A Carniça Com Cara de Justiça

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O Brasil está tão violento quanto a Sibéria, tão homofóbico quanto a Rússia e tão egocêntrico quanto os Estados Unidos… Até quando vamos conseguir conviver com isso?

Antes do final da novela Amor À Vida, fiz um texto sobre o beijo do casal Félix e Niko (Mateus Solano e Thiago Fragoso) e me vi esperançosa quando, no dia 31 de janeiro, ouvi meus vizinhos comemorando o tal gesto afetuoso como se fosse um gol da seleção brasileira. Mal sabia eu o que os próximos dias reservavam.

Já no dia 3 de fevereiro, era anunciada a prisão de suspeitos do homicídio do jovem de 18 anos, Bruno Borges de Oliveira. Ele fora morto por um grupo de meninos que visava roubar homossexuais na rua Frei Caneca, reduto dos gays em São Paulo. Além do absurdo e da dor de perder alguém de forma tão violenta por um par de tênis, um celular e um bilhete único, a maior surpresa foi abrir o jornal e ver isso aqui:

Fonte: Unknown

Segundo as Estratégias de Segurança da Folha de S.Paulo, a não ser que você se enquadre no padrão cristão-heterossexual-classe-média, seu direito de beijar alguém na rua pode ser holofote para que bandidos venham te matar por bens não tão valioso assim.

Pedir proteção do Estado? Direitos? Imagina, isso seria demandar privilégios, não é verdade?!?

Quando eu acho que a morte de Bruno por coisas tão fúteis e esse comentário cretino da Folha são as coisas mais insanas com as quais me depararia, cruzei com este vídeo desta “jornalista”:

Calma, antes de fazer qualquer comentário, vamos rever o que ela falou sobre o Justin Bieber?

https://youtu.be/CxZ86Tp03ug

Engraçado, desde que decidi fazer o vestibular para Jornalismo, venho me construindo e me desconstruindo, lendo e relendo meus textos e me punindo a cada palavra torta que tenha escrito, seja sobre um álbum ou sobre um político. Me pego pensando na responsabilidade que minhas palavras carregam quando coloco o título “jornalista” (ou até mesmo “estudante de jornalismo”) após meu nome. Acho que anda faltando reflexão na vida da minha colega.

Minha primeira reação quando vi aquele menino preso a um poste com uma trava de bicicletas no pescoço, nu, com marcas de espancamento foi a sensação de terror, foi me perguntar, “mas foi dado o direito da dúvida a este rapaz?”. Não, não foi.

Quando vejo ambos os comentários da minha colega de profissão, me pego pensando se ela algum dia já passou pelo que aquele menino já deve ter passado, ou se ao menos se perguntou a respeito. Duvido. É muito mais fácil levantar o vidro do carro, fingir que a polícia não sobe a favela dando tiro pro alto, que os ônibus queimados são vandalismo e não revolta, que estes jovens são “marginaizinhos”.

Será que passou pela cabeça de Rachel que ele, por se sentir humilhado ao ser posto num verdadeiro pau de arara, fugiu, correu – como os ancestrais dele correram – para um lugar onde o Estado finge que não vê, onde o Estado está bem mais omisso do que na Zona Sul do Rio de Janeiro. Estado esse que prefere fornecer munição à educação, prefere oferecer cacetada à qualidade de vida.

Sabe Rachel, ouvindo suas palavras sobre o “marginalzinho”, o qual você nem se deu ao trabalho de procurar o nome, e sobre o Justin Bieber me pergunto qual será a grande diferença entre os dois, mas depois já me vem a resposta.

O Justin Bieber, jovem prodígio, teve oportunidades e ainda as tem, porém prefere dirigir bêbado, comprar cocaína, contratar prostitutas, pichar o muro das cidades de um país do qual nem pertence ou conhece; prefere cuspir em quem o admira e reproduzir discursos nojentos dessa cultura do estupro e da misoginia em que vivemos. A diferença é que ele prefere tudo isso.

