Era o tempo em que o ritmo saído dos guetos e cultivado pela juventude pobre e sem perspectiva, que achava que o futuro seria morrer jovem em uma guerra nuclear, havia sido cooptado pelo sistema. Os chamados roqueiros agora desfilavam em limusines, tomavam champanhe, moravam em inacreditáveis mansões e discutiam música a sério. Produções cada vez mais elaboradas foram tornando os shows e discos inacessíveis para o público mais novo, distanciando-os daqueles cabeludos que envelheciam e se tornavam aos poucos parte do establishment.
Esta suave introdução (eita!), meus iluminados, é apenas para que os hereges entre vocês deem uma pequena pausa no Restart e percebam a importância do movimento punk, que surgiu com força nos EUA na década de 1970, tendo como principal ícone a banda Ramones.
Com o punk, o rock voltava àquilo que ele era no início: sujo, agressivo, rebelde, divertido e… acessível. Você não sabe tocar? Qual o problema? Você pode aprender três acordes? Pode? Então você pode ter uma banda!
Renasceram os pequenos clubes, onde os artistas tocavam com a platéia apoiando os cotovelos no tablado, dançando de maneira solta, sem pares nem passos predeterminados. O virtuosismo foi considerado de mau gosto. Não haviam telões, efeitos elaborados de luz, coreografias ou nada destas coisas que transformaram a música em shows como o do U2 um detalhe cada vez menos importante.
Não demorou para que o lema do it yourself fosse se espalhando para as mais diversas áreas culturais. Garotos que trabalhavam como office boys, garis ou fiscais da natureza logo estavam criando grifes, montando fanzines (o primeiro, editado por Mark Perry, foi Sniffin’ Glue – Cheirando Cola), empresariando bandas, editando livros, criando filmes…
Na Inglaterra, o movimento punk caiu como uma bomba em uma sociedade que se encontrava culturalmente apática depois dos inventivos anos 1960.
Malcom McLaren resolveu aproveitar a onda pra divulgar a Sex, sua loja de roupas e acessórios provocativos (com uma profusão de suásticas, foices com martelos, mensagens nem um pouco educadas, alfinetes, bottons, munhequeiras…). Ele formou uma banda, chamada Sex Pistols, que não demorou a se destacar por seu visual agressivo (claro que cortesia da loja de roupas do seu empresário), sua atitude grosseira e sua temática anarquista. Suas aparições em público eram normalmente chocantes e não raro terminavam em delegacias.
A banda dividia a idolatria dos fãs entre seu vocalista, John Lydon, conhecido como Johnny Rotten (ou Joãozinho Podre), e o baixista John Simon, eternamente rebatizado como Sid Vicious (Sid Perverso, que foi como o músico ficou xingando Sydney, um roedor que o mordeu e pertencia a Johnny).
Vicious, que era baterista do Siouxsie and The Banshees durante o 100 Club – primeiro festival punk – e depois foi vocalista da efêmera The Flowers of Romance, havia entrado para o grupo no começo de 1977, substituindo Glen Matlock – que havia se desentendido com Johnny por, aparentemente, ser o único que realmente sabia tocar.
O que chamava a atenção para Vicious, com certeza, não eram seus dotes musicais. Afinal, ele não sabia tocar absolutamente porra nenhuma. Foram sua aparência – ele estava longe de ser tão asquerosamente feio quanto a maioria dos outros membros de grupos punk, incluindo aqui seus parceiros – e sua performance no palco que logo o colocaram em destaque. Às vezes, ele nem precisava tocar: há no filme uma passagem hilária, antes do seu envolvimento com heroína, em que ele sobe ao palco e não consegue conectar o seu instrumento nas caixas de som, o que não o impede de permanecer lá.
O filme é Romeu e Julieta versão punk. Nele, vemos o virgem Vicious se envolvendo com a prostituta, viciada e groupie Nancy Spungen. Não demorou para que Sid, que já fumava maconha, tomava anfetaminas e bebia demasiadamente, se envolvesse com a heroína. A relação de ambos terminou sendo regada a sexo, drogas, escândalos e violência.
Paralelamente ao envolvimento dos dois, acompanhamos alguns momentos dos Sex Pistols, como o show que eles deram em um barco numa tentativa – obviamente afrontosa – de driblar uma restrição que os havia proibido de “tocar em território inglês” . Atenção para o melhor momento de Andrew Schoofield como Johnny Rotten.
Na tela fica claro que Nancy não gozava de prestígio junto aos demais membros da banda – ela é descaradamente antagonizada por Rotten – não apenas por ser uma péssima influência para o inexperiente rapaz que se escondia sob a casca punk, como por começar a intrometer-se em assuntos da banda, alegando estar tentando “valorizar” Sid.
Durante uma turnê nos EUA – que McLaren (David Hayman) consegue manobrar pra que ela não acompanhe, apesar de ser norte-americana – a situação fica insustentável. Doente de saudades (e vigiado pelos companheiros para não se envolver com drogas pesadas), Vicious fica bêbado a maior parte do tempo, criando constantes atritos no palco por estragar os shows. Depois de algumas tentativas de reconciliação, o grupo acaba.
