Como fazer um texto que todos acharão Fod@

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Muitas vezes, enquanto lemos um texto, temos de voltar e reler um trecho diversas vezes para poder retirar um significado dali. Ou, ainda, ocorre o clássico “desligamento”: quando percebemos, estamos no fim do parágrafo, mas não nos lembramos de nada.

Em textos como estes, a leitura torna-se desgastante, pois gastamos mais tempo relendo e decifrando o que o autor disse do que refletindo sobre o que foi exposto. Se a leitura não for obrigatória, o interesse se perde…

Entretanto, percebo que textos com estes formatos difíceis, densos, são muitas vezes mais valorizados (e cobiçados) do que textos mais simples, que se preocupam com a mensagem sobre a forma. Não estou afirmando que a forma não é importante, mas quando ela se torna o foco do texto ou é pensada deliberadamente para criar uma “aura” que demonstra incontestabilidade e alta carga de conteúdo, então isso vira um problema.

Por isso, resolvi dar umas dicas de como transformar seu texto (ou até sua fala) de tal maneira que todos pensarão: porra… esse cara manda…

Como exemplo, usarei a seguinte frase:

Jogos baseados em filmes são ruins, pois são rasos e não apresentam nada novo.

Em cima dela, acrescentarei as dicas. É importante dizer que os mecanismos não se excluem. É possível, e recomendado, fazer combinações entre eles.

Datas

A utilização de datas sempre dá credibilidade, principalmente as quebradas. Não importa se elas farão diferença no objetivo da mensagem.

Jogos baseados em filmes são ruins, principalmente aqueles produzidos após o segundo trimestre de 2002, pois são rasos e não apresentam nada novo.

Expressões estrangeiras

Inglês, apesar de batido, ainda dá um gás (mas se puder, e dependendo do tema, opte por francês, alemão, grego ou latim).

Games baseados em filmes são ruins, pois são rasos e não apresentam nenhum aliquid novi.

Associações

Procure sempre fazer uma referência a algo externo (mesmo que não tenha nada a ver com o que você queira passar) – isso demonstra conhecimento amplo e variado…

Assim como as adaptações cinematográficas das obras literárias de Stephen King, jogos baseados em filmes são ruins, pois são rasos e não apresentam nada novo.

Citações filosóficas

Limite-se aos mais conhecidos para não acharem que está inventando (a não ser que você cite vários de uma só vez).

Para um ar mais erudito, use Platão ou Aristóteles; para um ar mais cult, Kant, Nietzsche ou Freud. Há diversos outros que você ainda pode escolher…

Jogos baseados em filmes são ruins, pois são rasos e não apresentam nada novo; falha já apreciada por Aristóteles, na Poética, quando afirmou que imitar um original de forma equivocada é um erro de arte.

Porcentagens e números

Assim como o uso de datas, quantificar o que você expõe dá maior credibilidade. Pode ser um valor aproximado, desde que utilize números.

Mais de 73% dos jogos baseados em filmes são ruins, pois são rasos e não apresentam nada novo.

Palavras e frases para encher linguiça

Uso de advérbios e sinônimos incomuns. Discurso prolixo é ótimo para alongar o texto.

Lamentavelmente, jogos alicerçados a partir de obras cinematográficas consistem em concepções destituídas de mérito fidedigno, porquanto, submetem o jogador – um sujeito abnóxio que almeja apenas entretenimento pertinente – a um conteúdo tão raso quanto o Mar de Azov, chamado na Grécia Clássica de Lagoa Meótida, e, não obstante, ainda apresentam percentual de inovação praticamente nulo.

Inversão sujeito/verbo/predicado

Não só inverter a ordem, como separar os três elementos é bem legal. Deixe o predicado no começo e o sujeito só no fim da frase, isso obriga o leitor a excluir o meio para poder montar a frase na ordem não barroca…

São ruins, aqueles baseados em filmes, os jogos, pois nada novo apresentam e rasos ainda são.

E é desta forma que uma frase simples e direta como esta:

Jogos baseados em filmes são ruins, pois são rasos e não apresentam nada de novo.

Acaba desta maneira:

Lamentavelmente, consistem em concepções destituídas de mérito fidedigno, assim como as adaptações em película das obras literárias de Stephen King,  mais de 73% dos games produzidos após o segundo trimestre de 2002, alicerçados a partir de obras cinematográficas, porquanto submetem a um conteúdo tão raso quanto o Mar de Azov, chamado na Grécia Clássica de Lagoa Meótida, o player, um abnóxio sujeito que almeja apenas entretenimento pertinente. Não obstante, ainda apresentam percentual de aliquid novi praticamente nulo; falha esta já apreciada por Aristóteles na Poética ao asseverar que é um erro de arte imitar um original de forma equivocada.

É foda, né não? Diz aí…

Gustavo Audi

Se fosse uma entrevista de emprego, diria: inteligente, esforçado e cujo maior defeito é cobrar demais de si mesmo... Como não é, digo apenas que sou apaixonado por jogos, histórias e cultura nerd.

Este post tem 8 comentários

  1. Cara, muito bom esse post. Me fez lembrar um quadro que o Othon Moarcyr Garcia fez em seu livro Comunicação em Prosa Moderna. Nesse quadro, ele mostra que é possível escrever inúmeras possibilidades de textos que não dizem porra nenhuma, de inúmeras maneiras diferentes, simplesmente fazendo combinações aleatórias entre os elementos de várias colunas do quadro. hehehe

  2. Don Vittor

    Muito bom esse texto, meu amigo! Tem horas que até pensei em estar recebendo uma indireta ahuUHAUHHUAHUAHUAUHA

  3. Raimundo Lonato

    Depois de ler essa postagem,vamos elaborar um texto que se aproxime de um ensaio que aborde a literatura de Proust e os diálogos da cultura nerd.

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