Sinceramente, não sei se você já foi a alguma periferia de algum lugar do Brasil sem estar protegida por uma câmera, pelo logo de uma emissora de televisão de rede nacional. Na favela, querida Rachel, não existe preferência, existe sobrevivência e talvez esse seja o jeito que o “marginalzinho” achou de sobreviver.

Mas o que mais me surpreende nisso tudo é a posição de uma [grande] parcela de brasileiros favoráveis aos jovens da zona sul, que tem educação e presença do Estado, possibilidades e escolhas, que preferiram cometer este crime e tantos outros que não chegaram ao nosso conhecimento.

Me surpreende tanta gente que vive nos centros das grandes capitais, que vivem de salário a salário, que pegam metrô, trem, ônibus lotado para chegar na sua labuta diária arrotando esse seu discurso de classe média alta, de gente que estava protegida atrás dos muros dos casarões no Morumbi, mas que resolveu se revoltar só agora que o muro já não contém mais nada.

Mas, querido leitores, afinal, quem é hoje Rachel Sheherazade?

Protótipo de colunista da Veja? Um Arnaldo Jabor repaginado? Atire a primeira pedra quem nunca reproduziu discursos sem tirar um pequeno tempo para refletir sobre eles ou quis tanto ser notado que cuspiu qualquer coisa que “pensasse” para ganhar um reconhecimento vazio.

Os teóricos dizem que é normal, que quando todos pensam da mesma forma é porque ninguém está a pensar (Walter Lippman).

Peguem leve com a Rachel, a jornalista está só aprendendo a refletir.

Gaby Molko

Paulista, musicista, jornalista, detalhista, sessentista, comentarista, imediatista e polemista.

Este post tem 26 comentários

  1. Perfeito. Exatamente isso que penso. Uma reflexão lúcida, e que nada tem de se entender a barbárie que se deu contra o batedor de carteiras como “coitadismo social”. Não. Também não aceito a reinvenção do pelourinho. Não aceito que se faça uma versão deturpada da lei de talião, onde não há o “olho por olho”, e sim, o “olho por uma AK. 47”. Roubou carteiras? Vamos humilhá-lo, deixando-o nu, despido de qualquer sombra de dignidade (porque dignidade mesmo ele nunca teve). Vamos terminar o rito da exclusão, deixando-o excluído por completo, excluído como ser humano.

    Também já fui roubado, ameaçado com arma na cabeça das piores formas possíveis. Nem por isso, apoio a exclusão da dignidade humana daquele que sequer teve a oportunidade de entender o que é humanidade. Muitos dos que apoiam o “olho por olho” não sabem o que é a real exclusão. Não sabem o que é ser tão desvalido, tão ignorado, que sequer se tem noção do que é isso. Eu não sei, e tenho certeza de que você, gaby, também não sabe. Mas isso não nos impede de tentar, pelo menos, cultivar o exercício da alteridade e, em ultima instância, ser um pouco mais cristãos (não, não sou evangélico).

    Abraços. Excelente post.

  2. Matheus Wesley

    Ela estava sendo irônica sobre o Bieber.E os trabalhadores q perderam grandes quantias de dinheiro por causa desse marginal ?Não sou a favor de espancar o cara,mas ninguém tá dando a mínima pras vítimas desse bandido !

  3. Matheus Wesley

    E dizer que quem nasce na favela ñ tem outros meios de sobreviver é uma afirmação PRECONCEITUOSA.Isso prq a maioria dos marginais ñ querem uma vida melhor querem uma vida fácil,que eles ñ precisem trabalhar e sim roubar o dinheiro de alguém,morar na favela ñ quer dizer que vc tem que virar um marginal.

    1. gabymolko

      Sabe Matheus, é extremamente fácil a gente usar o argumento de “estava sendo irônico” ao invés de assumir de fato o que falamos ou pensamos. Ela não me pareceu irônica em momento algum, falava do Bieber como falaria de um primo ou sobrinho, e quantas vezes já não falamos assim dos nossos?

