Um conto de Natal – o dia em que ganhei o Street Fighter II para Mega Drive

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O apartamento onde morava estava em obras. Na verdade, obras é exagero, estávamos pintando as paredes, mas era o suficiente para amontoar os móveis nos centros dos cômodos e cobri-los com um pano branco (sujo) enorme. Os quartos foram pintados em sequência. Infelizmente, como em qualquer reforma, os prazos não foram cumpridos e chegamos até o Natal.

street2spec1Lembro que meu quarto estava todo bagunçado e meu incrível Mega Drive ´se encontrava debaixo de uma pilha de caixas, brinquedos, cama, cadeiras, livros, mesa e outros objetos. Para uma criança de apenas 11 anos, era uma tortura não ter seu videogame em mãos . Principalmente, quando naquele ano de 1992 ocorrera o lançamento do jogo Street Fighter II

Contudo, não havia problema em não ter acesso ao Mega Drive na véspera de Natal, enquanto nos arrumávamos para jantar na casa de minha tia, pois naquele mês, meus pais me explicaram a fase financeira difícil que vivíamos e não teria como comprar o jogo que tanto queria. Não era uma criança pidona, pelo contrário, até hoje não me importo muito com presentes. Mas lembro de que, naquele ano, queria muito ter o Street Fighter II, e não apenas alugá-lo em uma locadora.

Como filho, aceitei a explicação; porém, como criança, ficara triste por não poder ter o jogo. E bola para frente.

Já era início de noite quando meus pais me chamaram na sala de estar de casa. Já estava pronto para sair. Achei que era para descermos para o carro, entretanto, quando chego à sala, os dois me esperavam de pé. Meu pai nunca foi de chorar, mas sabia quando estava bem emocionado. Iniciou sua fala contando novamente sobre as responsabilidades de um adulto, como trabalhar e pagar as contas, e que nem sempre podemos ter aquilo que queremos. Minha mãe, ao seu lado com as mãos para trás, concordava; todavia, com um singelo sorriso no rosto. O que eles pretendiam com aquele discurso?

Meu pai então continuou o relato de como é duro um pai não poder suprir as necessidades de um filho, mesmo aquelas não tão fundamentais. Por sua vez, continuou, o que era importante para mim, também era para eles. Eis que minha mãe traz suas mãos para frente segurando o que seria um jogo de videogame. Street Fighter II. Aquela capa vermelha como fogo queimou meus olhos e minha única reação foi abraçá-los correndo.

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O momento não foi dramático, apenas dois pais dando um presente a um filho. Talvez hoje me pareça mais sentimental que foi na época. Corri para meu quarto com o cartucho na mão, comecei a abri-lo, mas olhei então para a zona que ali se configurava. Parei e virei para meus pais, ainda parados na sala. Foi a vez de minha mãe falar:

– Nem pense em mexer nisso agora. Vamos sair imediatamente para a casa da sua tia.

Sim, alguém tinha ainda de me trazer a realidade… Segurei a ansiedade e levei o Street Fighter II para a casa de minha tia. Não fiquei abraçado com ele durante o jantar, por mais patética que a cena fosse, mas passei o tempo todo imaginando como seria estar em casa, jogando-o livremente…

Mas por que me lembrei disso agora, 21 anos depois? Bom, olhando para Helena, minha filha de apenas 10 meses, não pude parar de pensar em qual tipo de pai gostaria de ser para ela. Não interpretem o exemplo que contei acima como “pais acumulando dívidas para satisfazer desejos supérfluos de uma criança mimada”. Tentem, como eu, visualizar a cena de forma mais aberta.

Diversas noites, quando minha derradeira responsabilidade era apenas acordar para fazer xixi, meu pai estava sentado no sofá da sala, pensando. O que ele fazia ali? Sua única reação ao me ver era sorrir. Fazia minhas necessidades e voltava para o quarto. Eu era muito novo para perceber, ou entender, que enquanto dormia, o mundo dele continuava através de inúmeros cálculos e análises de opções a fim de encontrar soluções para problemas financeiros e, assim, continuar fornecendo jogos de videogame para seus filhos.

E é este o tipo de pai que eu quero ser.

Não um que não pague as contas ou que pegue empréstimos para comprar jogos de videogame. Mas um pai que realize sonhos. Que realize sonhos… Um pai que crie um mundo quase perfeito, onde o maior problema que seu filho precise enfrentar seja não molhar a cama durante a madrugada.

Quero ser um mago, como meus pais, e possuir a magia de fazer minha filha eternamente feliz…

Feliz Natal!

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Gustavo Audi

Se fosse uma entrevista de emprego, diria: inteligente, esforçado e cujo maior defeito é cobrar demais de si mesmo... Como não é, digo apenas que sou apaixonado por jogos, histórias e cultura nerd.

Este post tem 13 comentários

  1. toddy

    ótimo post cara, também lembro da emoção de ter comprado meu primeiro Street Fighter para Super Nintendo! Bons tempos!!

  2. Bruno Fonti

    Vc já é um excelente pai. E sua filha terá muito orgulho disso quando se der conta disso 21 anos depois…

  3. MaxRicardi

    post muito bom!

    e ainda jogo o meu cartucho de SF2, igual esse aí

  4. Natália Audi

    Sem palavras!!!! Parabéns!!!!!! Sensacional!!!!

  5. Bruno Audi

    Chorei… Imagino os dois lá em casa… Com a base familiar que temos e com os exemplos passados por nossos pais ao longo da nossa vida, não temos como não sermos este tipo de pais para nossos anjinhos! Esse exemplo que você deu é apenas um de vários e vários exemplos passados e aprendidos com nossos pais!

  6. Angela

    Gustavo, com certeza essa sua lembrança ou mesmo a coragem de expo-la só aconteceu porque você é pai. Bjs e continue cada vez mais escrevendo, bjs Fofó Anxela

  7. Sonia

    Mais uma vez vc nos fazendo chorar; vc é fogo! Quanto à sua preocupação em ser ou não ser um bom pai para a sua Helena e para outros que ainda virão, não tem razão de ser, é só vc copiar os comportamentos e as atitudes de seus pais, sem mofificar nada, nada, que seus filhos terão o mesmo caráter, a mesma responsabilidade, o mesmo companheirismo entre irmãos, em fim, se eu continuar enumerando todas as qualidades q vc e seu irmão tem, eu não terminaria hj e, isso tudo se deve a que, ou melhor, a quem? Logicamente que a gente é o que nos ensinam, e todas essas qualidades que vc e seu irmão tem não foram aprendidas nas escolas e sim, dentro de sua casa, colocando em prática as orientações e conselhos dados por eles. Resumindo, Guto, se vc está feliz com o pai e a mãe que Deus lhe deu, e está feliz com o futuro que eles o ajudaram a construir, pq mecher num time q está ganhando: seja vc mesmo, pois o q vc é hj, é fruto do bom trabalho q seus pais fizeram ao longo de todos esses anos, logo, a Heleninha terá o melhor pai do mundo. Beijos, meu sobrinho. Você é o orgulho da titia!

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