Passamos ao estágio final, onde Sid tenta uma carreira solo, empresariado por Nancy, e se muda para os EUA, onde mergulham mais fundo no vício até a misteriosa morte da garota, encontrada esfaqueada no banheiro do pequeno quarto de hotel que ambos dividiam.
O filme é honesto ao retratar os efeitos do vício nos protagonistas, o baixo nível a que eram capazes de chegar em busca da próxima dose e a completa desorientação que acometia ora um, ora outro.
Gary Oldman entrega uma performance de alto nível, passando de forma crível as diversas personalidades (ou a falta delas) que Sid parecia trazer dentro de si. Chloe Webb – no papel que quase ficou com Courtney Love – não fica atrás: é incrível como você trinca os dentes de ódio com seu personagem em uma cena pra, na seguinte, sentir o coração amolecer vendo aquela pobre garota bobona tentando acertar alguma coisa na vida.
Alex Cox, diretor e roteirista, teve que polir algumas coisas para tornar o filme mais palatável e conseguir financiamento e distribuição. Há menos palavrões, sujeira e miséria do que foi na realidade. Também praticamente sumiram as suásticas que eram profusamente usadas pelos punks ingleses nos anos 1970.
O fim poético do filme é justificado por uma lenda: dizem que Vicious havia manifestado sua vontade de que, se um dia fossem contar sua história, arrumassem uma forma para que ele terminasse junto a Nancy, tendo o final feliz que o vício desregrado lhes negara.
Na vida real, ele também teve dificuldades para poder ficar junto de sua amada. Encontrado morto por overdose no banheiro da casa de sua mãe, em 2 de fevereiro de 1979, ele pediu, através de um bilhete, para ser enterrado, vestindo sua jaqueta, botas e calças jeans, ao lado daquela que foi seu único amor.
No entanto, como Nancy era judia, as autoridades religiosas não permitiram que ele fosse enterrado ao lado dela. Ele foi cremado e dizem que suas cinzas foram jogadas por sua mãe sobre o túmulo dela.
Pronto. Agora podem voltar a ouvir Restart.
Sex Pistol + Vivienne Westwood = <3
Sorry, meu lado estilista gritou mais alto! hahaha…
Ainda não vi o filme. Aliás, eu nem sabia que tinha o filme!
O movimento punk foi um dos mais influentes em se tratando de estilo e revolução. Muito do rock é inspirado no punk. Cada época com a sua vertente mais forte, mas assim como o Heavy Metal, o Punk Rock também traz muito dessa herança Rock N´Roll, além de ser ponto de estilo até hoje.
Ótimo post, Jota Jota! 🙂
Fiz o post ao constatar que, realmente, muita gente NUNCA ouviu falar deste filme. E, sinceramente, acho que o punk resgatou aquilo que o rock estava perdendo de inquieto e acessível.
jjota, acho que os misfits e o damned botam todos os outros punks no chinelo
OU EU ESTOU ERRADO?
dessa época, consigo ouvir tranquilamente tanto o punk quanto o progressivo. não escolho um lado ou outro. porém concordo que o progressivo deixa a música meio inacessível, mesmo…
mas pior tá agora. a música não está NEM acessível, NEM trabalhada. tá horrível!
Max, os Pistols tem aquele apelo que outras banda punk não tiveram, muito por causa de Sid Vicious (que, dentro do mundo do punk, poderia ser considerado galã) e sua história trágica.
Escuto rock (e outros ritmos musicais) e muitas vezes uso o estômago pra acrescentar as minhas playlists pessoais. Tem música que gosto da letra, outros gosto da batida, algumas o vocal ou uma guitarra ou um baixo me cativam e há até aquelas que o videoclipe me fez gostar da música. Logo, ouço punk, metal, progressivo…
O grande problema do progressivo, pelo que estudei da época em que surgiu o punk, foi que em algum momento os caras começaram a fazer uma música tão elaborada que ninguém mais podia pegar sua guitarra, chamar dois os três amigos e ir pra garagem tocar as músicas da sua banda. Rock estava virando música de conservatório. E os caras fazendo toda aquela pose de ricaços, andando de limusines, morando em mansões, viajando pra lá e pra cá em jatinhos particulares…
Mas concordo com você. Acho que a última coisa boa mesmo que ouvi no rock esteve na trilha sonora de Traispotting. De lá pra cá…
Esse filme terá um concorrente de peso quando Isso é Calypso fizer sua grande estreia.
Guardem minhas palavras.
Já pode entrar em desespero?
Aguardemos mais um pouco.
Desgraçado, maldito, fdp…
faz muito tempo que vi esse filme, nem lembro mais
como não morro de amores pelo sex pistols, vou assistir com certo distanciamento
Parabéns Jotinha, ótima matéria. Gary Oldman, como sempre arrebenta. Engraçado como a história se repete, Jim Morrison e Pamela Courson, Kurt Cobain e Courtney Love, Sid Vicious e Nancy Spungen, amor, ódio, drogas e rock’n roll 😉
Joelma e Chimbinha, Jane e Herondy, Luan e Vanessa…
http://www.youtube.com/watch?v=2CsgSkafars
bem seu gosto musical né Neo? kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Neo, me faz um favor? Morre, fdp!
filme do caralho…
E Pistols é muito foda!
o/
Curto muito, cara. E o Oldman incorpora o Sid.