Sobre Félix, Niko e Beijo Gay

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“Será que posso dormir na sua casa? Resolvi contar pra minha mãe”, já nem consigo mais contabilizar as vezes que recebi esse SMS no meio da noite, famílias destruídas, pessoas acabadas. Era triste encarar o olhar de cada amigo quando isso acontecia, cada amigo que, por falta de amor, se perdeu pelo mundão e hoje sabe-se lá onde está.

Não estou falando de dados, números nós vemos demais por aí; o aumento de mais de 100% em crimes relacionados a gênero, os casos de homofobia que querem nos descer goela abaixo como suicídio… Nós sabemos de tudo isso, mas mesmo assim ser gay, lésbica, bissexual, transexual, travesti no Brasil, é o mesmo que ser exposto e invisível ao mesmo tempo.

HOMOfobia-escola

O discurso homofóbico está embutido nas salas do Brasil, quantas vezes você já ouviu “esse cara é viado, não é não?!” quando aparecem atores ou cantores na tela da sua TV? Quantas vezes você falou isso?

Qualidade não é o que estou discutindo aqui, mas quando liguei a TV nessa terça-feira (21) não esperava uma cena tão delicada (assista aqui), tão explicativa, tão emocionante sobre o assunto em Amor à Vida. Quando Félix (Mateus Solano) perguntou a Niko (Thiago Fragoso), “foi assim com você também?”, isso depois de ser expulso da casa do pai e da irmã e ser chamado de “bichona” meus olhos se encheram de lágrimas ao lembrar dos amigos que se foram. Ao mesmo tempo eles se encheram de orgulho de ver essa nação discutindo na novela das 8, que é nosso grande evento televisivo, a situação do homossexual no país.

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Minha mãe, nascida e criada em um interior distante de São Paulo, engolia seco a cena, talvez revendo suas atitudes mesmo sem eu nunca ter falado nada, porque nunca precisei falar. Essa mulher sempre foi a representação da sociedade pra mim, cresci ouvindo o discurso dela mudar, e ali, numa tensão de beijo ou não beijo, estava para acontecer algo que esperei quase a vida inteira pra ver, aceitação.

“Te disse que não precisa de beijo”, ela proferiu após um longo silêncio. Olhei pra ela, como quem quer ouvir mais, e ela completou, “não tenho nada contra, mas a sociedade não está pronta pra isso”.

“Está pronta pra assassinato e sexo quase explícito, então?”, perguntei calmamente e ela se calou. A verdade é essa, temos violência para dar e vender nas nossas televisões todos os dias; só nessa novela, Amor À Vida, foram dois assassinatos e mais de seis tentativas, dessas pelo menos quatro contra uma criança. Ainda nesta novela, as cenas de sexo são incontáveis em todos os núcleos, desde o cômico – com Valdirene e Palhaço, Gentil e Márcia – até o principal – com Paloma e Bruno, Edith e o mordomo, Aline e César, Pilar e Maciel.

Aparentemente Walcyr está autorizado a escrever a cena do beijo e ela é sim necessária, não como a primeira cena de beijo gay nas telenovelas, mas como reconhecimento.

Gaby Molko

Paulista, musicista, jornalista, detalhista, sessentista, comentarista, imediatista e polemista.

Este post tem 6 comentários

  1. Harvey_o_Adevogado

    O preconceito tem que sair do armário (olha o trocadilho). Mas falando sério agora: a pior coisa que o ser humano pode fazer é restringir um direito de outro ser humano. Lembrei de Clement Attle (lembrei nada, tenho um bloco de notas com várias frases de efeito): “Democracia não é apenas a lei da maioria; é a lei da maioria respeitando o direito das minorias.” Estou tendo um orgasmo jurídico nesse exato instante.
    Parabéns pelo texto Gabi.

  2. Gustavo Audi

    Muito bom post, Gaby!
    Acredito que boa parte das pessoas com preconceito agem desta forma por não estarem acostumadas com o comportamento homossexual. E eu me incluo nelas – passei a maior parte da vida sem entrar em contato com homossexuais; e tudo o que é estranho a você, tem fortes chances de entrar no campo do errado, ruim, feio, anormal. Eu aprendi a lição. Um beijo gay ainda causa um pouco de surpresa para mim, mas sei que quem está errado sou eu e tenho que trabalhar melhor a minha noção de mundo.
    Infelizmente, não acho que viveremos para ver uma sociedade em que um “beijo gay” será descrito apenas como um “beijo”, pois antes de reconhecer a normalidade da homossexualidade, é preciso reconhecer a própria ignorância.
    Pelo menos, eu já reconheci a minha…

  3. JJota

    É incrível como certas coisas provocam ondas de terror em algumas pessoas.

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