      Quanto ao fato de ser preconceituosa, Matheus, eu queria MUITO que estivesse sendo, mas não sou ingênua o suficiente para fechar meus olhos e falar que todos ali tem chances. Dou aula há quase 3 anos em um projeto na periferia aqui de São Paulo para pessoas incríveis, pessoas que eu sinceramente gostaria que tivessem as mesmas oportunidades que eu tive, que pudessem pensar em seguir uma carreira por amor, e não por necessidade. Sabe o que eu vi? Pessoas com ótimos currículos, extremamente competentes, mas sendo chamadas para cargos abaixo do que elas mereciam porque moravam onde moravam, quando chamadas né.

      Em relação às vítimas do “bandido”, que aliás nem demos oportunidade de defesa que é um direito de todos nós, não sou desatenciosa a elas, sou vítima junto, não posso sair da minha casa depois das 21h, fico preocupada quando amigos meus voltam pra casa sozinhos, mas não posso permitir que um ser humano se julgue bom o suficiente para acorrentar um menor de idade nu em local público numa grande metrópole. NADA explica essa situação. Temos justiça e polícia para isso, se elas não funcionam aí já é outra história que devemos resolver de outros jeitos, não torturando pessoas por aí.

      Por que ninguém foi linchar o Thor Batista que MATOU um ciclista? Ou o prefeito de Coari, Adail Pinheiro, por mais de 10 anos de abusos a menores? Por que ninguém foi atrás da nutricionista Gabriella Guerreiro que matou o o Vitor Gurman enquanto dirigia bêbada a sua Land Rover? Ou melhor ainda, por que ninguém foi atrás do João Victor, um dos “justiceiros”, que é acusado de estupro, furto e lesão corporal?

      1. Matheus Wesley

        Mesmo que eles ñ tenham a chance de ter um emprego melhor.O que dá direito a eles de roubar de quem tem ?Se fosse um pão ou um prato de comida,eu nem ligaria mas roubar os bens de consumo de outras pessoas pra vender,em muitos casos,por umas drogas,é outra coisa !

        1. gabymolko

          Mas estuprar, matar, dirigir bêbado pode? Entendi…

          1. Matheus Wesley

            Infelizmente por causa do nossa justiça que deixa muitos ricos impunes,ñ podemos fazer nada,a polícia quer prender mas o governo deixa ?

          2. gabymolko

            Uai, então por que não prender no poste e tirar as roupas? Não estamos pensando nas vítimas, afinal.

          3. Matheus Wesley

            Porque eles foram,acho, no mínimo indiciados e as acusações ñ foram pra frente por causa de problemas políticos e ñ por falta de vontade de prender.

          4. gabymolko

            Ah, e quando o garoto é julgado por um rapaz que já cometeu crimes (quiçá piores) é aceitável.
            Essas pessoas foram indiciadas? A maioria sim, mas a Gabriella ainda está dirigindo mesmo com a carta suspensa, o Thor Batista eu não preciso nem comentar não é? O Adail Pinheiro só foi preso e será conjugado AGORA que a mídia está em cima e você vem me dizer que não é falta de vontade de punir?
            A resposta é simples, tem tanta gente a favor desse menino ser amarrado no poste e humilhado porque ele é ladrão de galinha, porque ele rouba coisas que dois ou três meses depois aquelas pessoas repõem… A menina que foi estuprada por um desses “justiceiros” perdeu muito mais que isso, a mãe do ciclista que o Thor atropelou também, as meninas abusadas pelo Adail perderam a infância.
            Não os julgam em praça pública porque bater, torturar, humilhar se faz com minorias no Brasil, o que é uma maluquice. Quão menos a pessoa tem, menor é o direito dela de um julgamento justo.

