a irrealidade da vida cotidiana daquelas ladies tupiniquins endolarizadas, apresentou o genuíno desprendimento delas, e algumas de suas verdades, resultando num produto de humor involuntário sem igual por aqui.

 O que nos leva ao, digamos, ápice dessa ainda fresca habilidade da celebridade brasileira de não se levar a sério: a série de comerciais de tevê de um site de classificados, que mostra Narcisa Tamborideguy (sim, do Mulheres Ricas), Supla, Cumpadre Washington, Paulo Gustavo e Sérgio Mallandro como móveis e objetos indesejados para os donos, que podem rápida e facilmente vendê-los através do tal site.

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 A propaganda funciona tão bem que é difícil tirar o jingle deles da cabeça. É tudo de uma simplicidade tão grande que assusta, oculta numa estrutura muito bem arquitetada, que consiste 1) na perturbação provocada pelo objeto indesejado, 2) na simplicidade de, com simples movimentos no computador ou celular, anunciar o objeto no site, 3) na venda rápida do bem, e 4) no reforço de tudo isso através da musiquinha e da assinatura visual do site, que mostra que qualquer objeto pode ser rapidamente vendido lá.

 Oh, e é claro que tal acerto jamais seria possível sem a acertada tiração de sarro que os próprios artistas promovem consigo mesmos, através de um texto acertado que evoca ao mesmo tempo a popularidade de seus bordões e de sua personalidade e a chatice provocada por eles próprios e pela repetição constante dos mesmos.

 Narcisa com seus ‘Ai, que badalo!‘, ‘Ai, que loucura!’, Sérgio Mallandro com seus glu-glus e macarronices, Cumpadi Washington com sua baianice e malemolência cafajeste, Paulo Gustavo com seu atrevimento e verborragia e Supla com sua invocação e atitude roquenrol de revista. Todos únicos e divertidos em suas trajetórias e carreiras, e agora, mais do que tudo, memoráveis pela esportividade.

Rodrigo Sava

Arqueólogo do Impossível em alguma Terra paralela

Este post tem 8 comentários

  1. Aperipê

    “Não há uma versão nacional do programa Roast (…)” Procure por Fritada com Diogo Portugal no google, que você encontra.

    1. Rodrigo Sava

      Verdade, Aperipe. O Fritada do Diogo Portugal, no Multishow, pode mesmo se considerar primo do Roast do Comedy Central. Valeu a chamada 😉

    2. $9217641

      Eu vi o com Alexandre Frota. Coitado dos caras. O Frota humilhou todos eles.

  2. JJota

    O problema é que a grande maioria das celebridades possuem uma visão de si próprias um tanto quanto destoante da realidade (especificando: comprá-las pelo que valem e merecem e vendê-las pelo que elas pensam que valem e merecem faria qualquer um milionário). Então fica um tal do sujeito reclamar porque não estão rindo com ele, mas dele.

    E adoram uma babação de ovo. Se o repórter chega todo humilde, elogiando, dizendo que tem acompanhado seus últimos projetos e tal (mesmo que claramente qualquer telespectador perceba que o máximo que a celebridade está fazendo no momento é “estudar propostas”), aí o sujeito fica todo pimpão, conversador… Não demora e logo ele é alçado a condição de sabe tudo, dando opinião sobre política, futebol, culinária, astrofísica, BBB, etc.).

    Mas aí alguém tira sarro, principalmente dos boçais que, sem enhum motivo, acham que podem ser mau humorados e grosseiros com as pessoas. O pior é que estes ainda saem reclamando da “perseguição” e fazem com que outros tomem as dores. Lembra muito os desenhistas norte-americanos chocados com o que um fã do Capitão América fez com o (desculpem a palavra) Liefeld em uma convenção.

    Em outras palavras, tem gente que quer ter um trabalho de auto-visibilidade, quer ter o sucesso, mas não quer aceitar os efeitos colaterais. Por isso, admiro quem ri de si mesmo. William Bonner um dia foi assediado pelo Pânico. Levou numa boa, conversou, embarcou na brincadeira e ponto final.

    1. Rodrigo Sava

      JJota, acredito que compreender o funcionamento dessa relação malabarística ajuda, e o Bonner é um dos que mais entendem. Em contrapartida, percebo que o Pânico tem procurado chegar com mais leveza nos seus potenciais entrevistados…

      1. JJota

        Tem, Sava, porque eu acho que fica fácil tacar pedra enquanto o seu telhado não é de vidro. Muitos deles hoje são celebridades também e – pelo menos em um caso eu sei – tem tidos tidos reações “estrelinha” por conta do assédio.

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