          5. Fernando Marley

            Gaby, O problema é a impunidade generalizada, temos ricos, loiros de olhos azuis soltos estuprando, matando e roubando, assim como temos pobres roubando, matando e estuprando. É óbvio que a quantidade de pobres preso é bem MAIOR pelo simples fato de não terem um advogado para defendê-los, mas a impunidade também privilegia os mesmos, com uma justiça morosa e com enormes falhas. Quantas vezes nos deparamos com o mesmo “marginal” circulando livremente pelas ruas? Quantas vezes nos deparamos com “filhinhos de papai” que são presos mas “molham o bolso” do policial e saem tranquilamente pelas ruas? O problema é bem maior, as mobilizações sempre são apenas para conquistas individuais ou para uma pequena oligarquia, seja ela dita social ou elite.

          6. Matheus Wesley

            Como eu disse lá no começo ñ é aceitável espancar e deixar o cara nu,se eles só o prendessem já estava bom.E sobre os justiceiros q tem ficha criminal se eles estão impunes é outra falha do governo.

          7. Dr. Housyemberg Amorim

            Então, cara. Se é falha do sistema justiceiros que prenderam o menino bandido pelado no poste, porque a gente não caça os justiceiros (TODOS eles possuem ficha criminal) e não fazemos o mesmo com eles? Olho por olho, idiotice por idiotice. Se vc acha justo, por que a gente não forma a nossa milícia (que é o nome correto do bando) e não fazemos o mesmo?

          8. Matheus Wesley

            Eu não acho justo,sóacho que passaram muito a mão no bandido,se não existisse todos essa corrupção e falta de interesse do governo na educação e segurança,ñ estariamos vendo isso .

          9. Dr. Housyemberg Amorim

            Então, vc acha que, se o garoto tivesse as mesmas chances que um jovem de classe média (educação com alguma qualidade, investimento em consciência social e moral, oportunidades de desenvolvimento de suas habilidades inatas), ele não cometeria crimes, é isso?

          10. Matheus Wesley

            Se eles gastassem mais tempo dando educação,ensinando o que é certo pra esses garotos que vivem na rua,talvez eles não se tornassem bandidos,ou não,mas pelo menos iriam tentar

    2. Cara, me desculpa, mas vc tem alguma noção do que é trabalhar numa organização criminosa? É, salvo engano, gerenciar um negócio que gera bilhões em lucro para os “donos” que não estão na favela, mas usam seus gerentes para movimentar o negócio. De maneira análoga é como gerenciar o Mc Donalds que também vende drogas, mas essas são lícitas…

  4. Homem cinza sem pescoço

    Como adepto do Budismo, não acredito na concepção de bem ou mal. Esses são valores ocidentais que muitas vezes são usados para justificar nosso próprio preconceito em relação à alguém que nos fez algum mal ou bem. Tanto o garoto acorrentado como quem o acorrentou são seres humanos e o ser humano é fruto de seu meio. Não acho justo condenar nenhum dos lados, pois ambos carregam em si valores, culturas e comportamentos aos quais são expostos durante sua vida. Socialmente falando, o problema, acredito eu, esteja na cultura de nosso povo, o histórico de abusos por parte de autoridades, impunidade, etc.

    1. Então, o histórico de abusos seria o “mal” que deveríamos combater? Assim, quando não se acredita em bem e mal (mesmo nas suas versões mais egoístas) se cria uma impossibilidade de se visualizar problemas, pois problemas são o reconhecimento de que algo vai mal e, se resolvido, poderá melhorar alguns aspectos de determinada comunidade e/ou pessoa (trazendo algum bem)…

      1. Homem cinza sem pescoço

        Os problemas existem, é fácil visualizá-los, a grande questão é como lidar com eles. Ninguém abusa se não for permitido abusar. Mas como fazemos para que isso não aconteça?

        1. Essa é a grande questão, rapaz. Vivemos num país que nasceu em meio à corrupção desenfreada. Nem mesmo o conforto de um passado heroico nós temos.

          Como conseguir que a corrupção saia do pensamento comum do brasileiro? Sinceramente? Não sei.

          1. Homem cinza sem pescoço

            Eu também não sei, ser “malandro” faz parte da nossa cultura e vemos isso como algo positivo. Isso está enraizado em nosso povo. A grande mídia incentiva isso. Esqueça o bem e o mal e você verá os problemas. Em outras palavras, “não existe colher”

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